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Mês: Janeiro 2014

9 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Afonso Costa – uma referência impoluta da República

Em 9 de janeiro de1913 tomou posse o primeiro governo republicano, liderado por Afonso Costa, efeméride que, pela importância política, personalidade do primeiro-ministro e grande vulto da República, merece ser assinalada hoje, 101 anos depois.

Nascido em Seia, a 6 de março de 1871, Afonso Costa foi um dos mais destacados membros do Partido Republicano e excecional orador parlamentar, em plena monarquia.

O notável ministro da Justiça, ainda no Governo Provisório, seria três vezes primeiro-ministro. Poucos políticos foram tão venerados e odiados como Afonso Costa. Teve contra ele a tralha monárquica, o clero reacionário e o país atrasado que a monarquia legou com o maior índice de analfabetismo europeu e o mais vergonhoso atraso social.

Sidónio Pais, em rutura com a Constituição de 1911, que ajudara a redigir, liderou uma revolta que depôs Afonso Costa em 11 de dezembro de 1917 para iniciar uma ditadura e concentrar um poder pessoal sem paralelo desde o absolutismo monárquico. A sua República Nova, em que o PR era também PM, foi pioneira do Estado Novo de Salazar. Houve concentração de poderes, o contubérnio com a Igreja e o regresso das sotainas. Traiu a laicidade, a democracia e a República numa ditadura travada à bala na Estação do Rossio a 14 de Dezembro de 1918 por José Júlio da Costa, militante republicano.

Afonso Costa, chegou a lente de Direito aos 29 anos. Tinha-se doutorado em 9 de Junho de 1895 com a dissertação “A Igreja e a questão social”, uma obra em que atacou com extrema violência a recente encíclica Rerum Novarum deixando-a em pior estado do que Antero de Quental ao Concílio de Trento, na conferência do Casino.

A cisão do Partido Republicano Português cujo programa político tinha sido anunciado por ele, em 29 de agosto de 1911, tornou-o líder do Partido Democrático para cuja fundação e prestígio foi determinante.

Afonso Costa, o defensor intemerato da laicidade, uma posição hoje pacífica, aglutinou, na altura, o clero, o beatério, os monárquicos e reacionários de vários matizes que iriam desaguar na sargeta do Integralismo Lusitano e, depois, na ditadura clerical-fascista de Salazar, apoiada por Cerejeira.

Devem-se a Afonso Costa a Lei da Separação do Estado das Igrejas, a lei da família, a lei do divórcio, a lei do registo civil obrigatório, a abolição do delito de opinião em matéria religiosa, a legalização das comunidades religiosas não católicas, a privatização dos bens da Igreja Católica e a expulsão dos jesuítas. Foi ele que mandou promulgar todas estas leis de notável alcance para a democracia e a modernidade.

O republicanismo mais genuíno e popular, o sentido de Estado e o patriotismo tiveram neste genial político o mais estrénuo defensor e o mais lúcido governante. Afonso Costa foi o expoente máximo da 1.ª República e o maior vulto político da primeira metade do século XX, em Portugal. O ódio rasteiro e a devoção republicana estão à medida da sua dimensão ética, histórica, política e patriótica.

9 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Irmã Lúcia – a canonização vem a caminho

Processo de canonização da Irmã Lúcia poderá ser antecipado

O defunto bispo de Coimbra pediu a dispensa do período de espera de cinco anos após a morte da Vidente de Fátima. A santidade vem aí.

A Igreja Católica é uma hidra que resiste ao tempo e aos escândalos, aos crimes e às mentiras, aos abusos e ao delírio místico. Nem os padres e os bispos conseguem dar cabo dela. Nem os Papas.

A Irmã Lúcia, a mais antiga reclusa do mundo, começou em criança a ter visões. Como eram escassos os médicos e numerosos os padres, em vez de a tratarem, exploraram as visões que o confessor lhe insinuava na luta contra a República e o Comunismo.

A prisioneira, que recebeu a visita de Cristo, em Tuy, em cuja comitiva se integrou na visita ao Inferno, onde logo viu o Administrador de Ourém, que não ia à missa, tornou-se a promotora do terço e de pios embustes enquanto os primos curaram a D. Emília, de Leiria, no exercício ilegal da medicina reservado a mortos.

O bispo de Coimbra tem certamente na manga alguns milagres para a elevar aos altares. A fé dos crentes precisa de ser avivada com feitos extraordinários, encerrados que foram o Inferno, devido à escalada dos combustíveis, o Limbo, por dar prejuízo, e o Purgatório por ser demasiado difícil de manter sem fazer obras de manutenção.

Se um agnóstico montasse um negócio, como o de Fátima, e recebesse cordões de ouro e dinheiro a troco dos milagres seria preso por burla.

Um bispo pode dedicar-se ao negócio dos milagres sem que a polícia o incomode, a Ordem dos Médicos o processe, o fisco o persiga e as pessoas sensatas o levem a sério.

E a morta não se queixa e estava habituada a dizer ámen.

 

8 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Deus está em parte incerta

Deus, cansado dos disparates que fez, das maldades que praticou ou envergonhado dos preconceitos, emigrou para lugar incerto e, depois da invenção da escrita, nunca mais deu sinais de vida. A Revolução Francesa criou-lhe um habitat adverso, o sufrágio universal reduziu-o a bagatela, e, por não se ter inscrito nos cadernos eleitorais, passou a valer menos do que qualquer eleitor.

Os truques que fazia, as diversões com que embasbacava os primitivos, contrariando as leis da Física, os milagres que exibia para estupefazer os terráqueos, tudo isso foi sendo revelado pela ciência enquanto o progresso concebeu espaços de liberdade que um deus arrogante não suporta. Tal como o patrão que arruinou a fábrica, fugiu, alheio à sorte dos servidores, e nunca mais foi visto nem julgado.

Os empregados mais devotos, os clientes mais timoratos e os oportunistas mais afoitos continuaram a garantir a sua existência e a ameaçar com os castigos de que ele é capaz. Desejam fazer indigentes mentais, como os portugueses que esperam D. Sebastião, ou aliciar oportunistas com ilusões garantidas e ameaças assustadoras.

A excomunhão e a fatwa são duas armas carregadas de ódio; o Inferno é ainda o destino com que os clérigos aturdem os incréus; a penitência e a oração são as penas suaves, quando os meios mais expeditos são interditos; a lapidação, a fogueira, a decapitação, a amputação de membros, a deflagração bombista e outras formas de justiça, despachadas a mando do clero impetuoso, mantêm-se em vigor para deleite divino.

Deus sempre se imiscuiu nos processos eleitorais. Em países democráticos faz pender o prato para o lado pior, nos outros vai entravando as eleições com o argumento de que a lei divina não é passível de juízo humano. Há suspeitas de que Deus visitou os EUA, antes da eleição de Bush, passa largas épocas no Médio Oriente, percorre os países pobres de África e anda em campanha por algumas repúblicas da antiga URSS. Onde lhe cheirar a guerra, Deus não falta, para dilatar a fé.

O método destinado à multiplicação da espécie humana saiu-lhe mal – a reprodução por estaca. Usou um ramo ‘costela’ de um indivíduo para o duplicar. Os humanos acharam outro método mais fácil e deleitoso. Dizem os beatos que é obsceno, só aceitável para fazer filhos e não para folgar. Pensa-se que Deus tinha este método reservado para o fabrico de tratores mas os humanos apropriaram-se dele muito antes de os tratores terem sido inventados, sem ajuda divina.

7 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Hipocrisia pia

Tiago Silva faz a página do mês de agosto. Em tronco nu, abdominais e bíceps bem definidos, segura com ambas as mãos uma mangueira a jorrar água.

Calendário erótico dos bombeiros já tem mais de 500 encomendas
A imagem assumidamente erótica (a da esquerda), tal como todas as outras 11 dos restantes meses do calendário, não terá agradado à Cáritas, que recusou a oferta dos bombeiros de Setúbal.

 

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7 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Quando a Irmã Lúcia entrou no mundo da moda

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Em 24 de Fevereiro de 1971 a Irmã Lúcia, reclusa das Carmelitas Descalças em Coimbra, escrevia ao Presidente do Conselho, Dr. Marcelo Caetano, implorando medidas legislativas sobre as vestes femininas:

«…não seja permitido vestir igual aos homens, nem vestidos transparentes, nem curtos acima do joelho, nem decotes a baixo mais de três centímetros da clavícula. A transgressão dessas leis deve ser punida com multas, tanto para as nacionais como para as estrangeiras».

(In Arquivos Marcelo Caetano, citados em Os Espanhóis e Portugal de J.F. Antunes Ed. Oficina do Livro)

7 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

A honra, a fé e a tradição

O crime de honra é uma velha tradição que se observa nos meios mais reacionários e embrutecidos. Deus é um ser misógino que odeia a mulher, acima de todas as coisas, e o amor como algo vergonhoso.

A mulher é um ser desprezível que se destina a assegurar a reprodução da espécie, servir o marido e ensinar a doutrina aos filhos. Amar não é só o distúrbio dos sentidos, é uma ofensa para a família que apenas se admite no matrimónio canónico, sem manifestações lascivas ou trejeitos mundanos, sem outro fim que não seja o da prossecução da espécie.

Recordo a aldeia da minha infância, onde as mães solteiras eram expulsas de casa, pelo pai, lançadas na prostituição, para que a honra da família ficasse limpa. E o responsável pela prenhez podia sofrer o fio da navalha que lhe furasse as tripas por não ter reparado com o casamento a desonra da família aviltada.

Há nestes crimes cruéis várias infâmias que se perpetuam nos meios rurais, analfabetos e fortemente religiosos: considerar a mulher como ser inferior e a sexualidade um tabu; ignorar os direitos humanos, em geral, e os da mulher, em particular; culto exacerbado da tradição e a conservação de preconceitos hediondos.

Antes do 25 de Abril de 1974, em Portugal, na função pública eram consideradas «faltas injustificadas» as ausências, por motivo de parto, de mães solteiras. Que raio de país!

Pobres homens que não merecem que, ao menos uma vez na vida, uma mulher lhes diga «amo-te», porque as feras não merecem ser amadas e os brutos não apreciam.

Ainda hoje, em largas zonas do globo, feudos do Islão retrógrado e cruel mostram o pior que era Portugal. Não são países, são cárceres da fé onde o amor é crime e o crime um sacramento.