Diálogos improváveis (ou talvez não…)
Ambrósio olhava para mim, sem conseguir esconder um misto de repulsa e surpresa:
– Tu queres dizer que és ateu?
– Exactamente – confirmei.
– Ou seja – insistiu – não acreditas em Deus Nosso Senhor.
– Bem, não é uma questão de acreditar ou não. Deuses não existem, assunto resolvido.
Ambrósio, bom católico, de missa sem gazeta e hóstia na ponta da língua, que nas mãos considerava uma badalhoquice, retorquiu, sem se dar por vencido:
– Claro que deuses não existem. Mas este, existe, não tenhas dúvida.
E, sem me dar tempo a recalcitrar:
– Ou então, diz-me quem fez isto tudo – concluiu com um gesto largo e abrangente.
– Tudo, o quê? – quis saber.
– Tudo, porra! o céu, a terra, as estrelas, todos os astros, a água…
Aproveitei as reticências:
– Sabes, sem querer estás-me a explicar como é que o teu deus foi inventado.
Ambrósio engelhou a testa:
– Não percebo…
– Nem eu esperava que percebesses – retorqui sem esconder a ironia. – Vamos por partes: é indubitável que acreditas em Deus…
– Mas nem duvides! elucidou, colocando um visível ponto de exclamação no fim da frase, para que não restassem dúvidas.
– Óptimo – acedi. Quer dizer que confias em Deus.
– Naturalmente – desta vez foi Ambrósio quem mostrou um ar divertido. – Devemos confiar em Deus.
– Quer dizer que rezas a Deus…
– Sem dúvida. Rezo todos os dias. Não me deito sem fazer as minhas orações.
– Assim é que deve ser – acedi eu. – E pedes-lhe o quê? Dinheiro?
Ambrósio mostrou-se agastado e não perdeu a oportunidade de mostrar a tolerância religiosa:
– Dinheiro?! Vocês, ateus, é que são materialistas! Eu não peço dinheiro a Deus, que Deus não quer nada com o dinheiro, que é coisa do Diabo. Agradeço-lhe o ter-me deixado viver mais um dia, e peço-lhe vida e saúde.
– Pois, era aí que eu queria chegar. Estás a dizer-me que nunca foste a um médico.
– Ora, claro que fui! Ainda ontem fui a uma consulta. Mas o que tem a ver…?
– Não, espera aí: tu acreditas em Deus, confias em Deus, pedes vida e saúde a Deus, e vais ao médico? Achas que isso é confiar?
Ambrósio arregalou os olhos, primeiro. Depois, deixou que a face se tornasse rubra de raiva:
– Porra, pá! Já me tinham dito que era inútil falar com ateus. Afinal, sempre é verdade.