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Mês: Setembro 2010

30 de Setembro, 2010 Carlos Esperança

A pena de morte, a religião e Sakineh

Vítima da barbárie

A pena de morte é uma crueldade vergonhosa para os países que a aplicam e que faria tremer a mão do juiz que a assina se não juntasse à ausência de sentimentos humanos a amnésia perante os erros judiciários amplamente comprovados.

Esta impiedade que vigora em numerosos Estados dos EUA, com particular relevo para o Texas, é uma afronta para o humanismo que presidiu à fundação do grande país, um insulto a quem fugiu das guerras religiosas com que o cristianismo quis impor a vontade divina domiciliada no Vaticano.

Quanto mais arreigadas estão as crenças mais bárbaras se tornam as condenações. Nas teocracias a crueldade só rivaliza com a discricionariedade das acusações e a ausência de meios de defesa. É o caso do Irão onde as tradições persas se perderam no pesadelo de uma teocracia xiita.

Face à pressão internacional, foi suspensa a lapidação de Sakineh Mohamadi Ashtiani, a que estava sentenciada por adultério, para ser condenada à forca, por cumplicidade na morte do marido. Se a pressão se mantiver poderá vir a ser decapitada por urinar virada para Meca, depois de ter sofrido 99 chicotadas por eventualmente ter pedido água a um guarda, em pleno dia, da escuridão da cela, durante o Ramadão.

O caso de Sakineh tornou-se uma bandeira que esconde os crimes impunes dos sistemas totalitários, mas não devemos deixar de usá-la. Sem a denúncia, por Voltaire, da tortura a que foi submetido Jean Calas ou da farsa do caso Dreyfus, por Emile Zola, teria ficado esquecido o martírio do primeiro e jamais teria sido reabilitado o capitão Dreyfus.

Quando à arbitrariedade do poder totalitário se junta a maldição da fé, a crença de que um deus qualquer abomina o adultério, a carne de porco, o trabalho no sétimo dia ou outra tolice, sofrem-se as maiores abjecções protegidas pela vontade divina.

Como escreveu Steven Weinberg, Nobel da Física: «…com ou sem ela [religião] haveria sempre gente boa a fazer o bem e gente má a fazer o mal, mas é precisa a religião para pôr gente boa a fazer o mal». Ou, como dizia Pascal: «Os homens nunca fazem o mal tão completa e alegremente como quando o fazem por convicção religiosa».

29 de Setembro, 2010 Raul Pereira

STTL, Armindo

SIT TIBI TERRA LEVIS, Armindo Lopes Coelho. [1] Hoje, chegou o teu fim. Acabou. Tu garantias que não, no alto das tuas homilias de duas horas, lá no cume de Santa Luzia e dominando a Viana conservadora que, entretanto, se modernizou. Agora que penso nisso, acho que as tuas pregações infindáveis poderão ter sido uma das causas para a formação do meu ateísmo. Eram demasiado penosas de aturar, camufladas por uma erudição estranha e teologias sem sentido às quais, bradando, querias dar poder de verdadeiras. Lembro-me que até as beatas desesperavam, por baixo dos seus lenços pretos e limpando com os punhos os buços suados pelo ardente sol de Agosto.
Mais tarde, pregaste-me uma chapada, no crisma. Soubesses tu que já nessa altura eu era ateu e a terias, provavelmente, aplicado com mais vigor. Subi, obrigado pela família, ao teu cadeirão dourado e barroco, onde pensavas que atemorizavas toda a gente com o teu olhar severo e a tua mitra, parte da personagem que encarnavas. Não a mim. A mim atemorizava-me, sobretudo, que os meus descobrissem que Deus já não fazia parte dos meus raciocínios, que o meu mundo era agora o observável, o científico e o histórico. Por amor aos nossos podemos esconder os maiores segredos, e esse dia, em que tudo seria desvendado, chegaria certamente.
Também creio que eras demasiado inteligente para acreditar em grande parte  do que apregoavas, e que essa inteligência fazias tu transitar para os artifícios linguísticos com que ocultavas alguma da tua descrença. Fazia parte do teu trabalho. Para o que fica de ti e das tuas lembranças, agradecem-te os teus fiéis. Falavam sempre maravilhas da tua serenidade, da tua eloquência, mas todos concordavam que, por isso mesmo, eras um grande maçador.
Hoje, no dia em que tudo para ti se tornou num vazio sem retorno e não um paraíso celeste, também eu te agradeço. Obrigado, Armindo, por teres contribuído, em parte, para o meu ateísmo. Para o que serve, perdoo-te o bofetão.

[1] TSF Morreu D. Armindo Lopes Coelho, antigo bispo do Porto.

[Nota: no que me diz respeito, foi, também, de 27 de Outubro de 1982 até 13 de Julho de 1997, bispo da diocese de Viana do Castelo.]

28 de Setembro, 2010 João Vasco Gama

Paul Dirac e a religião

Não subscrevo inteiramente, mas é interessante conhecer a opinião de Paul Dirac sobre a religião:

«Eu não consigo entender porque perdemos tempo a discutir religião. Se formos honestos – e os cientistas têm de o ser – temos de admitir que a religião é uma confusão de falsas asserções, sem qualquer base na realidade. A própria ideia de Deus é um produto da imaginação humana. É bastante compreensível o porquê das pessoas primitivas, que estavam muito mais expostas às forças dominantes da natureza do que nós, terem resolvido personificar estas forças por medo e tremor. Mas hoje em dia, quando entendemos tantos processos naturais, não temos qualquer necessidade desse tipo de soluções. Eu não consigo entender como postular um Deus Todo-o-Poderoso nos pode de alguma forma ajudar. O que consigo ver é que esta suposição leva a questões improdutivas tais como o porquê de Deus permitir tanta miséria e injustiça, a exploração dos pobres pelos ricos e todos os outros horrores que Ele podia prevenir.

Se a religião continua a ser ensinada, não é pelas suas ideias ainda nos convencerem, é porque alguns de nós desejam manter as classes inferiores silenciadas. Pessoas caladas são muito mais fáceis de governar do que as clamorosas e descontentes. São também muito mais fáceis de explorar. A religião é uma espécie de ópio que permite a uma nação tranquilizar-se com sonhos cobiçados e esquecer-se das injustiças que são perpetuadas contra as pessoas. Daí a aliança próxima entre essas duas grandes forças políticas, o Estado e a Igreja. Ambas necessitam da ilusão de que um Deus benevolente recompensa – no Céu se não na Terra – todos aqueles que não se elevaram contra a injustiça, que cumpriram com o seu dever sossegadamente e sem reclamar. É precisamente por isso que a asserção honesta de que Deus é um mero produto da imaginação humana é condenada como o pior de todos os pecados mortais.»

27 de Setembro, 2010 Carlos Esperança

A visita pascal_1 (Crónica)

O Senhor Jesus Ressuscitado viajava, no Domingo de Páscoa, pelas casas da aldeia a recolher o ósculo e a esmola dos devotos. Onde não chegava antes do anoitecer ia no dia seguinte, com desgosto dos paroquianos que o aguardavam. A bênção valia o mesmo, é certo, mas perdia-se o tempo da espera e era diferente. Por isso, para não contrariar os mesmos, todos os anos mudava o itinerário.

Transportava-o o sacristão, que o entregava ao vigário em cada paragem, e era acompanhado por devotos que aliviavam a alma e recolhiam esmolas suplementares para os santos que exornavam a igreja local. Um garoto levava a caldeirinha de água benta que passava ao sacristão enquanto o padre se ocupava da cruz e recolhia-a depois deste despachar a tarefa e de se ocupar do hissope, num movimento de rotação, a aspergir com vigor, em cada lar, um círculo protector das investidas do demo, bênção que não deixaria de acautelar também o vivo que morava na corte, por baixo.
Era um tempo em que não havia vírus nem pneumonias atípicas, as pessoas viviam porque Deus queria e finavam-se quando o Senhor era servido, sem intromissão do médico a estorvar a divina vontade de as chamar.

Em todas as casas as vitualhas aguardavam a visita ao lado de uma garrafa de jeropiga rodeada de cálices. Entrava primeiro o padre, seguido do sacristão e do garoto que conduzia a caldeirinha. Aguardavam nas escadas os outros para depois os revezarem. Genuflectiam-se os da casa, por ordem cronológica, para beijar o pé do Jesus até chegar ao chefe de família que era o último a ajoelhar e o primeiro a soerguer-se. Borrifada de água benta a habitação, recolhida a esmola destinada ao Ressuscitado, a mais substancial, o padre bebia um trago de jeropiga e mordiscava um naco de pão-de-ló, por consideração, enquanto o sacristão aviava o cálice, de um sorvo, e se desforrava nos bolos. Às vezes demoravam-se mais um pouco para que o senhor padre rezasse uns responsos a rogo, geralmente por alma de quem tinha deixado com que pagar o latim.

Havia no séquito que aguardava nas escadas um homem por cada santo que ornava os altares da igreja, disponível para arrecadar a oferenda. Assim, enquanto o padre e o sacristão desciam, subiam eles para recolher, se a houvesse, a esmola que a cada santo cabia, consoante as posses e a devoção dos anfitriões. Creio que os turnos de acesso se estabeleciam em função do espaço e não da liturgia.

Mais de metade da paróquia percorrida, com o padre e o sacristão aguentando o múnus a pão-de-ló e regada a fé a jeropiga, a vingar-se o último, a conter-se o primeiro, a acelerarem todos para as casas que faltavam, o sacristão avaliou mal a distância que o separava das escadas na última casa onde entraram, abalroou o garoto que transportava a caldeirinha que logo a soltou, verteu a água e arremessou o hissope contra a parede. Foi grande o reboliço enquanto o sacristão e a cruz varreram enrolados as escadas sem que alguém do séquito lhes deitasse a mão, impávidos, como se evitassem estorvar se acaso fosse promessa a queda.

O padre, vermelho de raiva e da jeropiga, aguentou-se nas pernas e conteve a língua, ao cimo das escadas, enquanto, sem largar a cruz, se despenhou por entre as alas de acompanhantes o sacristão. Este recuperou rapidamente o alinho e endireitou a cruz, sem ninguém se aleijar, Deus seja louvado, e o padre despachou logo um paroquiano com uma jarra de vidro a caminho da igreja a sortir-se de água benta, com o aviso de se apressar, estava a fazer-se tarde, faltava ainda muito povo para aviar. Se recriminações houve ficaram reservadas para a discrição da sacristia.

No dia seguinte as conversas da aldeia começavam todas por Deus me perdoe, seguidas de persignações apressadas e de risos amplos, terminando em ansiedade pelo pecado cometido ou pelo temor da desobriga, mas ninguém resistiu a contar o sucedido e a comentá-lo, sendo mais forte a tentação do que a piedade.

27 de Setembro, 2010 Carlos Esperança

Diário Ateísta

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Obrigado aos colaboradores e aos leitores. É um trabalho de anos em prol do livre-pensamento e na luta contra o obscurantismo.

Nem sempre terão sido melhores os caminhos mas o esforço continuará para que cada um possa ter a crença, descrença ou anti-crença que quiser.

É a pensar que aprendemos a viver de pé.

26 de Setembro, 2010 Carlos Esperança

A ICAR e o fascismo

Durante as duas décadas do regime fascista os membros do alto clero louvaram e aprovaram tudo – com algumas ressalvas platónicas: e fizeram-no de forma tão entusiasta e exagerada que até os mais indulgentes tinham de sentir que aquilo não se ajustava ao carácter e à missão evangélica da Igreja.
(A. Todi, jesuíta)