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Mês: Março 2014

4 de Março, 2014 Carlos Esperança

A QUESTÃO DO FERIADO DE CARNAVAL

Por

A. Horta Pinto

Tem-se discutido muito se a terça-feira de Carnaval deve ou não ser feriado nacional. Até aqui, tem prevalecido a tese negativa, não sei porquê. A tradição de festejar o Carnaval está profundamente arreigada no povo português, que gosta de se divertir nesses dias. Assim, não vejo razão para que o dia de Carnaval não seja feriado.

Porém, nestes tempos de “austeridade” forçada, poderia objetar-se que seria mais um dia em que não se trabalharia, o que iria prejudicar a produtividade e a competitividade da nossa economia. Mas esse problema é fácil de resolver: bastaria que ao mesmo tempo se suprimisse outro feriado de menos relevância.

Passando em revista os feriados existentes, parece-me que o mais indicado para essa troca seria o da “Imaculada Conceição”. Com efeito, porque razão é feriado o dia 8 de dezembro? Porque foi nesse dia, em 1854, que foi proclamado o dogma da “Imaculada Conceição”. A tradição católica sempre aceitou como certo que Maria era virgem quando concebeu Jesus Cristo, e virgem ficou depois do nascimento deste. Ora, talvez porque o racionalismo do século XIX começasse a pôr em causa a possibilidade de tal ter acontecido, o Papa Pio IX, 1854 anos depois da referida “conceição”, resolveu cortar cerce as pretensões racionalistas, proclamando essa virgindade vitalícia como dogma da Santa Igreja, indiscutível “urbi et orbe”.

Ora, temos de convir que esta matéria é um tanto ou quanto obscena. Imagine-se que uma criança de seis ou sete anos perguntava ao pai: “Papá, o que é a Imaculada Conceição?” De certeza que o pai ficaria seriamente embaraçado para responder a tal pergunta. Trata-se pois de um feriado no mínimo inconveniente.

Por outro lado, se o dia da “Imaculada Conceição” não fosse feriado, pouca gente se importaria e ninguém faltaria ao trabalho para comemorar tal dogma. Pelo contrário, todos os anos há protestos por o dia de Carnaval não ser feriado, e muitos trabalhadores arranjam os mais variados pretextos para não irem trabalhar. E os que não conseguem escapar-se ficam frustrados, pelo que trabalham pouco e mal, tudo em prejuízo das tais produtividade e competitividade. Isto é: até o tão decantado “ajustamento” beneficiaria com a troca!

3 de Março, 2014 Carlos Esperança

Momento zen de segunda_03_03_2014-03-03

João César das Neves (JCN) deu o título de «Gambozinos» à homilia de hoje, no DN, começando por definir os animais imaginários com que se ludibriam os pacóvios, como «animais nocturnos, ariscos e fictícios, caçados em grupo nos bosques portugueses», à imagem e semelhança dos anjos, lobisomens, profetas, virgens e demais fauna mística que povoa a sua imaginação pia.

A homilia começa por afirmações triviais sobre economia, de que é destacado mullah no madraçal* de Palma de Cima, para logo lhe fugir o pé para a chinela, com a boca seca da eucaristia, o coração dorido do martírio do seu deus, o corpo debilitado pelos jejuns e a alma atormentada pelos ensinamentos do Concílio de Trento.

De prudente mullah da economia passa a talibã romano, a execrar a coadoção por casais do mesmo sexo. É a obsessão de quem troca o amor pela abstinência, o êxtase do corpo pela martírio da alma, a felicidade humana por uma assoalhada no Paraíso.

O domingo é um dia difícil para JCN. Depois do êxtase místico, das genuflexões pias da missa, das orações prolongadas e do jejum, é obrigado a aliviar o cilício para cumprir a publicação do dia seguinte, no DN, e, quiçá, a penitência a que o confessor o condenou.

É dessa penitência, com a auréola da santidade e os dedos condenados à tendinite, que emerge o desvairamento com que execra a aprovação da lei da coadoção por casais do mesmo sexo. Atira-se às teclas com o furor de Santiago aos mouros, com a raiva de um cruzado aos infiéis e a metódica tortura de um inquisidor aos hereges.

Afirma JCN que a referida lei «alterou o multissecular conceito natural do matrimónio» como se os adjetivos fizessem jurisprudência, como se o esclavagismo e a tortura, por serem também multisseculares e naturais, fossem justos ou toleráveis.

Exoneradas a inteligência e a razão, ao serviço do seu Deus, JCN considera irrisório que «nos três primeiros anos foi realizado um total de 914 uniões, 0,8% dos casamentos do período. Seria mesmo uma necessidade relevante?».

Que raio de argumentação! Se houvesse 914 pessoas em risco de se afogarem, apenas 0,8% dos afogamentos, discutiria JCN se seria relevante salvar essas 914 pessoas?

Depois do ruido criado pelo líder da JSD, com a proposta do referendo inconstitucional, agora que a proposta de lei, que já devia estar aprovada, voltou à A.R., JCN afirma que «Desta vez discutem a co-adopção e adopção por casais do mesmo sexo…» e adita em pura retórica: «No meio dos dramas nacionais, os deputados sentem-se livres para caçar gambozinos».

Para JCN, a afirmação dos direitos individuais é comparada cinegeticamente como uma «caçada aos gambozinos». «Bem-aventurados os pobres de espírito…»

3 de Março, 2014 Carlos Esperança

Legionários de Cristo: a oportuna ‘ressurreição’ pré-pascal…

Por
O silêncio apostólico que tem envolvido os ‘Legionários de Cristo’ parecia ser a antecâmara da dissolução desta tenebrosa organização, depois de conhecidas as múltiplas tropelias do seu fundador – padre Maciel.
A decisão do actual papa em nomear um novo director e prosseguir com a actividade desta congregação link, apesar dos crimes (civis, entenda-se) já denunciados, reflecte as dificuldades como a ICAR lida com o Mundo, nas situações difíceis e intoleráveis.
 Trata-se de um escândalo de tal modo grave que o anterior responsável pelo Vaticano (B-16) foi ‘obrigado’, em 2010, a nomear um ‘delegado pontifício’ (Mons. Velasio De Paolis link)  para administrar esta estranha ‘Legião’ que, na prática, foi uma dos sustentáculos (a par da Opus Dei) do pontificado de João Paulo II.
O Mundo ‘acreditou’ que, perante o descalabro visível e a enormidade dos crimes, o ‘delegado’ (oriundo da Prefeitura para os Assuntos Econômicos da Santa Sé) seria o natural representante da Cúria na comissão liquidatária desta instituição católica. Na verdade, esboroada toda a sua missão apostólica assente em colégios e missões, restavam os avultados aspectos económicos inerentes à ‘crapulosa’ e miserável acção destes ‘legionários’.
Aliás, o comunicado sobre esta instituição e objectivamente sobre o trabalho do padre Maciel, documento que antecede a nomeação do delegado pontifício é, para um documento oriundo do Vaticano, muito claro: “Os comportamentos muito graves e objectivamente imorais do P. Maciel, confirmados por testemunhos irrefutáveis, representam às vezes verdadeiros delitos e manifestam uma vida sem escrúpulos e privada de autêntico sentimento religioso… link”.
Muita gente esperava a dissolução desta instituição onde os actuais membros não deixam de mostrar alguma nostalgia e admiração pelos ‘bons tempos’ do falecido padre Maciel link¸ link. Mas por detrás desta ‘montra’ estão duas questões fundamentais: o poderio económico desta instituição e a capacidade em municiar a ICAR com milhares de seminaristas/ano.
Dificilmente o Vaticano consegue escamotear uma infame situação: o padre Maciel esteve à beira da beatificação link.
Conhecida é também a incapacidade da Cúria para controlar e evitar os crimes (é disso que se trata) em algumas (e não só dos ‘Legionários’) congregações. Sob o ponto de vista de trajectória histórica é plausível admitir que desde há largos anos (décadas) o Vaticano conhecia o execrável comportamento do ‘comandante’ desta ‘Legião’, mas os proventos que daí vinham eram ‘irrecusáveis’ e davam ‘jeito’ (orçamento anual superior a 500 milhões de euros).
Este ano, em Abril, Francisco deverá canonizar JP II. A reabilitação da Legião serão as ‘matinas’ desse ofício santificador para um indefectível protector desta congregação e um relapso encobridor dos seus crimes a troco de ’30 dinheiros’.
Nada que acrescente especial valor à actual administração do Vaticano que diariamente usa os media. Esta é indubitavelmente uma resposta ‘vulgar’, acintosa e inaceitável da ICAR às acusações que foram objectivamente formuladas por organismo da ONU link.
Uma resposta totalmente condicionada pela torrente de dinheiro que flui desta congregação para o Vaticano, não sendo ‘aconselhável’ bulir, estrangular ou exorcizar.
É  a velha e pia doutrina do ‘Per omnia saecula saeculorum”…
2 de Março, 2014 Carlos Esperança

Aconteceu em 2 de março de 2001

 

Há 13 anos, um país assolado pela miséria, minado pela fanatismo, lacerado pela fome, onde as mulheres foram proibidas de acesso à educação e à saúde, teve de observar os rigorosos preceitos islâmicos e renunciar aos mais elementares direitos, com frequência à própria vida.

Poderia ter acontecido em diversos locais do planeta, mas aconteceu num país com uma cultura antiquíssima cujo poder foi assaltado pelos tristemente célebres estudantes de teologia, vulgo talibãs, quando dois budas gigantes esculpidos em pedra nos séc. II e V foram destruídos com mísseis e espingardas automáticas para não serem adorados falsos ídolos que “insultam o islamismo”. Aconteceu no Afeganistão.

Em todos os tempos e em várias religiões houve bárbaros que entenderam que os livros ou diziam o mesmo que o livro sagrado, e eram inúteis, ou diziam coisas diferentes, e eram prejudiciais.

A inteligência, a sensatez e a sensibilidade não são apanágio de uma só cultura, mas são contrárias à mais funesta de todas as misturas: a fé, a ignorância e o proselitismo. É esta mistura perversa que faz a infelicidade dos povos, a miséria das nações e a tragédia das sociedades que se desfazem em asfixiante submissão.

Destroem progressivamente o património cultural, da mesma forma selvagem com que suprimem as liberdades cívicas. E, enquanto a fome, a doença e a miséria devastaram a população, bloqueada pelo terror, o mundo urbanizado assistiu, impotente na sua raiva, a ver postergados os mais elementares valores que são o traço comum da civilização.

Os povos não são donos absolutos do património que detêm e são obrigados a responder pela sua guarda. Os déspotas, que exercem o poder de forma antidemocrática, terão de responder pelos dislates e crimes que cometem. E serão homens a julgá-los, sobretudo àqueles que se julgam com mandato divino.

Provavelmente o direito de ingerência encontraria então plena justificação. Perante as hordas de selvagens que um pouco por todo o lado conquistam o poder com armas que as grandes potências nunca deixaram de fornecer, exige-se uma nova ordem que liberte do caos e do crime organizado multidões que tiveram a desdita de nascer no sítio errado sob o jugo de tenebrosos trogloditas.

Este crime foi perpetrado em 2 de março de 2001. Há 13 anos. Hoje, o Afeganistão está, de novo, a ser abandonado à demência talibã.

Bamiyan_Buddha 1931

1 de Março, 2014 Carlos Esperança

Maria de Magdala (História adaptada)

Naquele tempo, em Magdala, na antiga Palestina, uma multidão preparava-se para apedrejar Maria sobre quem recaía a acusação de pecadora. Fora um boato posto a correr, talvez por um corcunda da tribo de Manassé, ressentido por se ter visto recusado, que a sujeitara ao veredicto de que não cabia recurso.

O princípio do contraditório ainda não tinha sido criado, nem era hábito ouvir o acusado, jamais sendo mulher, nem a absolvição era previsível nos hábitos locais. A lapidação de Maria tinha transitado em julgado.

A lapidação era, aliás, um divertimento em voga, que deixava excitados os autóctones das margens do rio Jordão que atravessava o Lago Tiberíade a caminho do mar Morto. Diga-se, de passagem, que esse desporto ainda hoje é muito popular nos países islâmicos, para imenso gáudio das multidões e satisfação de Maomé.

Aconteceu que andando o Senhor Jesus a predicar por aquelas bandas, depois de indagar o que se passava, aproveitou a multidão para se lhe dirigir, e disse:

– Aquele de vós que nunca errou que atire a primeira pedra.

Todos pareceram hesitar. Muitos deixaram cair as pedras com que chegaram municiados. Havia crispação nos que vieram de longe, com sacrifício, e um certo desapontamento de todos os que esperavam divertir-se. Só o Senhor Jesus continuava sereno, a medir o alcance das suas palavras. Mas, eis que da multidão se ergueu um braço e Maria de Magdala caiu derrubada por uma pedra certeira.

Enquanto algumas pessoas a reanimavam, na esperança de repor o espetáculo que tão breve se esgotara, o Senhor Jesus foi junto do atirador e disse-lhe:

– Então tu, meu filho, nunca erraste?

– Senhor, a esta distância, nunca.