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Mês: Dezembro 2011

9 de Dezembro, 2011 Ludwig Krippahl

Compatibilidade, agora com aspas.

No De Rerum Natura, o Carlos Fiolhais publicou há dias um texto sobre ciência e religião. É pena que não tenha abordado este tema com o rigor com que normalmente escreve. A ciência, começa, «trata do conhecimento do mundo natural» enquanto a religião «trata da relação do homem com o “transcendente”, com o qual ele toma conhecimento através da “revelação” ou “graça”.» (1) Pôs as aspas, mas não tocou no problema de sabermos se existem tais coisas como as religiões assumem, cada uma à sua maneira e sem consenso. Além disso, as religiões também dizem conhecer o mundo natural. Quase todas as religiões têm alguma versão de criacionismo, relatando como e porquê o universo foi criado, e alegações acerca do nascimento de Jesus, milagres ou a assunção de Maria não são estritamente sobre o “transcendente”. Têm implicações acerca do mundo natural também. E, em rigor, também não podemos dizer que «Na nossa cultura, [o transcendente] é o Deus da Igreja Católica.» O máximo que se pode dizer é que muita gente acredita que seja, mas daí a ser verdade ainda falta um bom bocado.

Depois, aponta que a ciência e a religião têm, em comum, «a procura de um sentido», o que também é pouco rigoroso. A ciência é uma procura por modelos que correspondam aos aspectos da realidade que visam modelar. É verdade que podemos encontrar sentido nisso, tal como podemos encontrar sentido na pintura, na literatura, no desporto, na família ou em qualquer aspecto da nossa vida. Até numa religião. Mas as religiões, que são muitas, não são necessariamente uma procura. Algumas, como o hinduísmo, deixam em aberto as questões fundamentais e toleram abordagens diversas. Outras, como o catolicismo ou o cristianismo evangélico, são mais dogmáticas e, por livros sagrados, inspiração divina ou líderes infalíveis, declaram que o essencial já está encontrado. E ai de quem procurar alternativas.

O Carlos Fiolhais aponta que «a observação e a experimentação permitem decidir se uma dada hipótese a respeito do mundo está errada. O reconhecimento do erro logo que haja evidência suficiente para ele tem assegurado à ciência uma notável capacidade de progressão ao longo dos tempos». Mas, depois, alega que «a religião não assenta no mesmo tipo de racionalidade, nem na observação e na experimentação, mas sim na fé, a crença que é obtida pela “graça” ou “revelação”» e que «existem diversas religiões, com diferentes verdades, cuja unificação é na prática impossível». Não me parece que recusar admitir a possibilidade de erro e o hábito de chamar “verdades diferentes” a alegações contraditórias mereça o rótulo de “racionalidade”, seja de que tipo for. O panteísmo hindu afirma que todos somos Brahman, enquanto o monoteísmo (triteísmo?) católico diz sermos criação do Pai-Filho-e-Espirito-Santo mas separados deste(s). Parece-me que o mais racional é chamar a isto crenças e admitir que não há razão objectiva para as considerar verdadeiras. Se chamamos a ambas “verdades” ficamos a precisar de uma palavra nova para designar a verdade a sério.

Depois, o Carlos Fiolhais parece confundir correlação com causalidade quando afirma que «Importa sublinhar que a ciência moderna surgiu no contexto do pensamento cristão e católico. Não se deu no quadro cultural do judaísmo ou do islamismo, nem no quadro de outras religiões». Antes da maturação da ciência nos dar alternativas persuasivas, todo o mundo estava dominado pelo pensamento religioso. O instante exacto em que a ciência começou é arbitrário. Há com certeza bons candidatos entre os arquitectos egípcios, filósofos gregos, engenheiros romanos e matemáticos árabes. Mas, onde quer que se ponha o “surgir” da ciência moderna, calhará sempre “no contexto” de uma religião qualquer. Ter calhado no cristianismo não nos diz se isso foi uma vantagem, desvantagem ou irrelevante. À partida, isto é tão importante como os primeiros cientistas serem todos homens, viverem em climas moderados ou saberem latim.

Finalmente, o «facto de que se pode ser crente e ao mesmo tempo cientista» e a alegação de que basta «abandonar a ideia de que a Bíblia é um livro de ciência» para que a ciência seja compatível com “a religião”. Isto não serve. A incompatibilidade não está na pessoa. Está no método. A ciência progride pela correcção de erros e, por isso, não pode aceitar como verdadeira uma proposição que não se possa testar ou à qual falte evidências que o justifiquem. Não me parece que o Carlos Fiolhais considere compatível com a ciência a alegação de que, pela “revelação” e fé, eu possa saber verdades transcendentes sobre os duendes invisíveis que habitam os núcleos dos átomos ou as fadas da quinta dimensão. A possibilidade um cientista acreditar nestas coisas – ou no criacionismo, ou nas pulseiras com hologramas – também não prova que estas crenças sejam compatíveis com a ciência.

Estes argumentos pela compatibilidade entre religiões e ciência mostram bem como estas são incompatíveis. Porque, invariavelmente, para argumentar isto é preciso abdicar do rigor e da exigência de fundamento que caracterizam a ciência.

1- Carlos Fiolhais, EM BUSCA DE SENTIDO: CIÊNCIA E RELIGIÃO

Em simultâneo no Que Treta!

9 de Dezembro, 2011 Ricardo Alves

Metade dos britânicos não têm religião

Segundo este estudo, metade dos britânicos declaram não ter religião. Dois terços dos jovens (18 a 24 anos), declararam também não ter religião. A maior minoria religiosa é constituída pelos anglicanos: 20% da população declara pertencer àquela que ainda é a igreja de Estado. Por enquanto.

9 de Dezembro, 2011 Luís Grave Rodrigues

O Esquimó