Há poucas semanas critiquei uns argumentos absurdos que o filósofo Alvin Plantinga apresentou contra o ateísmo (1). Várias pessoas responderam a essas críticas mas, curiosamente, sem mencionar nada que resolvesse os problemas na argumentação do Plantinga. Simplesmente alegaram que eu não sabia nada da epistemologia que Plantinga defendia o que, além de falso é irrelevante para criticar o que ele disse na entrevista. Mas um post sobre uma ideia central naquilo que o Plantinga defende pode ajudar a perceber porque é que tenho tão pouca admiração por este filósofo.
Plantinga argumenta que é racional acreditar em Deus mesmo sem ter evidências propondo que “uma crença C é justificada para o sujeito S se e só se C for gerada por faculdades adequadamente funcionais num ambiente apropriado e de acordo com um plano bem sucedido para a produção de verdade” (2). Simplificando e ignorando algumas complicações filosóficas, uma crença é justificada se surge por um processo fiável nas condições certas. Assim, se Deus existir e tiver criado nos humanos uma predisposição para ter fé na sua existência e essa predisposição for fiável então a crença na existência de Deus será justificada pela fé. Mesmo que isto fosse uma epistemologia satisfatória não suportaria a conclusão de que é racional acreditar em Deus pela fé porque essa crença só seria justificada se Deus existisse. Na melhor das hipóteses será um argumento a favor do agnosticismo. Mas o problema desta tese de Plantinga é mais fundamental. Para que uma crença seja justificada não basta que surja por um processo fiável. É preciso também que quem adopte essa crença saiba que ela surgiu por um processo fiável.
Este problema é evidente num artigo mais antigo do Plantinga, onde ele propõe esta sua epistemologia como uma modificação do fundacionismo (3). Resumidamente, o fundacionismo defende que qualquer crença ou é justificada com recurso a outras crenças justificadas ou é uma crença básica, auto-justificada por ser auto-evidente e impossível de alterar. Por exemplo, se eu sinto que estou a ver um copo de cristal, a crença de que eu sinto que estou a ver um copo de cristal será uma crença básica porque é auto-evidente e não posso sequer considerar alternativas. Se sinto não posso crer que não sinto.
Plantinga tenta relaxar esta exigência e defende que para uma crença ser básica – i.e. não depender de outras crenças para se justificar – basta que surja nas condições certas. Por exemplo, se eu sinto que estou a ver um copo de cristal, nas condições certas, não só é auto-justificada a crença de que eu sinto que estou a ver um copo de cristal* mas também a crença de que eu estou realmente a ver um copo de cristal. Se a minha visão funciona bem, defende Plantinga, então justifica-se crer que o que eu sinto corresponde à realidade. No entanto, a crença de que eu estou realmente a ver um copo de cristal não pode ser básica porque só se justifica se eu acreditar também que a minha visão está a funcionar bem. Em pequeno, num estado febril e meio a dormir, tive uma visão vívida de um belo copo de cristal a flutuar à minha frente, reflectindo a luz em imensas cores. A crença de que eu tive essa visão pode ser básica mas não considerei justificável crer que se tratava de um copo de verdade porque, naquele momento, não acreditei que o meu sistema nervoso estivesse funcional. Plantinga quer varrer este problema para debaixo do tapete exigindo unicamente que o processo esteja a funcionar correctamente nas condições certas mas isso não basta porque o sujeito tem de o saber também. Suponhamos que eu vi aquele copo porque Deus fez um milagre e criou um copo mágico a flutuar à minha frente quando eu estava cheio de febre. Nessas condições eu estava a ver um copo real por meio do meu sistema nervoso, que Deus tinha concebido para identificar copos de cristal de forma fiável, em condições tais que tudo estaria a funcionar bem. Mas, mesmo assim, não seria justificado eu acreditar que o copo era verdadeiro se não sabia do milagre e julgava que estava a alucinar com a febre.
Resumindo, Plantinga tenta fazer aqui um atalho na epistemologia defendendo que alguém pode ter uma crença justificada apenas pelo processo como a crença surgiu sem precisar de justificar porque acredita que o processo é fiável. Isto não faz sentido. Se eu sinto que estou a ver uma árvore, em condições normais, tenho justificação para crer que é mesmo uma árvore mas porque tenho justificação para crer que a minha visão é fiável nessas condições. Por exemplo, pela consistência com que tenho conseguido identificar árvores no passado. Mas se vejo um fantasma, ou se sinto Deus, não posso justificar crer que estou a sentir algo real sem justificar primeiro a premissa de que o meu sistema nervoso é adequado para identificar correctamente estas entidades. E mesmo que se dê esta borla, Plantinga fica apenas com um argumento circular: se Deus existir, diz ele, justifica-se crer pela fé; mas se não existir então não se justifica. Isto só reforça a conclusão de que é irracional acreditar em Deus pela fé enquanto não houver confirmação independente da sua existência e da adequação da fé para apurar este tipo de factos.
*Ressalva: isto segundo o fundacionismo. Eu não concordo com a abordagem de tentar encontrar crenças básicas que não carecem de justificação porque até a sensação de ver o copo surge de correlações estatísticas num grande número de experiências que, ao longo da vida, foram moldando o sistema nervoso capaz de produzir essa sensação. Ou seja, a justificação, em última análise, não está em elementos atómicos mas na relação de grandes conjuntos de factores. Mas, como diria a grande filósofa Teresa Guilherme, isso agora não interessa nada.
1- Treta da semana (passada): os argumentos.
2- Plantinga, Tooley, 2008, Knowledge of God.
3- Plantinga, 1981, Is Belief in God Properly Basic?; Nous 15: 41-52.
Em simultâneo no Que Treta!
Eu acho giro o “dia da mulher”. Assim como o “dia da criança”, o “dia do avô” e, de um modo geral, todos os “dias do”, seja do que for. Estou a lembrar-me de uma luminária que até queria criar o “dia do cão”, certamente para o pôr em paralelo com outro “dia do”, ou “da”, qualquer. Mas o “dia da mulher” é diferente, no fim de contas, um dia passa depressa e temos os outros 365 para pôr a mulher onde se deve: na cozinha, e nas quotas partidárias. E no hospital, quiçá na morgue. Ou seja, podemos continuar, alegremente, com a nossa hipocrisia social. Estou convencido, aliás, de que hoje, “dia da mulher”, nenhuma vai ser assassinada pelo companheiro, ou ex-companheiro. “Dia da mulher “é para se respeitar, e no ano passado, 2013, mais de três mulheres por mês foram assassinadas, mas, se a memória não me atraiçoa, nenhuma delas o foi no “dia da mulher”. O que já é um sinal positivo, como diria um dos nossos inefáveis políticos de pacotilha.
Há pouco, num canal de TV, e não me perguntem qual porque eu já tenho calo no dedo polegar por causa do “zapping”, um anúncio publicitário proclamava que “Março é o mês da mulher”, o que representa um progresso inquestionável, suponho que uma conquista irreversível, já que de um mísero “dia da mulher” se passa para o “mês da mulher”. Com jeitinho, ainda chegaremos ao “trimestre da mulher”, daí saltaremos para o “semestre da mulher”, e não tarda nada estaremos no “ano da mulher”, nada de confusões, singular é singular, plural é plural e escreve-se sempre com “o” e sem acento circunflexo no “a”.
Estou à espera que alguém se lembre, também, de instituir o “dia da hipocrisia”. Apenas para o tornar diferente dos outros dias.
Nutro pelos dias do calendário, que a sociedade de consumo reverencia, saudável horror e desprezo visceral.
No dia da mulher vacilo e soçobro. Evoco mãe e irmã e esmoreço; lembro companheira e amiga e descoroçoo. Recordo as mulheres, vítimas de todas as épocas, e enterneço-me.
Recordo a oração matinal dos judeus que convida os homens a bendizer Deus por tê-lo feito judeu e não escravo…nem mulher. Recordo a Tora que decidiu a inelegibilidade [da mulher] para funções administrativas e judiciárias e a incapacidade de administrar os próprios bens.
Lembro a submissão que o islão impõe, a burka que lhe cobre o corpo e oprime a alma, a lapidação, as vergastadas e a excisão. Os machos são superiores às fêmeas, «porque Deus prefere as homens às mulheres (IV, 34)».
A cultura judaico-cristã é misógina, submete e explora a mulher. Destina-lhe a cozinha e a procriação, a obediência e a servidão. É a herança que Abraão lhe deixou.
Quando a mulher irrompeu com a força contida por séculos de opressão, avançou nas artes, na ciência e na cultura, com o furor do vulcão que estoirou os preconceitos.
Antes do 25 de Abril, em Portugal, a mulher carecia de autorização do marido para transpor a fronteira, não tinha acesso à carreira diplomática ou à magistratura, nem à administração de bens próprios.
Não há países livres sem igualdade entre os sexos.
A libertação da mulher é uma tarefa por concluir, contra o peso da tradição, a violência dos homens, o abuso das Igrejas e os preconceitos da sociedade.
Hoje, dia internacional da mulher, é dia para, homens e mulheres, pensarmos que somos iguais. Todos os dias. Em qualquer lugar. Sempre.
Há quem acredite que uma pessoa só morre quando chega a sua hora, do mesmo modo que há quem acredite no destino.
Tudo bem.
Por mim, até podem acreditar nas promessas eleitorais. Eu é que não acredito – nem no destino, nem na hora pré-determinada para morrer. Nem, naturalmente, nas promessas eleitorais. Nem em muitas outras coisas que agora não vêm ao caso.
Na verdade, as coisas não são assim tão simples; e o mero facto de acreditar nisto ou naquilo, tem muito que se lhe diga, torna-se muito complicado, por muito simples que pareça.
Vejamos, por exemplo: eu dou um tiro num freguês qualquer, e mato-o. A minha pergunta é: tinha, ou não, chegado a hora da morte do cidadão? A pergunta parece cavilosa, mas não é. Porque duas questões se nos deparam imediatamente: se ainda não era chegada a hora de o caramelo morrer então prova-se, sem que reste a menor margem para qualquer resquício de dúvida, que a hora da morte pode ser quando um homem quiser, como o Natal. O que põe logo em causa a legitimidade da crença acima referida; por outro lado, se já era a hora de o ex-cidadão, ora transformado, para poder servir de exemplificação, em respeitável defunto, deixar este vale de lágrimas, eu pergunto por que carga de água há-de a polícia andar atrás de mim, se eu me limitei a cumprir os desígnios do altíssimo, seja lá isso o que for? Sim, porque não é de desprezar a hipótese de o honesto cidadão se ter esquecido de que era chegada a sua hora ou, mais grave ainda, de se tratar de um cidadão relapso que, mesmo sabendo que era chegada a sua hora, se tenha positivamente borrifado para o assunto, sem o menor respeito pelo cumprimento dos altos desígnios. Ora, assim sendo, a polícia apenas teria que se limitar a ouvir as minhas explicações e a mandar-me em paz, com dispensa absoluta de entrada nos calabouços.
Mas não é isso que acontece; por isso, não me venham lá com as histórias da chegada da hora, e mais não-sei-quê.
In “Enquanto As Armas Falavam” Editora Lugar da Palavra.
Por
João Pedro Moura
1- Esta é a enorme e fundamental falácia de todos os religionários…
Para a mente simplória e sumamente estúpida dos crédulos divinais, deus seria como que uma mera autoridade, dador benévolo de liberdade, para o bem e o mal, mas isento de responsabilidades, se a criatura se orientasse para o “mal”…
… Mas não pode ser!
2- E não pode ser, porque o tal deus não é, apenas, uma mera autoridade concessora de liberdades, mas, essencialmente, um criador, no dizer dos crédulos…
Ora, se é um criador, não pode ficar ilibado do mal, pois que “criou” pessoas maléficas, isto é, pessoas que se sentem impelidas para fazerem maldades. Pessoas que até podem, toda a vida, andarem certinhas sem fazer mal a ninguém, mas, um dia, cometeram um crime e uma maldade das grandes, para só falar das grandes…
3- Acresce que os crédulos do divino cometem um erro fundamental, também, de conceberem o tal deus como um ser antropomórfico que, supostamente, daria liberdades e que depois ignora o que se passaria no futuro, como qualquer ser humano concessor de liberdades aos outros…
…Mas deus não ignora e sabe sempre o que se passará no futuro… de resto, como se passou no passado…
… Porque deus é … deus… criador, governador e justiceiro, omnipotente, omnisciente e omnipresente…
4- Logo, deus, na medida em que criou um indivíduo que vai causar males, é responsável pela malevolência, pois sabe que tal indivíduo vai ser maléfico, porque assim deus o criou…
5- Portanto, se tanto pode haver “mal” como “bem”, para nada serve o culto a tal divindade…
6- Se deus deu liberdade às massas geológicas para elas se movimentarem devagarinho, sem causar estragos, ou rapidinho, causando mortes e destruições, para nada serve cultuar-se tal aberração… pois que esta é caprichosa… no bem e no mal…
7- Por isso, o raciocínio lógico do genial filósofo grego, Epicuro (341-270 a.C.), na questão divina, quando comentou um incêndio num templo, no seu tempo, é simplesmente devastador:
“O fogo chegou à casa do vosso Deus e consumiu-a. Pergunto-vos: por que razão não evitou esta calamidade, se realmente é justo e bom?
Ou ele a quis evitar, mas não pôde; ou pôde e não quis; ou não quis nem pôde, ou, enfim, quis e pôde.
Se quis e não pôde, é impotente; se pôde e não quis, é perverso; se não pôde nem quis, é impotente e perverso; se pôde e quis, é monstruoso.
Assim, para que prestais culto a semelhante divindade?”
Pergunto-me como é que os crédulos responderão a isto?…
«Enquanto houver valas por exumar, haverá feridas abertas». Esta é a frase que Julián Rebollo, neto e sobrinho de vítimas do franquismo, repete com a mesma convicção e veemência no Parlamento Europeu e em Madrid, todas as quintas-feiras, na Porta do Sol. (El País, de hoje).
O Governo espanhol, onde a tralha franquista se alberga e dedica aos negócios, não está interessado em investigar o violento genocídio que o franquismo, de mãos dadas com a Igreja católica, levou a efeito.
Como foi possível à Europa, vencido o nazi/fascismo, esquecer as ditaduras ibéricas e deixar os ditadores a martirizar os seus povos? Como é possível privar a Espanha, ainda hoje, da inteligência, audácia e determinação do juiz Baltasar Garzón, afastado, em puro zelo fascista, da judicatura sem que um sobressalto cívico agite a consciência europeia e a memória perante a impunidade dos responsáveis pelos 150.000 desaparecidos, 30.000 crianças roubadas e 2.000 valas comuns em quase quatro décadas de ditadura?
Juntar a voz à de todos os espanhóis que exigem descobrir as valas dos seus pais e avós e à de Jordi Gordon, porta-voz da Plataforma pela Comissão da Verdade, é o dever dos europeus que se esqueceram do martírio dos povos ibéricos.
Há uma petição de 700 mil pessoas a pedir justiça, a exigir que os crimes do franquismo sejam conhecidos. Não é um ato de vingança que está em curso, é um módico de justiça para os que morreram sob as bombas da aviação nazi em Guernica, foram assassinados nas ruas espanholas por criminosos franquistas ou fuzilados nos campos de touros.
Nós, portugueses, que sabemos como os Viriatos ajudaram Franco na sublevação, como o Rádio Clube o apoiou, Salazar se comprometeu, e a GNR entregava os fugitivos para serem fuzilados, temos a obrigação de juntar a nossa voz, no Parlamento Europeu, à voz dos que pedem a descoberta da verdade lutando contra o esquecimento.
É preciso fechar as feridas abrindo as valas que os Tribunais espanhóis, a Igreja católica e o PP querem definitivamente encerradas. Bruxelas é o lugar para exigir justiça.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.