Humor de Verão (II) – Teoria da Religião
A minha avó dizia que “de génio e de louco, todos temos um pouco”. O que quer dizer, pela parte que me diz respeito, quer também tenho um pouco de génio. Ora, génio que se preze tem de deixar, para a posteridade, uma teoria. Assim sucedeu com Einstein, mais a sua “teoria da relatividade”, com Charles Darwin mai-la sua “teoria da evolução”, etc. Pela parte que me diz respeito, fico-me pela “teoria da religião” e desde já asseguro que se trata de uma teoria inovadora. Se alguém, antes de mim, desenvolveu esta teoria, é plágio vergonhoso; porque há muitos anos que trago esta teoria na cabeça, mas só agora posso dá-la a conhecer “urbi et orbi”. Falta de tempo, pois claro; mas a ideia, essa, já cá está há mais de muitos anos.
Adiante.
Desde sempre o Homem (leia-se a Humanidade; escrevo Homem para poupar espaço, não tem a ver com machismos exacerbados. “Homem tem menos letras que “humanidade” ou “mulher”) se perguntou e perguntou aos outros Homens: “Afinal, o que apareceu primeiro: a religião, ou o sacerdote?”, a fazer lembrar, vagamente, aquela pindérica adivinha da galinha e do ovo, que ainda hoje não se sabe quem apareceu primeiro.
Adiante.
Voltando trás, que é o que interessa, ainda hoje não se sabe, ao certo, se foi o sacerdote que inventou a religião, ou se foi a religião que criou a necessidade de um sacerdote. Isto é: NÃO SE SABIA, porque, graças a mim, esse mistério tem os dias contados.
Recuemos uns anos. Muitos. Muitos milhares. Milhões, talvez.
O Homem, ainda na fase de Australopiteco, ia olhando à sua volta e, ao mesmo tempo, ia tomando consciência do que o rodeava. Uma árvore não era uma pedra, um mamífero não era uma ave, e por aí fora. Um dia, viu o Fogo. E imediatamente esse fenómeno ígneo exerceu, sobre o Homem, um fascínio incontrolável. Que ainda hoje exerce, diga-se de passagem, basta ver os pirómanos que todos os anos por aí proliferam. É que dos quatro elementos da Vida – Terra, Ar, Água e Fogo – o Fogo é, certamente, o mais fascinante. Por exemplo: a água pode-se transportar de um lado para o outro, basta ser o recipiente adequado; a terra, então, é facílima, às pazadas ela vai para onde a gente quer; o ar, nem se fala. A gente pega numa garrafa de vinho, enfia-o pela goela abaixo, e imediatamente a garrafa fica cheia de ar. Milagre divino, sem dúvida! Sei de famílias que se deslocam, de propósito, à Serra da Estrela, carregados de garrafas de vinho, que esvaziam metodicamente para trazerem para casa as mesmas garrafas, mas cheias de puro ar da montanha – que respiram sofregamente sempre que os índices de poluição aumentam um pouco. Pois é. Mas transportar o fogo é algo mais complicado, porque requer um certo número de cuidados, quanto mais não seja porque não é muito prudente manuseá-lo directamente, por exemplo. Além disso, “aquilo” era um autêntico dois-em-um: aquecia e iluminava. Tal como o sol, só que aquilo estava ali ao alcance da mão, passe a figura de estilo.
Pois bem: fascinado pelo Fogo, o Australopiteco perguntou a outro Australopiteco: “Porra, que porcaria é esta???” ao que o outro Australopiteco respondeu, dizendo a primeira coisa que lhe veio à cabeça: “É o fogo, pá!” O Australopiteco ignorante, como não tivesse argumentos para contradizer o respondente, aceitou sem discussão: “Se tu o dizes, é porque é verdade.
Fenómeno dos fenómenos, acabamos de assistir ao nascimento de duas espécies que ainda hoje existem e que não se extinguirão facilmente: o Crente e o “Chico-esperto”, também conhecido por Chiquesperto.
Pois bem, o Crente ficou estupefacto com a resposta do Chiquesperto e passou a olhá-lo com um certo respeito. Mas a sua estupefacção não ficou por ali. Vamos ver as cenas dos próximos episódios:
Crente: – Mas, como é que tu sabes essas coisas?
Chiquesperto: – Não só sei, como tenho poder sobre o fogo.
Crente: – …poder???
Chiquesperto: – Sim, Crente. Poder. Eu posso, se quiser, fazer desaparecer este fogo. (Abro parêntesis para esclarecer que se tratava de uma fogueira minúscula, posso dizer “ridícula”).
Crente: – Calma aí, pá. Isso não é assim tão fácil. Se a gente se chegar muito para perto, isso queima. Eu não sabia o que era, pus a mão e levei com uma queimadura de segundo grau. Não estou a ver tu a destruíres isso, desculpa lá.
Sem mais uma palavra, o Chiquesperto aproximou-se da escanifrada fogueira, desapertou a braguilha ou o que fazia as vezes disso e, de costas voltadas para o crente, como se estivesse numa missa das antigas, aliviou a bexiga, apagando o mirrado lume.
Chiquesperto: – “Voilá”. Como vês, homem de pouca fé, eu sou o maior! Não sei por que duvidas (milhões de anos mais tarde, esta história viria a ser plagiada por um tal S. Tomé). E vou dizer-te mais: se quiseres ter fogo na tua caverna, para assares batatas ou estrelar ovos, tens de pagar o dízimo. E quando deixares de o pagar irei a tua casa e apagarei o fogo.
Claro que a notícia se espalhou rapidamente. Havia um Australopiteco capaz de dominar o fogo. Os Australopitecos imediatamente se reuniram e decidiram que o Chiquesperto os guiaria na senda da vida. Tudo o que ele mandasse fazer, teria de ser cumprido à letra. Incluindo o pagamento do dízimo.
Estava encontrado o primeiro Sacerdote – e os primeiros crentes.