O valor terapêutico da missa
Por
José Moreira
Há, em Portugal (e não só), uma tradição que, em pleno Séc. XXI começa a adquirir contornos de curiosa e… troglodita. Trata-se de, a propósito das efemérides das instituições, mandar rezar missa pelas almas dos respectivos funcionários. Os falecidos, evidentemente.
Desde logo, isso levanta diversas questões, que sei que não vou esgotar neste ‘post’. Nem isso eu pretendo.
Vamos ver:
Desde logo: os funcionários falecidos eram TODOS católicos? Não haveria, no meio deles, alguns islâmicos, mesmo que disfarçados para não serem discriminados? Não haveria hindus, judeus, budistas, por exemplo? Não haveria ateus? E aqui o caso assume alguma gravidade, porque, como é consabido, o ateu não tem alma. Podem correr e saltar; não tem, ponto final. E continuo à espera de alguém que consiga provar-me o contrário. Ninguém pode ter uma coisa que não existe, é das mais elementares leis da física. O que quer dizer que alguém (o padre) esteve a ganhar dinheiro por uma coisa que disse que fez, mas não fez: rezar por uma coisa que, na verdade, não existe. E ainda que existisse, duvido de que o ateu quisesse que lhe rezassem por ela. Pelo menos, sem autorização dele, ateu.
O “rezar missa pela alma” é uma afronta a Deus. Na verdade, toda a família católica que de tal se preza, manda rezar missa pelos respectivos defuntos ao fim de uma semana (missa do 7º dia) ao fim de 30 dias (missa do mês) e ao fim de um ano (missa do ano). Isto para já não falar na “missa de corpo presente”. Algumas vão ao ponto de mandar rezar missa pelo aniversário natalício, pelo aniversário do casamento, pelo aniversário do curso… O mandar rezar tantas missas, implica que não se confia no poder e misericórdia do Criador. Em primeiro lugar, porque Ele sabe perfeitamente que a alma precisa de ser salva, não é preciso ninguém lembrar-Lhe. Estão a passar-Lhe um atestado de incompetente, depois admirem-se se Ele ficar chateado. Mas, partindo do princípio de que o Criador está, em determinada altura distraído, pronto, vá lá, reze-se uma missa. Mas… todos os anos???? A não ser que as missas tenham um prazo de validade curto, o que não é despiciendo.
Outra questão, é que há instituições que mandam rezar missa pelos que morreram em serviço e pelos que morreram ao serviço. Ou seja, pelos que morreram por causa do serviço (em combate, por exemplo) e os que morreram enquanto estavam ao serviço (por exemplo a aguardar o despacho do director-geral com vista à reforma). Esquecem-se dos que também morreram e já eram aposentados (é um direito que lhes assiste), o que é uma discriminação inqualificável. Felizmente que há grupos de aposentados vivos, que se reúnem e mandam rezar missa por TODOS os falecidos e fica o assunto resolvido. Embora com manifesta desvantagem para os aposentados falecidos, que sempre ficam com uma missa a menos…
Outro aspecto é: reza-se PORQUÊ? Ora, pela alma ou, mais exactamente, pela salvação da alma. Está bem. Mas… salvar a alma, DE QUÊ? É que, da forma como as coisas estão, não há salvação possível.
Eu explico.
Há uns anos, havia um lugar chamado Purgatório. Era para onde iam as almas que tinham de se purificar antes de ir para o Céu. E as pessoas rezavam para que as almas estivessem pouco tempo naquele local, ou para que Deus aliviasse as suas penas – metiam “cunhas”, portanto. João Paulo II declarou, “urbi et orbi”, que o Purgatório não existe. Aliás, nem o Inferno. Então, isso só significa que todas as almas vão para o Céu, direitinhas, já que não há mais para onde ir.
Só que Bento XVI resolveu “abrir”, novamente, o Inferno (que tinha sido declarado extinto pelo antecessor). Então, ficamos com Céu e Inferno. E, neste caso, a situação assume foros de burla (por onde anda a ASAE e/ou a PJ?). É que do Inferno ninguém se safa, por mais missas que se rezem; e quem está no Céu não precisa de missas para nada. Mas a Igreja continua a rezar (o que não é grave) e a cobrar (o que é gravíssimo) por autêntica “banha da cobra”.
Depois, levanta-se outra questão: Não consegui ver, em nenhuma das bíblias que tenho, qualquer referência a “missa”. Nem no Antigo Testamento nem no Novo. O que me leva a crer que as missas são invenção da Igreja tendo em vista o seu fabuloso negócio. Negócio de contornos bem obscuros, acrescento.
Com efeito. Vamos supor que dez famílias pretendem mandar rezar uma missa pelos respectivos defuntos. Vão ao padre, e encomendam. O padre recebe dinheiro das DEZ famílias, marca o dia e a hora da missa e celebra UMA missa, durante a qual vai lendo, num papel, os nomes dos falecidos. Cobrou DEZ, rezou UMA.
O mesmo para casamentos e baptizados. Podem ser dez crianças. O padre faz UM baptizado, e cobra DEZ. Embora eu compreenda que a actual crise deva ter inflacionado o preço da água-benta.
Por isso, aqui vai o meu conselho. As famílias que pretendam mandar rezar missa pelos falecidos, verifiquem, nos locais apropriados, quem morreu no mesmo dia. Reunam-se. Mandem celebrar UMA missa por alma de todos. Fica muito mais barato. Com o dinheiro que sobra podem, perfeitamente, depois da missa, ir comer um bom “cozido à portuguesa”.
Vejamos o que diz o blogue “www.gotquestions.org” acerca do assunto: Para os crentes, o estado pós-morte é estar “ausente do corpo e habitando com o Senhor” (II Coríntios 5:6-8; Filipenses 1:23). Note que não diz “ausente do corpo, no purgatório com fogo purificador”. Não, por causa da perfeição, completude e suficiência do sacrifício de Jesus, nós estamos imediatamente na presença do Senhor após a morte, completamente purificados, livres do pecado, glorificados, perfeitos e finalmente santificados.
Está na Bíblia. Dizer missa, para quê?
Com esta Igreja, não vamos a lado nenhum. Rezem-lhe pela alma.
PS: ultimamente, usa-se o eufemismo de “missa em memória”. EM
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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