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Mês: Julho 2010

5 de Julho, 2010 Carlos Esperança

Momento zen de segunda_05_06-2010

Bem-aventurado João César das Neves

João César das Neves (JCN) não pára de nos espantar. Na sua homilia de hoje, no DN, começa por afirmar que «O casamento é a realização mais espantosa da humanidade», para logo acrescentar que é «a mais utilizada forma de transmitir a existência e a única eficaz para transmitir a civilização».

Bastavam estas afirmações para divertir os leitores. Não se vê como um acto ao alcance de quaisquer idiotas possa ser a «realização mais espantosa da humanidade» e até um inimputável sabe que é a cópula, e não é o casamento, que transmite a existência.

Não seria, aliás, de bom tom, que um casal se pusesse a transmitir a existência durante o casamento. O mais elementar respeito pelas testemunhas, convidados e conservadores do Registo Civil, além do recato a que o género humano se acostumou, não aconselha tal pressa. JCN, defensor do casamento religioso, devia ser o primeiro a aconselhar os casais a esperarem o fim da cerimónia ou a precederem-na desde que não a atrasassem.

Quanto à civilização, não se vê como pode o casamento ter o monopólio de a transmitir nem como se sobreviveria escorreito ao que JCN entende por civilização.

Afirma ainda que «Sempre houve promiscuidade, adultério, divórcio, união de facto, consequências directas da impossibilidade do casamento». Ensandeceu. Considerar o divórcio e o adultério como consequências directas da impossibilidade do casamento, é uma tolice. Pelo contrário, o adultério e o divórcio só existem se houver casamento. Doutro modo, é uma impossibilidade conceptual que só não percebe quem, em vez da eucaristia, bebeu o garrafão do vinho que jazia na sacristia à espera da consagração.

JCN atribui ao celibato a «solidão, depressão, traumas infantis, agressividade, suicídio …, a níveis patológicos». Se não tem estatísticas acerca do clero da sua Igreja não sei em que argumentos se baseia.

Nota-se em JCN certa nostalgia quando, referindo-se aos casamentos combinados pelas famílias, afirma que «Paixão, amor e sexo eram exteriores ao vínculo nupcial», mas concede que « Não se deve exagerar esta situação». Vá lá, se o fim for a prossecução da espécie, o prazer deixa de ser pecado.

4 de Julho, 2010 Carlos Esperança

Vaticano, S. A. – O offshore da impunidade

Os escândalos do banco do Vaticano. a Igreja não vive só de avé-marias

Instituto para Obras Religiosas fez negócios pouco santos, garante o autor de “Vaticano SA”.

O Vaticano é há muito um centro de corrupção e intriga política onde o dinheiro e a fé se movem de mãos dadas. A opacidade da única teocracia europeia esconde a teia de interesses que liga prelados, políticos sem escrúpulos e mafiosos.

No bairro de 44 hectares, que deve a Benito Mussolini o estatuto de que goza, urdem-se tramas, tecem-se redes de poder e lava-se dinheiro de origem criminosa. A cupidez e a falta de escrúpulos vai até ao Papa, corrompe tiaras, oxida báculos e corrói mitras e barretes cardinalícios.

Deus é um mero álibi para os crimes que andam à solta naquele bairro mal frequentado. A imunidade papal trava o braço da única justiça que existe – os tribunais dos homens.

Os papas mais pérfidos acabam por fazer, depois de mortos, os milagres que os hão-de conduzir aos altares, esquecidos ou ignorados os crimes praticados em vida. A história do Vaticano é uma sucessão de horrores que a fé dos crédulos e o esplendor da liturgia conseguem mascarar.

A origem do ouro de que se fazem os anelões dos prelados é um segredo bem guardado mas o destino do dinheiro lavado num dos mais obscenos offshores do mundo é ainda mais enigmático e obscuro.

Quantas conspirações, intrigas e traições, por todo o mundo, não foram pagas com o óbolo dos crentes e as esmolas para as alminhas do Purgatório? O Vaticano é um bairro sem lei, onde o negócio das indulgências, sacramentos e bênçãos é a fachada sob a qual se esconde um dos mais perigosos centros de poder sem qualquer controlo democrático.

Os Estados de direito não podem permitir que os delitos fiquem impunes no espaço europeu onde um futuro santo, com a alcunha de Sumo Pontífice, num Estado fantoche que usa o pseudónimo de Santa Sé, dirige um bando à margem da lei e ignora as normas éticas que devem reger a sociedade.

3 de Julho, 2010 Ludwig Krippahl

Fé.

“Fé” é um termo que não se consegue definir bem por palavras porque, como “amor”, refere mais do que aquilo que as palavras podem descrever. Quem já sentiu sabe o que a palavra refere mas a quem nunca sentiu o dicionário dará sempre uma ideia incompleta. E este problema é muito apontado como prova do Mistério que estas coisas são; o Amor, a Fé, Deus, etc. Mas este é um problema comum a quase todas as definições fora de sistemas formais como a matemática e a lógica. Passa-se exactamente o mesmo com “salgado”, “verde” ou “cheiro a couves”. Quem já sentiu sabe o que significa e quem nunca sentiu não vai perceber o significado todo. Ainda assim, há aspectos destas coisas que podemos compreender por palavras mesmo que, sem as sentir, fique alguma coisa de fora.

A propósito de um texto do Domingos Faria sobre o ateísmo ser o primeiro passo para a fé (1), perguntei-lhe o que é a fé e para que serve. Não contava com uma definição completa da fé, mas bastava algo que desse uma ideia do seu papel. E a propósito da resposta do Domingos decidi escrever estas minhas impressões acerca da fé e daquilo para que pode servir.

O Domingos respondeu, como responde muita gente, que ter fé é acreditar. Mas não pode ser, por várias razões. A fé é apresentada como razão para crer, e se justificam acreditar porque têm fé a fé tem de ser algo que precede a crença e os leva a acreditar. Além disso, a crença admite facilmente a possibilidade de erro. Muitas vezes até acompanhamos a expressão de uma crença com um “se não me engano”, indicando precisamente que podemos estar enganados naquilo em que acreditamos. Acredito que vai chover ou que a faca do pão está na gaveta, mas se calhar não é verdade. A fé não é assim. É contraditório dizer que se tem fé em algo e ao mesmo tempo admitir que se pode estar enganado, porque tal admissão revelaria falta de fé.

A fé também implica a expressão insistente, e persistente, da crença. Perseverança e fidelidade. Eu acredito que isso dos deuses é treta mas, não tendo fé, se me ameaçarem com a fogueira digo logo que acredito nos deuses que quiserem, como hóstias e invento pecados no confessionário se for preciso. Um grande contraste com a fé dos mártires que optam pela tortura e morte só para persistir na afirmação das suas crenças.

Outra diferença entre acreditar e ter fé é que acreditar faz parte de compreender mas a compreensão exclui a fé. Eu compreendo porque é que o interruptor faz acender a luz, e para compreender isso tenho de acreditar em várias proposições acerca desse circuito eléctrico. Mas uma vez que compreendo não há espaço para ter fé. Se acende sei porquê, e se não acende é um disjuntor desligado ou uma lâmpada fundida. Não é uma crise de fé.

Finalmente, a fé é proposta como uma virtude. Ter fé é ser fiel a uma crença. É moralmente bom, digno e virtuoso. E rejeitar essa crença é mau. É uma falha, uma traição, uma imoralidade. Coisa de quem não é de fiar. O que não se passa com as crenças em geral. Sem a fé, acreditar ou deixar de acreditar são actos moralmente neutros. Não é virtude acreditar que o autocarro vem à hora indicada no horário nem é defeito de carácter deixar de acreditar quando a hora passa e o autocarro não veio.

E não só é virtude ter fé como é defeito de carácter criticar o que acreditam pela fé. Todos reconhecemos que, em geral, as crenças estão sujeitas a críticas e discussão. Mas às crenças motivadas pela fé é dá-se um estatuto especial, com pressões sociais contra a dissensão aberta e muitas vezes até leis que punem quem as criticar demasiado.

Há mais coisas que se poderia dizer acerca da fé e mais coisas que não se consegue pôr em palavras, que só quem tem fé é que pode sentir. Mas estas características da fé já dão uma ideia da sua função. Daquilo para que serve a fé. Serve para manipular as pessoas.

Os requisitos de um mecanismo psicológico para fazer as pessoas acreditar no que quisermos são exactamente estas características da fé. Algo que dê a sensação de justificar a crença em coisas que não se compreende. Que faça sentir essa crença como uma virtude, a descrença como um defeito e a crítica como uma ofensa. Que torne desconfortável admitir a possibilidade de erro. E que motive o crente a defender e propagar a crença mesmo com grande sacrifício pessoal.

Por isso a fé é um excelente vector de clonagem de crenças*. Basta inserir a crença que se quer propagar, infectar alguns hospedeiros e a fé trata de a espalhar pela população. E dá para muitas crenças. Que certas pessoas têm um canal especial de comunicação com um deus, são lideradas por um chefe infalível e não fazem mal às crianças. Que este livro é sagrado. Ou aquele, ou o outro. E não é só com deuses. Dá para produzir católicos e criacionistas, mas também cientólogos, raelianos e sistemas de governo liderados por um morto.

E, ao contrário do que escreveu o Domingos, o ateísmo não é o primeiro passo para a fé. É uma das manifestações da vacina contra esse agente infeccioso.

* É uma analogia um pouco técnica, mas pareceu-me boa demais para deixar passar. De qualquer forma, com a Wikipedia qualquer um pode saber biologia molecular: Cloning vector.

1-Domingos Faria, Ateísmo – um primeiro passo para a Fé.

3 de Julho, 2010 Carlos Esperança

Igreja, fé e tolerância

Quantos dos que se refugiam no anonimato e defendem deus, como se existisse, seriam capazes de permitir aos ateus que escrevessem em espaço seu? Quantos avençados do divino enjeitariam a censura que a Igreja católica praticou até ao Vaticano II e as outras religiões monoteístas ainda mantêm?

Algum clérigo aceitaria que um ateu discutisse as suas homilias na igreja onde celebra a missa ou nas madraças onde apela à guerra santa, e, naturalmente, fazem a apologia do seu deus?

O Diário Ateísta tem permitido que fanáticos, a coberto do anonimato, insultem quem mantém vivo um espaço que assegura a pluralidade num país beato onde a Igreja apoiou uma ditadura de 48 anos, foi miguelista contra os liberais e monárquica contra os republicanos.

São sobretudo os fanáticos quem se indignam quando lhes lembram o anti-semitismo do Novo Testamento e os milhões de judeus que a sua Igreja assou ou expulsou dos países onde o despotismo teve a sua bênção.

Resta-me a consolação de saber que o seu deus não pode espreitar pelo buraco de todas as fechaduras nem ter capacidade para registar num caderno todos os pecados que mais de sete mil milhões de habitantes cometem, de acordo com livros pouco recomendáveis a que chamam santos.

Se o deus que inventaram para amedrontar a humanidade se dedicasse a evitar a fome, os cataclismos e as guerras, talvez merecesse consideração. O deus que aqui defendem os cruzados, nas caixas de comentários, é um delinquente psicótico que deve ser combatido em nome da higiene pública.