Origem dos fascismos (2)
Por
C S F
ALEMANHA NAZI HITLER 1933 1945
O caso da rendição da igreja ao nacional-socialismo alemão ainda é mais condenável.
Apesar de partilhar dois princípios importantes com o movimento e Hitler – do anti-semitismo e do anticomunismo – o Vaticano percebeu que o nazismo também representava um desafio por pretender substituir o cristianismo por rituais de sangue pseudonórdicos e por mitos raciais, baseados na fantasia da superioridade ariana. Defendia também uma atitude exterminadora perante os doentes, os inaptos e os loucos e começou bastante cedo a aplicar esta política não aos judeus mas aos alemães.
O papa Pio XI teve receio do nazismo. Durante a primeira visita de Hitler a Roma, por exemplo, o papa saiu da cidade e foi para o retiro papal em Castelgandolfo. Este papa doente foi neutralizado durante a década de 30 pelo seu secretário de Estado, Eugenio Pacelli.
Pelo menos uma encíclica papal, que expressava, pelo menos, um tom de preocupação relativamente aos maus-tratos infligidos aos judeus europeus, foi preparada pelo papa mas suprimida por Pacelli.
Pacelli passou a ser o papa Pio XII, que sucedeu no cargo após o falecimento do seu antigo superior em Fevereiro de 1939. Quatro dias após a sua eleição pelo Colégio dos Cardeais o papa compôs a seguinte carta para Berlim:
Ao Ilustre Herr Adolf Hitler Chanceler do Reich Alemão! No início do Nosso Pontificado queremos garantir-lhe que continuamos devotados ao bem-estar espiritual do povo alemão, que foi confiado à sua liderança.
Durante os muitos anos que Nós passámos na Alemanha, fizemos tudo o que estava ao Nosso alcance para estabelecer relações harmoniosas entre a Igreja e o Estado. Agora que as responsabilidades da Nossa função pastoral aumentaram as Nossas oportunidades, muito mais ardentemente queremos rezar para alcançar esse objectivo. Que a prosperidade do povo alemão e o seu progresso em todos os domínios possam, com a ajuda de Deus, tornar-se realidade!
O Vaticano passou os cinquenta anos seguintes à queda do nazismo a tentar em vão justificar a sua passividade e inacção ou a pedir desculpa pelas suas atitudes. Decidir não fazer nada é, em si, uma política e uma decisão, e foi claro o alinhamento da igreja com o nazismo seguindo uma realpolitik de acomodação a ele. O primeiro acordo diplomático efectuado pelo Governo de Hitler foi consumado no dia 8 de Julho de 1933, alguns meses após a tomada do poder, e assumiu a forma de um tratado com o Vaticano.
Em troca do controlo incontestado da educação de crianças católicas na Alemanha, do abandono da propaganda nazi contra os abusos infligidos em escolas e orfanatos católicos e da concessão de outros privilégios à igreja, a Santa Sé deu instruções ao Partido de Centro Católico para se dissolver e ordenou aos católicos para se absterem de qualquer actividade política em todos os assuntos que o regime decidisse definir como proibidos.
Na primeira reunião o seu governo após a assinatura desta capitulação, Hitler anunciou que estas novas circunstâncias seriam «especialmente importantes na luta contra o povo judeu a nível internacional».
Os vinte e três milhões de católicos que viviam no Terceiro Reich, muitos dos quais revelaram grande coragem individual ao resistir à ascensão do nazismo, tinham sido eliminados enquanto força política. Daí em diante, os registos paroquiais foram disponibilizados ao Estado nazi para que se estabelecesse quem era racialmente puro para sobreviver à perseguição, segundo as leis de Nuremberga.
Mas nenhuma das igrejas protestantes foi tão longe como a hierarquia católica que ordenou uma celebração anual em honra do aniversário de Hitler, com início a 20 de Abril de 1939, ano em que houve uma mudança de papa. De acordo com instruções papais, o cardeal de Berlim transmitia regularmente «as maiores felicitações ao Führer em nome dos bispos e dioceses da Alemanha», sendo esta aclamação acompanhada pelas «orações fervorosas que os católicos alemães enviam para o céu nos seus altares». A ordem foi acatada e cumprida fielmente. 25 por cento dos SS eram católicos praticantes e que nenhum católico foi ameaçado de excomunhão por participar em crimes de guerra. Joseph Goebbels foi excomungado, mas mais cedo, por ter cometido o crime de casar com uma protestante.
Os católicos devem reflectir se deus decidiu providencialmente a morte de um papa que afirmava a sua neutralidade para com o nazismo e a sua sucessão por um papa pró-nazi, alguns meses antes de Hitler invadir a Polónia e dar início à Segunda Guerra Mundial.
A consequência desta rendição política dos católicos foi a subordinação ao nazismo dos protestantes alemães, que procuraram impedir um estatuto especial para os católicos estabelecendo o seu próprio compromisso com Hitler.
A conivência do Vaticano com os nazistas o continuou mesmo depois da guerra, quando criminosos nazis procurados foram transferidos para a América do Sul pela «linha das ratazanas». Foi o próprio Vaticano, com a sua capacidade de conceder passaportes, documentos, dinheiro e contactos, que organizou a rede de fuga e também o necessário abrigo e auxilio no continente americano, utilizando as instalações religiosas e a disponibilidade dos governos de países como a Espanha e a Argentina.
Também envolveu a colaboração com ditaduras de extrema-direita no hemisfério sul, muitas das quais estavam organizadas segundo o modelo fascista (Peron, etc.). Torturadores e assassinos fugitivos como Klaus Barbie arranjaram muitas vezes carreiras seguras como servidores desses regimes, que, até começarem a ruir nas últimas décadas do século XX, também desfrutaram, por sua vez, de um relacionamento de apoio do clero católico local.
A ligação da igreja ao fascismo e ao nazismo prolonga-se muito para além do Terceiro Reich.
Muitos cristãos deram as suas vidas para proteger os seus semelhantes, mas é irrelevante as iniciativas das hierarquias nessa actividade.
É de homenagear a memória dos poucos crentes, como Dietrich Bonhoeffer e Martin Niemoller, que agiram de acordo apenas com a sua consciência.
O papado demorou até à década de 80 para encontrar um candidato à santidade no contexto da «solução final» e mesmo então só conseguiu identificar um padre bastante ambivalente que – após uma longa história de anti-semitismo político na Polónia – se tinha, aparentemente, comportado de uma forma nobre em Auschwitz.
Tinha nomeado anteriormente um austríaco chamado Franz Jagerstatter mas não preenchia as condições. Recusara-se a fazer parte do exército de Hitler com o fundamento de que estava obrigado a obedecer à ordem superior de amar o próximo, mas enquanto estava na prisão e poderia incorrer na pena de morte recebeu a visita dos seus confessores, que lhe disseram que deveria obedecer à lei.
Extraído (com alterações e acrescentamentos) de deus não é Grande de Christopher Hitchens 2007
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
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- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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