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Milagres, parábolas e outras imposturas (Crónica dominical)

No tempo em que as comunidades hebraicas viviam do sector primário, aventuravam-se alguns no ramo dos milagres e da pregação. Uns foram bem sucedidos e fizeram escola, outros limitaram-se a sobreviver.

Transformar a água em vinho foi um milagre que resultou e ainda hoje se pratica com truques conhecidos e sob a apertada vigilância das autoridades sanitárias. Já a cura da lepra se tornou obsoleta, com os antibióticos e as sulfonamidas, e a multiplicação dos peixes caiu em desuso. A ressurreição dos mortos é uma promessa adiada para o dia do Juízo Final, cada vez com menos crentes, e resta na mitologia religiosa a de Lázaro que, apesar do cheiro que exalava, voltou ao convívio das irmãs em estado calamitoso.

Hoje, os milagres são uma joint venture do Vaticano com as dioceses e contam com legiões de voluntários para os anunciar e de médicos para os confirmar. Não constam dos milagres certificados o crescimento de algum membro amputado ou a cura de cegos, por mais rezas que façam ou maior que seja a fé.

Apesar da literatura pia com que a ICAR resolveu distinguir apenas quatro escribas e negar muitos outros, os milagres passaram a ser de origem duvidosa e a encavacar os crentes. Fazem-se milagres para manter a fé dos simples e arrecadar emolumentos na repartição do Vaticano que trata do negócio.

Os quatro evangelistas aprovados pela ICAR foram os responsáveis pelo marketing da seita num tempo em que o sucesso era duvidoso e, como muitas outras, se arriscava a ficar pelo caminho. Foram profissionais competentes e a eles se deve a multinacional da fé que ainda hoje, já impedida de usar métodos violentos, continua a laborar.

Mateus foi o evangelista encarregado de convencer os judeus de que o valioso currículo de Jesus no ramo dos milagres fazia dele o Messias anunciado nas profecias do A.T.. Marcos foi o responsável do marketing junto dos romanos, enquanto Lucas chamou a si os gentios (não-judeus) tentando convencer sobretudo os pobres de que podiam aspirar ao totoloto depois da morte. João procurou doutrinar principalmente os convertidos e combater as heresias, que fazem pior à fé do que a filoxera às videiras, não admitindo que alguém negasse a encarnação de Cristo, um logro difícil de aceitar.

Longe vão os tempos em que à beira do lago Tiberíades, Cristo e os ajudantes, armavam a tenda e faziam milagres para a assistência. Hoje é maior o recato e são menos vistosos os prodígios.

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

- Sócio fundador da Associação República e laicidade;

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- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»

- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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