24 de Maio, 2011 Abraão Loureiro
Os clérigos confiam em Deus?
Construção da barricada na Igreja de Santa Cruz em Coimbra para protecção dos bombardeamentos em 1940
Construção da barricada na Igreja de Santa Cruz em Coimbra para protecção dos bombardeamentos em 1940
Não há muito de novo a dizer sobre disto. O presidente da estação californiana Family Radio (1), Harold Camping, recorreu à sua fé (evangélica) e profundo conhecimento da Bíblia para prever que o mundo acabava ontem. No entanto, não parece ter acertado (2). Se, por um lado, é difícil crer que alguém monte uma campanha na rádio e em 2000 outdoors para anunciar o fim do mundo sem estar mesmo convencido disso, por outro lado os milhões de dólares que os totós que cairam na esparrela lhe deram (3) revelam, mais uma vez, que a fé tem facetas mais complexas que a mera crença pessoal. Mais curioso ainda, este senhor já tinha previsto o mesmo para 1994, com sucesso idêntico.
Seja por burla ou parvoíce, este tipo de coisas surge sempre do mesmo problema, transversal a todas as religiões, superstições, crendices e afins. Um tipo diz “eu sei”, por manha ou tontaria, e uma data de gente acredita que ele sabe mesmo sem lhe pedir que explique como. Por vezes o resultado é inofensivo, como quando dizem saber que Maria era virgem ou que um deus são três. Por vezes é lucrativo sem prejudicar muito, como quando dizem saber que o fantasma da Maria Clara do Menino Jesus anda no céu a interceder por nós, e compre lá a estatueta, bem em conta, para facilitar o pedido de favores. Mas outras vezes o resultado é terrível, como quando dizem saber o que é que deus manda ou proíbe que as pessoas (especialmente as mulheres) façam. Ou quando muita gente se arruína por enfiar mais um barrete acerca do fim do mundo (4).
Seria fácil prevenir estas coisas se, sempre que algum líder religioso, espiritista, astrológico – ou tretológico, em geral – afirmasse saber algo de extraordinário, lhe exigissem que demonstrasse como é que se obtém tal conhecimento de forma imparcial e isenta. Infelizmente, pensar e questionar dá muito mais trabalho do que ter fé. Quem se convence de que sabe as respostas já não se chateia com perguntas.
1- www.familyradio.com
2- International Business Times, Harold Camping’s 21st May Doomsday prediction fails; No earthquake in New Zealand
3- Yahoo Finance, May 21 End of the World: Harold Camping’s $72M business
4- Está aqui uma lista incompleta.
Em simultâneo no Que Treta!
Quantas pessoas terão mudado as suas vidas e quantas se terão suicidado por culpa dos profetas sem escrúpulos e sacadores de dinheiro?
O que a justiça deveria fazer a quem ameaça as pessoas desmioladas com fins de mundos?
Um estudo da Universidade do Kansas sobre sexo e secularismo chegou às seguintes conclusões (a partir de entrevistas a mais de 14 mil e quinhentas pessoas).
Portanto: ateus e religiosos são animais da mesma espécie (o homo sapiens), daí o mesmo comportamento. A culpa é que é um implante cultural. Que torna os religiosos menos felizes.
(Rogo que a caixa de comentários mantenha um nível de discussão elevado sobre este assunto.)
Segundo a mui católica Agência Ecclesia, «Bebés que nasceram por intercessão de Madre Clara estarão na beatificação». Como é que uma pessoa morta em 1899 interveio na fecundação de mulheres nossas contemporâneas, é algo que me dispenso de aprofundar. A bruxaria e as magias não são a minha especialidade. Mas que haja pessoas, em pleno século 21, que fazem pronunciamentos surreais destes, e sem provocar o riso generalizado, é abismal.
Na mesma notícia, descobre-se também que o Policarpo vai levar para casa dele uma falange de um dedo da tal Maria Clara que a ICAR vai «beatificar». Eu sou tolerante, e considero que estes fetichismos são inócuos. Mas se isto se passasse fora da Europa seria considerado idolatria. Acho eu.
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