O sexo, por suposto.
O Alfredo Dinis defendeu que «uma educação sexual que se centre em tornar acessível aos jovens os anticonceptivos e as técnicas do seu uso não passa de uma caricatura da educação sexual e, em última instância, do amor.»(1) Interpretando à letra, concordo. Os jovens devem aprender técnicas de contracepção nas aulas, quanto mais não seja para corrigir o que aprendem uns com os outros, e devem ter acesso a contraceptivos antes de iniciar a sua vida sexual. Além de educação, é também um problema de saúde pública. Mas concordo que a educação sexual e do amor não se deve centrar no preservativo. No entanto, essas partes aprendem-se pelo exemplo e não por livros e professores. É com a família que as crianças devem aprender a amar, pelo que o currículo escolar pode focar os outros detalhes.
Mas como o Alfredo me critica por interpretar os textos à letra, suspeito que a posição da Igreja seja mais forte do que apenas esse “não centrar”. Quando as religiões se preocupam com a educação das crianças, raramente é por acharem que falta alguma coisa. Normalmente é por as crianças aprenderem demais. A teoria da evolução, a existência de outras religiões ou os preservativos, por exemplo. Mas deixo esta questão em aberto.
O que me interessa aqui é a ética do sexo que o Alfredo propõe. Começa por apontar que «Para algumas pessoas, o princípio geral supremo é o da liberdade pessoal – supostamente oposto ao da obediência a mandamentos divinos ou outros», o que confunde dois contextos diferentes. Não é oposto à liberdade pessoal que o Alfredo opte por seguir mandamentos. Isso até é um exercício da sua liberdade pessoal. Mas haveria conflito se alguém obrigasse o Alfredo a seguir mandamentos. Em comportamentos e disposições que não se imponham aos outros – o que Robert Kane chama “esfera moral” – qualquer conjunto de valores é igualmente legítimo. Só quando saímos desse contexto, para impor regras a todos, é que a liberdade pessoal se torna importante para minimizar a distância a esse ideal, normalmente impossível, de cada um agir como entender sem prejudicar os outros. Esta distinção, importante em todos os problemas éticos, é especialmente relevante com o sexo. Era útil que o Alfredo distinguisse entre os princípios que aplica à sua vida sexual e os princípios que quer aplicar à vida sexual dos outros.
Sem fazer essa distinção, o Alfredo defende que «O problema é que ao ‘alugar’ uma prostituta, eu estou objectivamente a banalizar um género de relação interpessoal que é dos mais profundos.[…] As relações sexuais são um género muito especial de relações porque inclui um nível de complexidade e de intimidade que não se encontra noutras relações.». Na minha experiência, o sexo pode ser parte de uma relação profunda, uma parte divertida e gratificante, mas é uma parte pequena quando comparado com tudo o que torna a relação profunda, íntima e complexa. Tanto pode ser um fim de semana romântico como uma rapidinha antes dos miúdos chegarem da escola, ou o que calhar. Por isso, parece-me errado equacionar o sexo com a relação íntima e profunda, que é muito mais do que essa pequena parte. Mas o importante é reconhecer que, numa questão pessoal como esta, é legítimo haver divergências sem que uma opinião seja objectivamente mais correcta. A “banalização objectiva” será, no máximo, um problema para o Alfredo e para quem pensar como ele. Para muitos outros, o que se passar entre o Alfredo e a hipotética prostituta, se de mútuo acordo, é um assunto entre os dois.
Acrescenta o Alfredo que «A Igreja Católica baseia-se no princípio da totalidade ou do bem total do ser humano para discernir o valor humanizador das relações interpessoais concretas». O que não diz nada, porque a questão é se coisas como proibir a prostituição e não ensinar contracepção servem o bem total do ser humano. Parece-me que, se é o bem total que queremos, a repressão e a ignorância são má ideia.
Outra alegação dúbia é que «As relações sexuais são expressão de um amor amadurecido entre dois seres humanos, um homem e uma mulher,. Por conseguinte, se não se pode brincar ao amor, também deve ser verdade que não se pode brincar às relações sexuais.» Eu comecei a namorar aos dezassete com a pessoa que ainda me atura aos trinta e nove, e os meus dados sugerem que o Alfredo está enganado. O amor demora tempo a amadurecer. O que parecia amor nos primeiros anos percebe-se, em retrospectiva, que era a brincar. Mas brincar é fundamental para aprender. Quem não brincar ao amor e ao sexo não consegue amadurecer nestes aspectos da sua vida, ficando preso a noções confusas, abstractas e distantes do que estas coisas são. Ou devem ser.
Por exemplo, « A Igreja Católica tem uma concepção da relação sexual entre dois seres humanos que supõe que o sentido dessa relação é o de realizar uma união de complementaridade total entre eles. […] A Igreja Católica parte ainda do pressuposto que esta complementaridade total leva à união profunda dos esposos e à procriação como fruto dessa união.» Pressupor é um bom ponto de partida desde que, depois, se ponha à prova os pressupostos na disposição sincera de os substituir se estiverem errados. Porque supor, por si só, não é saber. Mas esta perícia instantânea, mesmo que ilusória, é útil para as religiões. Com meia dúzia de suposições infundadas, os sacerdotes são peritos em tudo. Sabem o que acontece depois de morrermos, sabem quem criou o universo, que deuses existem, o que querem de nós e como falar com eles. E sabem até o que devemos fazer na cama, com quem, e para que fins. Tudo isto só de supor.
1- Alfredo Dinis, Sexo e religião
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