Padres e demónios
É paradoxal serem os crentes infectados com demónios e os ateus imunes aos espíritos malignos.
A população demoníaca tem-se reduzido ao longo dos anos com o avanço da ciência, quiçá porque os espíritos das trevas se anteciparam no planeamento familiar ou, para arreliarem o Papa, porque foram pioneiros no uso da pílula e do preservativo.
Mais raros, mas não extintos, os espíritos malignos existem. Os livros sagrados dedicam várias páginas a esses agitadores de almas pias. O exorcismo é a terapêutica exclusiva aprovada pelo Vaticano, desde que o alvará para o seu exercício seja de um padre católico e, em casos difíceis, só com licença episcopal.
Em Portugal há um velho especialista, com 72 anos, a tirar espíritos de corpos sofridos, padre Humberto Gama, que se dedica aos difíceis combates com o demo, das 7 às 22 horas, aliviando a carteira e as possessões demoníacas a cerca de 20 possessos diários. Com consultório em Fátima e Mirandela já foi proibido de dizer missa e teve vários dissabores um dos quais com um marido que discordou do sítio por onde extraiu os espíritos da amantíssima esposa, na convicção de que o tamanho e a quantidade não precisavam de tão larga e recôndita reentrância. Mas o que sabe um leigo de espíritos?! O padre Gama alegou que têm de sair por algum lado e disse-o convicto à TVI onde fez exorcismos em directo antes de actuar na RTP-1.
Agora, em Figueiró dos Vinhos, o padre José Rosa Gomes recebe na igreja, todas as semanas, centenas de fiéis a quem purifica e resolve os problemas. As mulheres, mais atreitas ao maligno, encontram nas mãos do sacerdote a benzina que desencarde a alma e nas orações o demonífugo que as liberta das apoquentações do demo, desmaiando ao som de cânticos enquanto o mafarrico emigra para outras bandas.
O reverendo Rosa Gomes exorciza das 21H30 à 01H00 da manhã durante a cerimónia da «Adoração do Santíssimo Sacramento», à quarta-feira na igreja de Figueiró e à sexta na do Beco. Vêm camionetas de vários pontos do país cheias de crentes para serem exorcizados. Depois dos desmaios as endemoninhadas acordam havendo quem precise de horas e orações suplementares à porta fechada mas todos ficam com a alma a luzir como prata depois de esfregada com solarina.
O bispo de Coimbra, Albino Cleto, manifestando algum receio, já aconselhou cautela com algumas situações de ordem médica e prefere designar por «orações de cura» a liturgia do exorcismo. De resto, o «grande exorcismo» só pode ser praticado por padres previamente autorizados pelo bispo da diocese e, talvez, só se justifique para demónios resistentes aos pequenos e médios exorcismos.
Em Figueiró dos Vinhos, onde o povo andava arredado da missa desde que o bispo de Coimbra despediu um padre estimado pelo povo, não por ter uma filha mas por assumir a paternidade, a fé voltou e conquista novos crentes.
Os cânticos do padre indiano James Manjajackal entoam na igreja enquanto o colega Rosa Gomes reza para afastar o demo. A oração e a cantoria têm um efeito sinérgico e não há demónios que suportem o barulho e a ameaça da cruz. Preferem emigrar.
Fonte: DN de 07-03-2011, pág. 16, por Sónia Simões
Perfil de Autor
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