Igreja Anglicana
A Igreja Católica Apostólica Romana não é a única que se auto-intitula «Católica» (completa, universal) – entre outras, a Igreja de
Inglaterra também se considera «Católica e Reformista».
Quando tomei contacto com o Anglicanismo, considerei de imediato que o conceito fazia pouco sentido – a Igreja universal, de todos os povos do mundo, era a Igreja de Inglaterra? O que teriam os ingleses de tão especial para acreditarem que Jesus os teria escolhido a eles para edificar a sua Igreja?
Na altura era Cristão, e sempre me tinha parecido claro o universalismo da mensagem de Jesus, a ideia de que nenhum povo seria superior a outro, aliás um valor que ressoou com os meus valores pessoais, sendo que eu ainda hoje me identifico com a famosa frase de Sócrates (um universalista bem anterior a Jesus) «não sou ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo.».
Por outro lado, também me parecia que a mensagem de Jesus era uma mensagem espiritual, da superioridade do plano espiritual sobre o plano temporal. Todos bem sabemos que a história da ICAR só faz sentido assumindo que muitos clérigos nunca acreditaram nesta hierarquia de valores, mas pelo menos na actualidade é bastante claro que o Papa católico é antes de mais o líder da ICAR, e apenas subordinada a essa função está a sua liderança política do Vaticano.
No caso da Igreja Anglicana, acontece o oposto: o chefe de estado da nação Inglesa é por inerência o líder supremo da Igreja de Inglaterra – nunca compreendi como é que os cristãos poderiam aceitar este absurdo, esta flagrante inversão hierárquica, de subordinar um cargo espiritual a um cargo político, no contexto da mensagem de Jesus.
Estava, claro está, cego perante os absurdos que eu próprio, enquanto cristão, aceitava.
Como é que os Anglicanos aceitavam que a «verdadeira Igreja» tinha nascido da forma como a sua Igreja tinha nascido? Com um líder político promíscuo que acreditava que o seu poder pessoal lhe deveria dar direitos especiais, e que usou este mesmo poder para que lhe fosse permitido fazer aquilo que outros não podiam (casar-se várias vezes), mesmo que para isso tivesse de criar uma nova Igreja, e fazer escorrer rios de sangue? Seria este o meio através do qual Deus edificaria a «verdadeira Igreja Universal»?
A Igreja criada por Henrique VIII pretendia ser uma réplica da ICAR, mas com diferenças perfeitamente injustificáveis (a meu ver) para um cristão. Claro que estava enganado: ser educado desde pequeno a acreditar em algo torna muitas vezes difícil identificar o seu absurdo.
De qualquer forma, a evolução da Igreja de Inglaterra foi, a meu ver, positiva. Foram caminhando no sentido de aceitar a Ordenação de mulheres, e de sacerdotes abertamente homossexuais, coisa que, na minha perspectiva de quando era cristão, era mais compatível com a mensagem de tolerância de Jesus.
Hoje discordo dessa minha posição: creio que o sexismo e a homofobia da ICAR são bem mais compatíveis com os textos que os cristãos consideram sagrados (incluindo os do Novo Testamento). Ainda assim, tenho mais simpatia pela inconsistência da Igreja de Inglaterra a este respeito, do que pelo sexismo monolítico e coerente da ICAR, que continua a vedar o sacerdócio às mulheres, e pela sua homofobia flagrante, que continua a considerar pecaminosa qualquer relação sexual entre pessoas do mesmo sexo.
Por outro lado, a Igreja de Inglaterra mantém-se numa situação que considero de abuso tremendo, pelos privilégios políticos que mantém, em flagrante desrespeito pelo princípio de separação entre Igreja e o Estado que deveria estar presente em todas as democracias modernas.
Como exemplo da dimensão do abuso, menciono apenas que vinte e seis Bispos e Arcebispos desta Igreja têm assento na Câmara dos Lordes, sendo-lhes assim garantido poder político, sem que os cidadãos tenham eleito estas figuras.