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Os castrati

Por

Kawkaz  

O jornal Público publicou um artigo muito interessante sobre os castrados em nome da arte do canto que se praticou na Europa cristã e em Portugal no século XVIII.O trabalho tem a assinatura de Cristina Fernandes.

Ela conta-nos, e vou reproduzindo algumas partes desse texto, que no período barroco os homens castrados dominaram nos principais palcos europeus e deliciavam com os seus cantos e vozes especiais as cortes dos reis, as igrejas e os teatros.

Em Portugal haveria muitos cantores castrados italianos ao serviço dos teatros e da Capela Real e Patriarcal no século XVIII. Menos conhecido será o facto de também terem existido castrati portugueses e de que essa prática desumana em prol da arte do canto e do eventual êxito de uma carreira futura também ocorreu entre nós.

O culto da beleza vocal sobrepunha-se à crueldade da operação a que os jovens cantores do sexo masculino eram submetidos antes da puberdade no intuito de preservar o registo vocal agudo das crianças durante a vida adulta. Impedia-se assim o desenvolvimento da laringe e das cordas vocais, mas não o crescimento do resto do corpo e da caixa torácica, o que permitiria sustentar notas longas por muito tempo. A visibilidade dos castrati como superestrelas da ópera faz por vezes esquecer que as suas primeiras funções se encontram ligadas à música sacra. A Capela Sistina empregava-os pelo menos desde meados do século XVI, o mesmo acontecendo com algumas catedrais espanholas ou com a capela da corte de Munique no tempo de Orlando di Lassus. Mesmo num país como a França, cuja tradição operária era alheia a esta prática, eram contratados castrati para a Capela Real de Versalhes nos meados dos séculos VII e XVIII.

Em Portugal o uso de castrati na música religiosa e na ópera encontra-se documentado a partir do reinado de D. João V. A importação regular de cantores italianos (cerca de 140 entre 1750 e 1807), dos quais dezenas eram castrati, prosseguiu nos reinados de D. José e D. Maria I e durante a regência de D. João VI. E quando a corte se transferiu para o Brasil em 1807, na sequência das invasões francesas, o Príncipe Regente continuou a contar com castrati na Capela Real do Rio de Janeiro.

Os estatutos do Real Seminário de Música Patriarcal (1764), a principal escola de música em Lisboa antes da criação do Conservatório em 1835, mencionam que a idade de admissão dos alunos deveria ser de oito anos, podendo ingressar posteriormente no caso de já saberem música ou se fossem “castrados, com voz de soprano ou alto”.

Ao contrário dos seus colegas italianos, nenhum dos alunos do Seminário Patriarcal identificados como castrati fez carreira operática, mas tiveram cargos profissionais respeitáveis no âmbito da música sacra ou do ensino.

Após ter assistido à cerimónia da sagração da primeira pedra da Igreja da Memória em 1760 (celebrada pelo patriarca na presença da família real e do Marquês de Pombal), o italiano Giuseppe Baretti escreve ironicamente: “Terminou a missa e terminaram a fefautada e a rabecada de um bom número de castrados e de instrumentalistas, dos quais se mantém na corte um número muito superior ao dos professores de Letras de Coimbra.”

A Igreja Católica e a Monarquia encantava-se com o canto dos castrados e os “Direitos Humanos” não faziam parte da inspiração de “Deus”!

P.S. Não havendo qualquer relação com castrati proponho-vos a audição do
Contratenor Philippe Jaroussky em “Vivaldi aria”.

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