Cinco pontos para Gryffindor!
A Penitenciaria Apostólica, em resposta à «súplica de Sua Eminência Reverendíssima Antonio María Rouco Varela, Cardeal Arcebispo de Madrid […], foi dotada de faculdades especiais para conceder, mediante o presente Decreto, o dom da Indulgência, segundo a mente do próprio Pontífice, como segue: Concede-se a Indulgência plenária aos fiéis que devotamente participarem em qualquer função sacra ou exercício piedoso a realizar-se em Madrid durante a “XXVI Jornada Mundial da Juventude”»(1)
Na economia católica da culpa, o pecado, quando devidamente arrependido e confessado a um sacerdote credenciado, é perdoado. Fica o pecador, por este meio, livre do sofrimento eterno a que se sujeitaria por ter pensado em malandrices com a mulher do vizinho, ou coisa do género. No entanto, fica ainda obrigado ao pagamento de uma multa em dias no purgatório. Sabe-se lá porquê. É daqueles mistérios que, por mero acaso, se revelam muito convenientes para os religiosos profissionais que gerem estas coisas.
É aí que entram as indulgências, que podem ser obtidas de várias maneiras, como usando bijutaria abençoada, jejuando, recitando orações e outras ladaínhas ou pela «visita ao Santíssimo Sacramento durante pelo menos 30 minutos»(2). Antigamente também se podia comprar indulgências mas, agora, em ocasiões festivas, a Penitenciaria Apostólica, via dom concedido pelo Papa, dá-as de borla. A utilidade da indulgência é descontar ao tempo que a alma do pecador teria de ficar em espera no purgatório. Será algo como telefonar à pessoa amiga que trabalha na secretaria para dar o jeitinho de pôr o nosso processo à frente.
Duas coisas intrigantes nisto são, como sempre, o mecanismo e as evidências. Não é claro como isto funciona. Obviamente, ninguém pode levar o voucher para o purgatório ou redimir o código de oferta no site de São Pedro. Deve haver algum processo mágico tal que, assim que a Penitenciaria proclama “menos três dias para fulano de tal!” automaticamente o contador é actualizado no purgatório. Também é intrigante como é que a Penitenciaria sabe que isto funciona. Ao que parece, ninguém voltou de lá para lhes garantir que sim senhor, as indulgencias plenárias funcionam mesmo em pleno, e até as parciais dão um jeitão. A falta de confirmação cabal deixa em aberto a desagradável possibilidade de, depois deste trabalho todo, chegarem as pessoas ao purgatório e o encarregado dizer não senhor, ficam aqui os dias todos porque os pedidos de indulgência só são considerados se entregues no formulário A23, em triplicado, e dentro dos prazos vigentes.
Pode parecer exagero andar a implicar com estas coisas que, admito, são mais ridículas do que prejudiciais. Mas incomoda-me, de tão absurdo que é, que estes Bispos, homens já com idade para ter juízo, supostamente inteligentes e certamente cultos, se reúnam com o ar sério de quem trabalha para decretar descontos nos dias de purgatório aos jovens que foram a Madrid. Nem sei o que será pior, se a possibilidade de o fazerem por aldrabice ou se a possibilidade de acreditarem mesmo num disparate destes.
1- Vaticano, PENITENCIARIA APOSTÓLICA, MADRID, DECRETO. Obrigado ao Bruce pelo link e concomitante gargalhada.
2- Wikipedia, Indulgência. Vejam também aqui várias promoções e outros descontos de oportunidade.
Em simultâneo no Que Treta!