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ECR 1: Testemunhos.

No seu livro Educação, Ciência e Religião (ECR), o Alfredo Dinis e o João Paiva escrevem que «A racionalidade da fé baseia-se, entre outras coisas, no testemunho que chega a cada geração a partir dos primeiros crentes»(1). Mas não é claro porque é que isto há de ser racional.

Por um lado, só é racional aceitar um testemunho se percebemos como a testemunha sabe a verdade do que afirma. O testemunho de que Jesus era o criador do universo, que nasceu de uma virgem e que morreu para nos salvar só seria aceitável se as testemunhas pudessem averiguar tais coisas. O Novo Testamento não justifica tal conclusão, nem se percebe como o poderiam fazer. Aproveitando a analogia dos autores, que comparam o testemunho bíblico com as testemunhas num tribunal, os evangelhos equivalem à deposição de um médium acerca do que diz o espírito da vítima assassinada.

Por outro lado, se vamos concluir algo acerca dos deuses com base em testemunhos, temos de decidir em que testemunho nos baseamos. Num julgamento onde dez testemunhas se contradizem nenhum juiz racional poderá decidir apenas pelos testemunhos. Com as religiões, este problema é várias ordens de grandeza mais grave. E nem precisamos ir a religiões fora do cristianismo. Ou sequer fora do catolicismo. Mesmo restringindo o âmbito a esta, a que os autores se referem quando falam em religião no singular, temos um problema de testemunhos contraditórios.

O Bernardo Mota escreve que «é inútil e infértil estar a discutir se os católicos acham ou não que Adão existiu» porque «O cristianismo não é a soma das fés pessoais dos cristãos. O cristianismo é hierárquico, como o próprio Cristo quis que fosse. O Magistério ensina doutrina. Não doutrina que inventou, mas sim doutrina que recebeu de Cristo.» E, citando a encíclica De Humanis Generis, de Pio XII, defende que o Magistério ensina que Adão e Eva foram mesmo os dois antepassados de toda a humanidade: «os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural»(2).

O Alfredo Dinis e o João Paiva, católicos que o Bernardo classificará de inconsistentes, consideram que a posição de Pio XII é «um tanto ambígua»(3) e que a ciência permite rejeitar a ideia de sermos todos descendentes apenas de um Adão e de uma Eva. Nesta última têm razão. A diversidade genética humana é incompatível com o modelo do Bernardo que, de resto, é biologicamente ridículo. Mas o Bernardo tem razão no outro ponto. A posição de Pio XII acerca disto não é nada ambígua. Esse Papa claramente acreditava na história do Adão e Eva como a interpretam os criacionistas evangélicos hoje. Felizmente, a razão não nos obriga a ir atrás destes testemunhos.

O que a razão nos diz não é para acreditarmos no testemunho só por ser testemunho. Nem dos evangelhos, nem do Pio XII, Bento XVI, Bernardo Motta ou Alfredo Dinis. Isso só dá carradas de testemunhos e nenhum critério de escolha. A razão exige, pelo menos, que a testemunha saiba a verdade do que alega. Como Pio XII não percebia de genética nem tinha evidências desse Adão o seu testemunho vale zero. E o mesmo valem os testemunhos de quem diz que a hóstia se transubstancia, que Jesus era o criador do universo ou que a sua morte nos salvou a todos. Sem maneira de determinar a verdade dessas alegações não podem ser testemunhas legítimas.

Por isso tenho de discordar do primeiro capítulo do livro. Não é racional ser católico com base nos testemunhos. Tal como não é racional ser muçulmano, judeu, hindu, protestante, shintoista ou baha’i com base em testemunhos. Porque nem sequer podemos concluir que estas testemunhas sabiam o que estavam a dizer.

1- Alfredo Dinis e João Paiva, Educação, Ciência e Religião, Gradiva 2010, p. 14
2- Bernardo Motta, Adão e Eva
3- Alfredo Dinis e João Paiva, Educação, Ciência e Religião, Gradiva 2010, p. 24

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