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Mês: Janeiro 2013

1 de Janeiro, 2013 José Moreira

A coerência papal

Hoje ouvi uma notícia que me agradou, vinda dos lados do Vaticano. B16 apelou para que seja menor o fosso entre ricos e pobres, estou a citar de memória, que já não é grande coisa.

Gostei. A sério. Porque desde que me lembre, o papa falou acerca de um assunto de que tem pleno conhecimento. De facto, e tanto quanto sei, se há mendigos no Vaticano eles não nasceram lá. No Vaticano não nascem pobres. Nem ricos, acho eu, mas isso é outra conversa. Os mendigos que, eventualmente, existam no Vaticano, são estrangeiros. Nesse aspecto, o Vaticano deve ser dos países exemplares, no mundo: não há actividade produtiva, e não há desemprego. Quanto ao fosso entre ricos e pobres, logicamente não existe. Pois se nem há pobres…

1 de Janeiro, 2013 José Moreira

Deus e deuses (II)

Confesso que não li Sebastien Faure. Por várias razões, algumas das quais não me coíbo de apontar: alguma falta de tempo, muita preguiça, essa coisa deliciosa de que os crentes não podem usufruir, e, finalmente, porque me parece impossível provar a inexistência… do que não existe. Não existe, ponto final. Se eu afirmar que tenho um papagaio azul invisível pousado no meu ombro direito (ou será no esquerdo?), sou eu que tenho de provar a sua existência, nunca me passaria pela cabeça desafiar fosse quem fosse a provar que tal animal não existe.

No entanto, o primeiro artigo serviu para várias coisas: para provar que se pode discutir com elevação, e que há crentes exímios em argumentação balofa, mas que tentam, desesperadamente, justificar o injustificável. Mesmo o inverosímil. Defendem a asneira com unhas e dentes, virtude que admiro.

Deus não existe, mas é pena; porque mesmo não existindo, tem mais maleabilidade do que a mais requintada plasticina. Qualquer crente consegue moldar o seu deus da forma que mais lhe convier. Nem Tertuliano, com o seu “credo quia absurdum”! Há dias, uma Testemunha de Jeová garantia-me que Deus era de carne e osso, como o Homem, já que este foi criado à imagem e semelhança daquele. Imagem e semelhança, pois claro. Só podia!

Um dos argumentos apresentados nos comentários ao artigo anterior concerne à liberdade dada ao homem pelo criador. A liberdade, diz o comentador que eu cito de memória, consiste em, livremente, o homem escolher entre o Mal e o Bem. Julgo poder inferir que o Homem, fruto da criação, nasce perfeito, mas que vai adquirindo maldade (ou não) ao longo da vida. Não sei se estou a seguir o raciocínio do comentador mas, caso afirmativo, se assim fosse a educação não seria precisa para nada. Nem a educação nem a aquisição de valores. Faça o comentador uma experiência: coloque quatro ou cinco crianças, de idade em que ainda não adquiriram o Mal, suponhamos, dois ou três a nos de idade. Depois, coloque junto a elas um brinquedo atraente. A seguir, verifique com que altruísmo essas crianças passam o brinquedo para o colega, prescindindo dele. Ou como se esgadanham para apanhar o brinquedo.

Selvagem, meu caro. O Homem, como diz a canção, nasce selvagem. Por isso é que é preciso educá-lo.

Argumenta-se que Adão, perante a tentação da serpente, escolheu desobedecer a Deus. E que, por isso, se tornou imperfeito. Balelas! Se fosse perfeito podia, com a liberdade que Deus lhe tinha dado, escolher a obediência, sem que isso implicasse “escravidão”.

Aliás, a bondade divina está patente nessa armadilha, que nem a Maquiavel lembraria: plantar uma árvore, e proibir de comer o respectivo fruto. Sabendo, como tinha obrigação de saber, que Adão iria lá direitinho, acho que foi a Eva, não interessa, Deus sabia o que iria acontecer. Plantou a árvore, para quê? Liberdade? Poupem-me.

Mas há uma afirmação que me deixou desqueixelado: “Pode não acreditar na doutrina, mas segundo a mesma Jesus é tão eterno quanto o Pai.” Importa-se de repetir? Um filho tem a mesma idade do pai? Bom, aqui não se tratará de idade, mas de eternidade. Então são dois??? Gémeos, sócios, ou o quê? Por definição, um filho é um descendente, é fruto de, é criação, concepção, geração, o que quiserem. O comentador está a afirmar que há duas entidades. Há quanto tempo não vai à missa? Tem ouvido o credo católico, principalmente nesta parte “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos:” Nascido do pai. Se nasceu, não existia. Se não existia, não é eterno. Se não é eterno, não é deus.

Aliás, só o passou a ser depois do Concílio de Niceia.

 

 

 

1 de Janeiro, 2013 Carlos Esperança

Ano Novo (2013) – Na morte do capitão de Abril Marques Júnior

Sob os escombros do ano que ora findou jazem os votos que formulámos no início. Onde se encontram a almejada paz, o amor jurado, a fraternidade anunciada? Pelo contrário, irromperam das trevas da intolerância fundamentalismos torpes, ódios obscenos e ajustes de contas.

Por todo o mundo lambem-se feridas de catástrofes naturais e conflitos provocados. A explosão demográfica, a pobreza e a guerra deram as mãos à intolerância e à vingança. O racismo e a xenofobia atingiram proporções dementes que terminam na orgia de sangue em que os homens se atolam. Foram frágeis os desejos e efémeras as expectativas.

Ano Novo, vida nova. Estes são os votos que repetimos no dealbar de cada ano. E suplica-se que o Ano Novo seja o paradigma dos nossos sonhos e não a consequência dos nossos atos ou o fruto de circunstâncias que nos escapam.

Após as doze badaladas e outras tantas passas, o champanhe e os abraços, por entre beijos húmidos e corpos que se fundem numa sofreguidão de amor, com o brilho das luzes e o som da música, recomeça um novo ano com votos repetidos de ser diferente e ser melhor.

Os anos nascem ruidosamente e vivem-se em silêncio. Começam com ilusões e acabam em pesadelo.

Há em cada um de nós uma força que nos impele para a mudança, que nos dá ânimo para desbravar novos caminhos e assumir novos riscos enquanto o conservadorismo e o medo do desconhecido nos tolhem os passos, nos intimidam e levam a recusar a novidade.

Eu acredito que no coração dos homens mora um genuíno desejo de paz. Os mísseis que cruzam os ares, as bombas que perfuram o solo ou os efeitos colaterais da artilharia que erra o alvo e destrói povoações inteiras não são mais do que um breve pesadelo.

O futuro constrói-se. A felicidade é um estado de alma que devemos procurar e a alegria o caminho a seguir.

É em cada um de nós, no espírito de tolerância, na aceitação da diferença, na solidariedade, que podemos começar a construir o mundo mais justo, fraterno e pacífico para o qual julgávamos bastarem os desejos formulados de olhos fechados na última noite de Dezembro.

Que o delírio do amor e a embriaguez do sonho se mantenham vivos durante o ano que aí vem. E que, por entre nuvens que pairam carregadas de incerteza, resplandeça o sol da esperança.

O ano de 2012 terminou com a morte do capitão de Abril, Marques Júnior. Foi um cravo perdido no jardim da liberdade, a pétala de rosa que murchou, a folha caída da árvore que plantou.

E esta lágrima teimosa a lembrar-me que com ele morre também um pouco de mim e dos sonhos que todos os dias nos roubam. É preciso recomeçar para que Abril seja mês todo o ano e 25 permaneça o dia de todos os sonhos mesmo quando um sonhador nos deixa.