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A bênção das pastas

Bencao das pastas

Por

João Pedro Moura

 

1- “Bênção” é o acto litúrgico católico, em que um clérigo, armado com o hissope, atira uns pingos quase invisíveis de “água benta”, recolhidos na caldeirinha, suporte este contendo tal “água consagrada”. Esta água é atirada para objetos e/ou pessoas, a fim de os “proteger”, sob a impetração dum favor divino.

É um acto com que se “consagra” (palavra religiosa) qualquer coisa ou pessoa à “protecção divina”.

Anualmente, integrada na festa da Queima das Fitas, em diversas universidades portuguesas, realiza-se uma missa, durante a qual o bispo convidado “abençoa” os estudantes finalistas que, de pastas levantadas, em cerimónia pública, esperam a misteriosa “bênção”…

As próximas bênçãos das pastas serão no Porto e em Coimbra, nos próximos dias 5 e 26 de Maio, respetivamente. Esperam-se grandes multidões de estudantes e respetivas famílias, que acham que vão fazer uma grande coisa…

2- Isto é, através desse acto religioso, “bênção das pastas”, pretende-se a boa vida e a boa sorte dessa massa estudantil, que finda os seus cursos, pois que se destina, fundamentalmente, aos finalistas dos cursos superiores, que estudam “ciências”…

3- Dito doutra maneira, essa gente entende que, com a bênção dumas negregosas pastas, que os seus proprietários levantam no ar, oportuna e simultaneamente, e com o correspondente gestual, executado pelo conspícuo pontífice da fina-flor da clericalha tartufa, de serviço aos fitados da Queima, se poderá obter a benesse desejada: um emprego, uma boa vida, ou, pelo menos, uma vida razoável, que a corte celestial daria de sua graça…

É esse o objectivo dos levantadores de pastas, submissos à bênção: um emprego, uma boa vida…

4- Mas, analisemos bem o acto da bênção, mais as grotescas atitudes dessa desvairada fauna universitária, que estuda “ciências”…

Essa bênção costuma realizar-se, solenemente, com a figura imperante dum pontífice, devidamente mitrado e enroupado por alva talar e estola alvar, cobertas por manto finamente debruado de amarelo áureo…

5- No momento capital, o bispo pega no hissope, molha-o na caldeirinha e asperge água “benta” em direcção à massa tolaz de estudantes (que estudam “ciências”…), vestidos de capa e batina, soturnas fardetas negras, de reminiscências medievais, com que tais discentes se procuram demarcar do resto da população, em pose de casta à parte…

Aí é que está o momento fantástico:

É que a água é “benzida”, isto é, oficialmente impregnada de propriedades miraculosas, mas a distância a que normalmente o bispo está da primeira fila e o modo como atira a água com o hissope, dificilmente permite que tal água bem-aventurada chegue lá, quanto mais às outras filas ou às outras pessoas!…

6- Reparai bem nisto: a essência duma cerimónia de bênção é a passagem da miraculosa água, do domínio do bispo para o domínio do corpo estudantil, suponho que, de preferência, para a própria pele do estudante, a fim de que o influxo hídrico cause o máximo de efeitos (já viram o que era a água cair apenas na roupa?!…)

7- Agora, que raio de bênção é aquela feita em estádios de futebol, santuários e praças citadinas, em que o insigne corifeu da tartufaria clerical mal consegue fazer chegar uns pingos aos maníacos de tal água???!!!

Que efeito é que tal ato, extremamente maluco, pode produzir na vida das pessoas que se prestam a tal liturgia???!!!

8- Enfim, eu tenho estudado o assunto e talvez a bênção seja uma coisa mais “científica” do que parece…

Até porque, se os estudantes não recebessem nada, desapareceriam e acabaria a bênção das pastas, por falta de procura. É a lei do mercado…

9- Então, depois de muito pensar, eu desenvolvi um postulado:

É evidente que o bispo, quando asperge a água benta em direcção ao povo discente, através do hissope, mal consegue fazer chegar tal água milagrosa ao pessoal da frente, mas penso que o bispo, sendo um representante terráqueo da divindade, está dotado de propriedades de transmissão extraordinárias, pelas quais o hissope funcionaria como antena e da qual resultaria uma emissão estimulada de água, com amplificação da “luz divina”, através de gotículas vaporosas, que chegariam em massa aos assistentes…

É possível que estejamos em presença duma desconhecida propriedade electromagnética da matéria, patente no trio bispo-hissope-água benta.

10- Já reservando o nome do fenómeno, para eventual registo de patente internacional, designo-o por “L.A.S.E.W.”, “Light Amplification by Stimulated Emission of Water”, Amplificação de Luz por Emissão Estimulada de Água.

Há um fenómeno semelhante com outro tipo de luz…

Nesta minha teoria, o bispo (sistema de transmissão) através do hissope (antena) procederia a uma emissão estimulada de água, mas que só se veriam uns pingos no espectro visível, com vaporização intensa, formando-se milhões de gotículas, que transportariam e amplificariam a “luz divina”, ou o que se queira chamar, atingindo os espectadores com influxos hidractivos electromagnéticos (“bênção”), que lhes dariam as graças desejadas…

11- Consta-me que há cada vez mais desempregados com licenciaturas, mas isso pode ser por falta de levantamento correcto das pastas, ou por falta de influxos hidractivos suficientes para chegarem a toda a gente, já que as multidões de estudantes “abençoados”, que estudam “ciências”, são imensas…

12- Enfim, os feixes de raios “LASEW” ainda são um postulado e têm que ser mais bem estudados…

Que é que os caros leitores, ateus e crentes, acham desta minha teoria dos raios “LASEW”?

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

- Sócio fundador da Associação República e laicidade;

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- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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