Loading

Mês: Dezembro 2012

24 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

Feliz Natal – Crónica de um Natal de melhores dias

Voltar às origens na noite de consoada é a viagem marcada no calendário, imposta pelo hábito e repetida pela inércia. À medida que as coisas e os lugares se encaixam cada vez menos na memória mais intensamente os procuramos. Parte-se em busca do passado e teme-se a desilusão de não achar sinais. Mas volta-se sempre, quiçá com vontade de exumar memórias, de recuperar sonhos e afetos que nos fazem falta, como se no eterno regresso surgisse a fonte da juventude.

Todos os anos, quando Dezembro chega, o frio vem lembrar-nos a festa que se aproxima ao ritmo da nossa ansiedade, enquanto os apelos ao consumo nos seduzem, insinuando uma felicidade duradoura. Fazem-se compras sem ponderação e arquivam-se prendas à espera de destinatário. Os livros têm nesta época o lugar que mereciam durante o ano, viajam com as pessoas à espera de leitor, quedam-se em mãos que os afagam ou, simplesmente, arquivam-se no abandono da estante.

Depois de árduas discussões no seio dos casais decide-se o local da consoada em unânime contrariedade. Nunca durante o ano a diferença entre irmãos e cunhados ou pais e sogros se tornou tão nítida e fraturante.

A viagem é o regresso magoado aos locais e memórias de um tempo que já foi, por entre chuva miudinha e frio de rachar. Doem o ossos em intermináveis filas de trânsito antes de se ver iluminada a torre do campanário onde outrora soavam as horas de dias muito mais calmos.

Chega-se de noite e de mau humor com o vento gélido a arrefecer sorrisos compostos para a chegada e os quartos húmidos indiferentes aos nossos ossos e ao reumático.

A lareira é o destino e centro de um semicírculo de profundos afetos e sólidos rancores que se reúnem alinhados por ordem etária na casa dos mais velhos e são alimentados a filhós e bolos que líquidos capitosos ajudam a empurrar. É aí que se desembrulham as prendas embaladas em papel reluzente com laços artisticamente colados. Agradece-se com um sorriso de desprezo aquele presente desinteressante do parente que nos detesta. Fica-se deslumbrado com a oferta generosa que redime uma ofensa antiga e enternece-nos a simples presença de quem não pede desculpa por gostar de nós.

Recriminam-se em silêncio os ausentes pela falta que fazem e a saudade que causam e os presentes pelo incómodo que provocam e o fastio que produzem.

Quase todos se empanturram na esperança de matar de vez a fome ancestral de gerações que permanece viva na memória de quem a herdou durante séculos. Gabam-se os pasteis de bacalhau recheados de batata a tresandar a óleo, a excelência do peru mal assado, a qualidade do polvo que saiu duro, repetindo-se discretamente a dose de bacalhau cozido, batatas e couves, regados com azeite de boa qualidade, numas merecidas tréguas ao bitoque e à pizza, enquanto se aguarda a panóplia de doces e frutos secos. São momentos para acumular prazer e peso enquanto a azia e os espasmos não devolvem o remorso e o incómodo.

Por uma noite repousam os guerreiros das batalhas adiadas do quotidiano, levam para o seio familiar uma ou outra intriga para não perderem o treino, cumprimentando-se com uma profusão de ósculos alternadamente fraternos e de circunstância. E, por entre os votos canónicos de Boas Festas, recordam-se pequenos agravos e ruminam-se vinganças por umas palavras que não caíram bem, algum insulto durante a discussão sobre a posse do relógio de ouro do avô ou aquela terrina da Vista Alegre que espalharam a cizânia nas últimas partilhas.

Sobrevive do paganismo o festejo do solstício de inverno. Fez dele a tradição judaico-cristã a festa da família. E quando a família se comporta como deve, o Natal acontece mesmo e é um suave pretexto de encontros ansiados em volta de sabores que a memória guarda e de aromas que nos transportam à infância numa viagem carregada de afetos e saudade.
Que no dia certo aconteça Natal em vossas casas, caros leitores.

Feliz Natal.

In Pedras Soltas (esgotado)

24 de Dezembro, 2012 Luís Grave Rodrigues

A Mitologia do Natal

Estando noiva de José, e antes ainda de com ele ter coabitado, Maria apareceu grávida por ação do Espírito Santo.

Quando José se preparava para a repudiar, apareceu-lhe em sonhos um “anjo do Senhor” que lhe ordenou que recebesse Maria em sua casa e que aceitasse o filho que ela carregava como obra do Espírito Santo.
Quando a criança nasceu, e tal como o anjo lhe havia ordenado, pôs-lhe o nome de Jesus.

Todas as culturas antigas, sem exceção, tinham um horror profundo e visceral à esterilidade. O que é absolutamente compreensível, face à óbvia conexão entre a própria sobrevivência da tribo ou de uma determinada sociedade e o seu fortalecimento face aos povos vizinhos e rivais, por exemplo, em disputas territoriais.
Não é, por isso, de estranhar que desde a sua origem todos os cultos religiosos revelem nas suas mitologias e iconografias não só esse temor, como muito principalmente uma óbvia preocupação pela fecundidade.

De tal forma que nas mais remotas manifestações de religiosidade o lugar de Deus foi ocupado por uma mulher.
Só muito mais tarde a mulher foi relegada para um papel de mãe, esposa ou amante do Deus, sempre com a responsabilidade da renovação e da reprodução, mas também obviamente virgem, como convém a toda a terra que vai receber uma nova semente e de quem se espera a máxima fecundidade.

Por isso, também, só de uma divindade é possível esperar o dom da fecundidade, principalmente quando se trata de uma mulher estéril que acaba por dar à luz, um milagre que obviamente só está ao alcance de um Deus.
Ao mesmo tempo, constitui prova inequívoca da proximidade de um homem a Deus o facto de ter nascido do milagre da conceção de uma mulher virgem.

Assim, vemos que essa associação entre uma conceção milagrosa e a deificação do filho nascido de um fenómeno que só está ao alcance de Deus (sempre após uma história mais ou menos fantasiosa de uma «anunciação» feita por um anjo ou qualquer outra entidade celestial, seja ao vivo ou em sonhos), é afinal perfeitamente vulgar e recorrente em todos os cultos religiosos da antiguidade e, curiosamente, nas mais distantes regiões do planeta.

Aparecem então como filhos de mães virgens tanto Deuses como grandes personagens, como os imperadores Chin-Nung, da China, ou Sotoktais do Japão, ou como os Deuses Stanta, na Irlanda, Quetzalcoatl do México, Vixnu da Índia, Apolónio de Tiana da Grécia, Zaratustra da Pérsia, Thot do Egipto, ou como Buda, Krishna, Confúcio, Lao Tsé, etc., etc.

O mito vai mesmo ao ponto de Gengis Cã ter um belo dia determinado que também ele era filho de uma mulher virgem, para se deificar aos olhos do seu povo e dos povos que ia conquistando, e para se fazer obedecer e respeitar cegamente como um Deus pelas suas tropas.

Entre os mais famosos homens filhos de mulheres virgens está, como é sabido, Jesus Cristo.
É também muito curiosa a mitologia comum relacionada com o nascimento destas personagens deificadas pelo seu nascimento de mulheres virgens, como sejam a existência de estrelas ou sinais celestes que os anunciam ou comemoram: uma milagrosa luz celeste anunciou a conceção de Buda, um meteoro o nascimento de Krishna, uma estrela o nascimento de Hórus e uma «estrela no Oriente» o nascimento de Jesus Cristo, embora somente o evangelho de Mateus se lhe refira, sendo pacificamente aceite que não mais do que para corporizar ou fazer concretizar (quase um século depois da morte de Jesus Cristo) profecias messiânicas do Antigo Testamento.

Ao mesmo tempo, é também absolutamente natural que faça parte dos cultos de fecundidade a adoração de Deuses relacionados com o ciclo solar e com a renovação anual das estações do ano e, com estas, as colheitas ou a produção de gado, com especial incidência e manifestação em festas, mitos, cerimónias e ritos religiosos comemorativos, realizados normalmente nos Solstícios, preferencialmente no Solstício de Inverno.

A corporização mais comum destes Deuses de renovação e de fecundidade é feita em relação ao Sol, símbolo perfeito da sucessão regular e infalível dos dias e das estações do ano, quer seja adorado como um Deus em si, e em praticamente todas as civilizações conhecidas, das Américas Central e do Sul, ao Egipto, passando pela Suméria ou Mesopotâmia, quer também através de outros Deuses «solares», como o Deus-faraó egípcio Amenófis IV, que reinstalou o culto de Áton (Sol) e mudou mesmo o seu nome para Aquenáton, ou como Deuses que resultam da antropomorfização do Sol, como os Deuses Hórus, Mazda, Mitra, Adónis, Dionísio, Krishna, etc.

Destes Deuses, um merece especial referência: Mitra.
Mitra é um dos principais Deuses iranianos (anteriores a Zaratustra), simbolizado com uma cabeça de Leão (representação típica dos Deuses solares) e conhecem-se manifestações do seu culto já com mais de mil anos antes do nascimento de Cristo.
Mais tarde os romanos adotaram o seu culto e incluíram-no mesmo no seu panteão.

Enquanto divindade, as funções de Mitra eram carregar com a iniquidade e os males da Humanidade e expiar os pecados dos homens.
Mitra era também visto como meio de distinção entre o bem (Ormuzd) e o mal (Ahriman), como fonte de luz e sabedoria e estava ainda encarregue de manter a harmonia no mundo e de proteger todos os homens.
A mitologia do Deus Mitra tinha-o como um «enviado», ou um Messias, que voltaria ao mundo para julgar toda a humanidade.

Sem ser o Sol propriamente dito, Mitra era tido como seu representante, sendo invocado como o próprio Sol nas cerimónias do seu culto, onde era tido como espiritualmente presente no interior de uma custódia, por isso colocada em lugar de especial destaque.
Todos os Deuses solares depois de expiarem os pecados dos homens acabam por morrer de morte violenta, acabando depois por ressuscitar ao fim de três dias e de ascender aos Céus ou ao Paraíso.

Hórus morre em luta com o mal, corporizado no seu irmão Seth (identificado com Satanás), que o coloca num túmulo escavado numa rocha, ressuscitando ao fim de três dias para subir ao Paraíso.
O Deus hindu Xiva sacrifica-se pela humanidade, e morre ao ingerir uma bebida corrosiva que causaria a destruição e a morte de todo o mundo, acabando também por ressuscitar ao fim de três dias.
O Deus Baco foi também assassinado, tendo ressuscitado três dias depois, através dos seus pedaços recolhidos por sua mãe.
O mesmo acontecia aos Deuses Ausónio, Adónis ou Átis, que morriam para salvar os homens ou expiar os seus pecados e acabavam por ressuscitar ao fim de três dias.

E todos eles a 25 de Dezembro.

Uma vez mais, um dos mais famosos «ressuscitados» é Jesus Cristo, embora este tenha ressuscitado em metade do tempo dos restantes Deuses, talvez somente um dia e meio depois, embora a sua mitologia continue a mencionar os três dias.
Ou seja: a figura de Jesus Cristo, e toda a religião e mitologia cristã, foram construídos com base num modelo pagão dos deuses solares que então se conheciam.

A própria escolha da data de 25 de Dezembro para comemoração do nascimento de Jesus Cristo é disso um inequívoco exemplo.
Aliás, esse dia 25 de Dezembro (o dia das festividades dos Deuses Mitra, Baal e Baco) só foi adotado pela Igreja Católica já no século IV, por decisão do Papa Libério, com o óbvio objetivo de “cristianizar” os cultos solares, então ainda muito populares e difundidos e de os fazer confundir e “absorver” pelos próprios ritos cristãos, dada até a proximidade com a data do Solstício de Inverno – data da “morte” do Sol no horizonte – e a data em que o Sol “ressuscita” e se eleva novamente horizonte três dias depois, exatamente no dia 25 de Dezembro.
Merece especial referência o facto de todos esses Deuses solares serem representados fisicamente com a cabeça rodeada de um disco ou uma auréola amarela, como ainda hoje acontece com os Deuses e até com os santos católicos.

Aliás os próprios imperadores romanos que governaram no auge do culto destes deuses solares faziam-se representar devidamente aureolados, por exemplo nas moedas que mandavam cunhar.
O imperador Constantino, a quem se deve a criação da Igreja Católica Apostólica Romana (e que nunca se converteu ao cristianismo, antes o tendo adotado como religião oficial do império, sem nunca proibir as restantes, para melhor o unificar), mandava realizar regularmente sacrifícios em honra do Sol e as moedas que mandou cunhar continham a inscrição «Soli Invicto Comiti, Augusti Nostri».

Não obstante a oficialização do cristianismo no seu império, Constantino manteve a obrigatoriedade de as suas tropas rezarem e prestarem culto ao Deus Sol todos os Domingos, isto é, «O Dia do Sol».
Também neste dia do Sol se pode ver a óbvia influência destes cultos na formação dos ritos católicos, com a mudança do «Sétimo Dia» ou «Dia do Senhor» bíblico do Sábado para o Domingo, uma vez mais com o objetivo de fazer “absorver” as festividades e os ritos solares, nem que para isso se tenha tido de “aldrabar” a própria redação de um dos mandamentos trazidos por Moisés do cimo da montanha.

Como se não bastasse a óbvia coincidência ritualística dos cultos solares com os cultos cristãos, como a morte violenta e ressurreição três dias depois, da presença física do Deus na custódia, no nascimento de uma mulher virgem, do «Dia do Senhor» como «Dia do Sol» (Sunday, em inglês), da auréola solar a coroar as divindades, da designação e da forma radiada do chapéu dos bispos católicos, ou «mitra», é precisamente com este Deus Mitra que se dá o mais curioso aproveitamento dos ritos e cultos solares por parte da Igreja Católica.

De facto, segundo a sua mitologia, muito popular por volta de 1.000 a.C., Mitra nasceu de uma virgem; nasceu no dia 25 de Dezembro; nasceu numa cova ou numa gruta; foi adorado por pastores; foi adorado por três magos ou sábios 12 dias depois do seu nascimento, a 6 de Janeiro, que interpretaram o aparecimento de uma estrela no céu como anúncio do seu nascimento, pregou incansavelmente entre os homens a sua mensagem de bem por oposição ao mal; fez milagres para gáudio dos que o seguiam; foi perseguido; foi morto; ressuscitou ao terceiro dia; o rito central do seu culto passava pela distribuição de pão e vinho entre os iniciados presentes, numa forma de eucaristia de composição e fórmula em tudo idênticas à que a Igreja Católica viria a adotar.
Já na mitologia de Hórus, que teve o seu auge cerca de 2.000 aC., se passa exatamente a mesma coisa. Hórus é filho de Osíris e de Isis, a sua mãe virgem que engravidou de um espírito com a forma de um falcão, com a curiosidade ainda de ter um pai terreno com a profissão de carpinteiro.

Também foi traído, torturado e morto, ressuscitando ao terceiro dia, o mesmo dia 25 de Dezembro.

Em suma:

Independentemente da bebedeira consumista que se apodera das pessoas, o que atualmente se comemora como o nascimento de Deus, na forma de «Deus Filho», ou de «Menino Jesus» (como se sabe, um dos Deuses da Mitologia cristã), não é mais do que a apropriação de um culto pagão, de um «Deus Solar», como tantos houve durante a História dos Homens.

Para um católico, dir-me-ão, este aproveitamento ritualístico será irrelevante, na medida em que o seu significado mítico ou simbólico, qualquer que seja a forma ou a data em que se realiza, continuará sempre a ser (atualmente) o nascimento de Jesus Cristo, como referi um dos (muitos) Deuses da mitologia cristã.

É certo.
Mas é também certo que esta apropriação existiu de facto, e o seu significado como fenómeno antropológico não pode ser ignorado.
Como também não pode ser ignorado, ainda assim, o manifesto significado simbólico, mítico e até místico dessa mesma apropriação.

Até por que uma coisa mais terá de ser realçada, essa sim, talvez a que contenha uma maior valoração simbólica deste aproveitamento e apropriação ritualísticos:
– É que, como não podia deixar de ser, toda esta transformação e apropriação foram feitas sob a égide de um Papa, mais exatamente do Papa Libério (352-366) e sob a força legislativa e fortemente repressiva do Imperador Constâncio II que, com mão de ferro e com uma ferocidade inaudita e que ficou na História, as impôs pela força das armas.

E assim, uma vez mais, vemos que também o ritualismo desta nova mitologia cristã, mesmo esta que se refere ao próprio nascimento do seu Deus, deste «Menino Jesus» deitado nas palhinhas, uma vez mais teve de ser impiedosamente imposta aos Homens pela força.

Obviamente depois do conveniente e costumeiro… banho de sangue…

24 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

A LEI FÍSICA DO DEUS DE ABRAÃO

Por

DAVID FERREIRA

À medida que o universo se expande continuamente após a grande explosão inicial, o Deus de Abraão vai sendo empurrado para além da sua fronteira, despersonalizando-se à velocidade da luz, até não ser mais que uma ideia.

Tal como o universo, quando a libido da curiosidade do homem se tornou demasiado densa e compacta para ser contida nessa pequena bolha constritora e opressiva da crença e da superstição, explodiu com o fulgor de uma supernova, algo ignoto até então, e abriu-se em flor irradiando um clarão tão forte que cegou demónios e desasou anjos, desintegrou medos e mortalizou anseios de imortalidade. Então, lentamente, como um ofídio que rasga a casca do ovo ansiando lamber um ar mais fresco, a vontade de conhecer intrínseca e ancestral rompeu grilhões, desvirginou lascivamente a inanidade do pensamento e fez-se dilatar naturalmente ao sabor da liberdade.

Mas a crença e a superstição já tinham gerado o mito, um desmesurado sonho narcísico projectado no interior espelhado das pálpebras dos seus criadores, que o tinham alimentado em demasia até à obesidade mórbida, sempre faminta. E esse mito, demasiado pesado para se expandir, permanece ainda hoje enclausurado no mesmo local insignificante e remoto onde nasceu e floresceu, agora uma miragem falaz descarnada pelo Sol abrasador e psicadélico do deserto, retraindo-se proporcionalmente à medida que o seu âmago imaterial se afasta, até à implosão.

Ou até não ser mais que uma ideia.

 

23 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

A “LUZ” DA BÍBLIA…

Por

JOÃO PEDRO MOURA

Génesis 1:1-19

“1- No princípio criou Deus os céus e a terra.

2- E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.

3- E disse Deus: Haja luz; e houve luz.

4- E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas.

5- E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.

6- E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.

7- E fez Deus a expansão, e fez separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim foi.

8- E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo.

9- E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi.

10- E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares; e viu Deus que era bom.

11- E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi.

12- E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom.

13- E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro.

14- E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos.

15- E sejam para luminares na expansão dos céus, para iluminar a terra; e assim foi.

16- E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas.

17- E Deus os pôs na expansão dos céus para iluminar a terra,

18- E para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas; e viu Deus que era bom.

19- E foi a tarde e a manhã, o dia quarto.”

Compare-se a contradição antinómica e, por isso, fatal, entre os versículos 3-5, o “primeiro dia da criação”, e os 14-19, “quarto dia da criação”…
… No primeiro dia da obra divinal, “deus” criou a “luz”, com que separou o “dia” da “noite”, mas essa “luz”, que deveria ser o sol, era abstrata… pois o sol só foi criado, segundo o Génesis, ao quarto dia…

Deste despautério insanável, emerge um duplo quesito:

1- Se o dia, período de 24 horas, exprime a alternância entre a luz diurna e as trevas noturnas, isto é, entre o sol estar e não estar acima da linha do horizonte, como é possível que o deus infalível tenha criado a “luz” e a consequente alternância entre dia e noite, sem ter criado previamente o sol???!!!

2- Se o movimento aparente do sol é que marca a sucessão dos dias, então o que foram os 3 primeiros dias da criação… sem sol???!!!

Eu explico: é que os néscios que fizeram a Bíblia, neste caso, o Génesis, não sabiam da ligação da aurora ao sol. Pensavam que a primeira luz diurna, a aurora, era uma luz abstrata, desligada do sol.
Daí que esses néscios tenham posto o seu deus a criar luzes sem nexo com a realidade, no primeiro dia, e a verdadeira luz solar, no quarto dia…
Ainda bem que os copistas monásticos medievais, que copiaram e recopiaram o despautério bíblico, não repararam e, portanto, não corrigiram este e outros dislates …
… Assim, podemos ter este registo fóssil para nos divertirmos… e para mostrarmos a inanidade da obra…

Donde emerge um duplo silogismo, mas em que só um é verdadeiro:

1- Deus é perfeito;
a Bíblia é inspirada por deus;
Logo, a Bíblia é perfeita.

Ou…

2- A Bíblia é imperfeita;
a Bíblia é inspirada por deus;
logo, deus é imperfeito.

Acrescento, apenas, que os deuses imperfeitos não existem, por contradição antitética…

Mas eu ainda poria estoutro silogismo:

A Bíblia foi criada por pessoas crédulas;
As pessoas crédulas são mais falíveis;
Logo, a Bíblia … não foi inspirada por deus…

E eis que a Bíblia, através do Génesis, “chumba” logo no exame inicial, isto é, no exame divino da “criação”.
Basta uma única contradição, para reprovar uma obra “inspirada” por “deus”, o infalível…
… Mas há mais…

P.S. – Genesis só há (houve) um: o de Peter Gabriel (o melhor vocalista do mundo), Phil Collins (um dos dois melhores bateristas do mundo), Mike Rutherford, Steve Hackett e Tony Banks, mais umas contribuições avulsas doutros.
Genesis foi a maior banda de “rock sinfónico” (o melhor tipo de música de sempre) do mundo, pontificando, sobretudo, na década de 70.
O Genesis de “Trespass”, “Nursery Cryme”, “Foxtrot”, “The Lamb Lies Down on Broadway”, “Selling England by the Pound” e os registos espantosos de “Supper`s Ready”, a melhor faixa musical de todos os tempos, 24 minutos de portento, do primeiro ao último minuto, faixa essa superiormente tocada no duplo álbum, ao vivo, “Seconds Out”. E o melhor álbum ao vivo desde a “criação” bíblica do mundo: “Genesis Live”, um portento de 5 faixas… a saber, por ordem crescente de portento: “Get`em Out by Friday”, “Watcher of the Skies”, “The Return of the Giant Hogweed”, “Musical Box” e “The Knife”…
Isto sim, é que era o Genesis!…
Agora, o da Bíblia!…

23 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

Dízimo, logo há dinheiro

Por

Kavkaz

Entregar o dízimo é uma expressão utilizada para convencer os crentes a financiarem, manterem e enriquecerem as organizações religiosas. O dízimo corresponderá ao valor de 10 % do produto ou receita obtida pelos fiéis e tem a sua origem teórica ou teológica no Antigo Testamento, no Gênesis: “E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo” (Gên 14, 20). Já no livro Deuteronómio o dízimo aparece como uma ordem a cumprir pelos crentes. Em De 14, 22-29 e De 26, 12 o dízimo é um imposto a ser pago para os fiéis beneficiarem da boa disposição dos “pastores”.

No Novo Testamento a ideia do dízimo já é o da criação de um fundo colectivo de modo comunista: os crentes vendiam tudo o que possuíam (100 %) e entregavam a receita aos pés (veja-se a deferência) dos apóstolos (At 2, 44-45 e At 4, 34-35). Quem não entregasse aos apóstolos 100 % de tudo o que tinha vendido era admoestado publicamente e perseguido até morrer de vergonha (At 5, 3-10).

As religiões cobram sempre dinheiro ou produtos e serviços aos seus fiéis para a manutenção e enriquecimento dos grupos religiosos. Tentam transmitir a ideia de que o pagamento dos dízimo será uma vontade expressa dos deuses. Conseguirão, assim, a multiplicação dos imóveis e terrenos que as organizações religiosas possuem, o pagamento dos salários e reformas aos funcionários, formação, despesas de habitação, água, luz e telefone, etc. Há muitos interesses onde podem gastar e aplicar o dinheiro dos crentes. Por vezes utilizam parte desse dinheiro para ajudar pessoas com dificuldades económicas e fazem disso publicidade para obterem respeito e aceitação da comunidade envolvente.

O dízimo não é sempre o valor fixo sobre os rendimentos dos crentes. Há grupos religiosos que aplicam o imposto de 10 %. Há outros que, tendo em conta as dificuldades dos crentes em pagar tal valor elevado, acabam por ser mais flexíveis e pedem aos crentes para serem eles próprios tão generosos quanto possam nas sua dádivas aos pastores. O crente tem a ideia de que em troca do dízimo receberá a vida eterna. O dízimo é pagamento adiantado. A contrapartida feliz será recebida depois dele morrer. Entretanto, ficará mais pobre!

Quem recebe o dízimo dos crentes é que já pode ter uma vida feliz e rica ainda antes de morrer. As organizações religiosas possuem ao seu dispor grandes riquezas sem muito esforço, nem grandes canseiras ou sobressaltos. São terrenos, imóveis, obras de arte, ouro, jóias, valores enormíssimos de dinheiro. Subtraem-se, sempre que podem, ao pagamento de impostos ao Estado sobre as fortunas que possuem.

Os crentes já têm de pagar impostos ao Estado e que podem ser bem superiores aos 10 % dos seus rendimentos. Mas têm contrapartidas que usufruem. Obtêm serviços de educação, saúde, constroem-lhes estradas, pontes, têm empresas públicas diversas para os servir. Já as religiões constroem-lhe ilusões e prometem aos crentes o céu depois deles serem enterrados.

23 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

O S. Roque (Crónica)

Ficou-me de criança a impressão de que a ermida do S. Roque, na margem esquerda do Côa, estava alcandorada num monte enorme e que ao sacrifício da subida se deveria a recompensa dos milagres.

Hoje, ao passar na A25, sobre a ponte rodoviária, surpreende-me lá em baixo uma capela exígua abandonada num pequeno cabeço, com a vegetação a apropriar-se da área da devoção e dos negócios. Onde está um chaparro negociava burros um cigano, onde a Lurdes começava às dez a aviar copos de meio quartilho, para terminar às 3 da tarde com o pipo e a paciência devastados, medram giestas e tojos e o abandono tomou conta do espaço onde estava sediada a feira e se realizava a festa.

Onde os solípedes e as pessoas alcançavam não sobem ainda hoje os automóveis.

Eu gostei, ainda gosto, de romarias. Mesmo com milagres cada vez mais raros, a acontecerem na razão inversa dos louvores, encontramos sempre caras que atraem afectos e nos devolvem memórias. Às vezes não são quem pensámos, os anos passam, são filhos, mas vale a pena, falam-nos do que nós sabíamos, são da terra que julgámos.

Há quase sessenta anos, o Rasga foi ao S. Roque com a mulher, ela cheia de fé, ele com muita sede, como sempre, até a cirrose o consumir. A feira e a romaria partilhavam a data e o espaço. Não sei das promessas dela, as mulheres lá tinham contratos com os santos, não era costume explicitá-los, ele tinha as mãos cheias de cravos, coisa de rapaz, julgava que era feitio. A mulher dissera-lhe que havia de ir ao S. Roque, o Maravilhas curou-se, o Ti Velho também, pelas outras aldeias ia a mesma devoção, os resultados eram de monta.

O Rasga até tinha pensado no ferrador, não para ferrar o macho, ele queimava os cravos, mas eram grandes as dores, ficavam as mãos com marcas piores que a cara do Medo com as bexigas, e a febre, às vezes, levava a gente. Já se acostumara, não valia a pena ralar-se, o pior era a mulher a azucrinar-lhe os ouvidos, tens de ir ao S. Roque, se trabalhasses em vez de beberes havias de ver o incómodo, eu faço-te companhia, és um herege, uma oração, uma pequena esmola, dois cruzados, um quartinho no máximo, o S. Roque não é interesseiro, vens de lá bom, levas a burra que já mal pega em erva, enjeita os nabos, não temos feno, há-de morrer-nos em casa, além do prejuízo vais ser tu a enterrá-la, podias vendê-la.

E lá foram os três, que a burra também contava, partiram quando a Lurdes e a Purificação já levavam uma légua de avanço, tinham bestas lestas e levantavam-se cedo, era mister que se antecipassem aos homens que quando chegavam logo queriam matar o bicho e os negócios não podiam fazer-se sem haver onde pagar o alboroque.

O Rasga, mal chegou, pediu três notas pela burra a um da Parada que lhe ofereceu duas, a mulher do da Parada ainda o puxou, homem para que queres a burra, o rachador do Monte meteu-se logo, isto não é assunto de mulheres, tinham que fazer negócio, tem que tirar alguma coisa, não tiro, dou-lhe mais uma nota de vinte, tiro-lhe essa nota, nem mais um tostão, e o do Monte a dizer racha-se, vários a apoiar, fica por duas notas e meia, o rachador a agarrar-lhes as mãos, estranha união, e a fazer com a sua um corte simbólico, deram as mãos estava feito o negócio, um tirou cinquenta o outro deu mais cinquenta, consumada a liturgia logo assomou meia nota de sinal, faltavam duas que apareceriam quando lhe entregasse o rabeiro, vai uma rodada, paga o vendedor que recebeu o dinheiro, primeiro um copo para o comprador, o rachador a seguir, depois para todas as testemunhas, outra rodada paga o comprador, outra ainda, esta pago eu, diz um da Cerdeira, não quero mais diz o de Pailobo, morra quem se negue, praguejou um da Mesquitela, olha vem ali o Proença da Malta, grande negociante, como está, disseram todos, uma rodada, pago eu, diz o Proença, mas a minha primeiro, exigiu o da Cerdeira com agrado geral, e ali ficaram a seguir os negócios, os foguetes e a festa, e a tirar o chapéu e a agradecer ao Proença quando este foi dar a volta pelo sítio do gado onde já se encontrava o Serafim dos Gagos a disputar-lhe o vivo e a pôr a fasquia aos preços.

Findas a feira e a festa, esta terminou primeiro, um dos padres ainda tinha de levar o viático a um moribundo de Pínzio, o Rasga e a mulher vinham consolados, ela com a missa e a procissão, ele com duas notas e meia no bolso e o buxo cheio de vinho, ela a pensar na vida e ele a cambalear.

Algum tempo depois perguntei ao Rasga o que era feito dos cravos. Ficaram no S. Roque, menino, ficaram no S. Roque.

In Pedras Soltas (Esgotado)

22 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

Vaticano domina a Itália

O Vaticano controla transversalmente os partidos italianos’

Autor de livro com informações sobre o VatiLeaks diz que é impossível chegar ao poder na Itália sem o apoio da Igreja

O jornalista Gianluigi Nuzzi ocupa-se da política interna do Vaticano desde 2008 e foi o responsável pelas denúncias que desencadearam o escândalo que ficou conhecido como VatiLeaks, o vazamento de documentos secretos da Santa Sé.

22 de Dezembro, 2012 Carlos Esperança

O Islão é pacífico

Uma multidão queimou vivo neste sábado, no sul do Paquistão, um homem que supostamente tinha incinerado exemplares do Alcorão, o livro santo do islamismo, informou em sua versão digital o jornal Express.

O grupo o retirou de uma delegacia da cidade de Seeta, na província de Sindh, onde ele estava preso acusado de blasfêmia. Em seguida, a multidão ateou fogo no homem em frente ao local.