Diálogos de um ateu
– Se temos que começar, eu quero deixar clara a diferença entre fé e razão. – diz o crente.
– A igreja católica, mesmo que você não acredite, nunca esteve contra a razão. E mais, num dos seus últimos concílios, proclamou que a razão pode demonstrar a existência de deus.
– E demonstrou-o?
– Que acha?
– Que quer dizer com essa pergunta?
– Quero dizer que a teologia dos seus correlegionários, é sempre a mesma, após séculos de demonstrações, desde Anselmo a Tomás de Aquino, vem agora dar razão à razão. Não lhe parece irónico?
– Irónico porquê?
– Porque as subtilezas dos teólogos são irónicas. Primeiro, e durante séculos, quiseram demonstrar a existência de deus. Depois, como essas demonstrações não demonstraram nada, decidem afirmar que a razão pode demonstrar a existência de deus. A mim dá-me riso.
– Riso? Não sei porquê, este é um assunto sério.
– Não duvido, mas a seriedade não consiste em dizer uma e outra vez, que a razão pode demonstrar a existência de deus, senão demonstrá-la de uma vez por todas. E eu continuo à espera.
– E continuará. Você não é crente!
– Deixe a crença de lado. Estamos a falar de razão.
– A fé pode ajudar a razão.
– Já tardava… você fala como o papa reinante; nada de raciocinar, deitar mão da fé para que a razão não se extravie, ou seja; deixai o cego como está mas dai-lhe uma tocha. Melhor ainda; deixai o cego como está, mas dai-lhe um Lázaro tonsurado que o leve pelo caminho certo.
– A fé e a razão não são opostas.
– Quantas vezes ouço essa frase. Não só são opostas, como nem sequer se parecem. Não são sequer da mesma natureza. Com a razão só se pode discutir; com a fé só se pode acreditar. Não se parecem em nada. Faça o teste, tente questionar a fé, e verá como a ela desaparece. Pelo contrário, se acreditar em vez de questionar, verá que desaparece a razão.
– Também não é assim como diz.
– Já começa você com trocadilhos.
– Trocadilhos? A que se refere?
– À arte dos trocadilhos, ou a arte de dizer que sim e que não ao mesmo tempo. Arte em que a igreja se especializou, e a que chamam teologia. O simples jogo de mudar o sentido das palavras para dizerem o que queremos que digam. Até agora a razão não conseguiu demonstrar a existência de deus, mas não importa, agora trata-se de dizer que sim, que pode demonstrá-la.
– E assim é!
– Não, não é assim, porque quando tentaram demonstrar não o conseguiram, afinal de que falam? De trocadilhos, de jogos de palavras, subtilezas que nem sequer o chegam a ser, basta olhá-las como são, como mentiras autorizadas, para que desapareçam.
– Mas …
– É verdade! Que fácil seria para a igreja aceitar que santo Anselmo ou Tomás, não conseguiram provar a existência de deus. Que também não o conseguiram a partir da razão. Mas não é preciso que o aceitem ou afirmem. Está à vista.
*Ignacio Ferreras, Juan. – Diálogos del Ateo.