Jesus Lava Mais Branco
– A Igreja teve lições de marketing?
– “Estamos a brincar? Quanto a lições, a Igreja só pode dá-las. As empresas mortificam os homens medindo a sua produção, enquanto nós sabemos valorizá-los. O marketing? Foi Jesus que o começou há dois mil anos”.
Monsenhor Ernesto Vecchi, – 2 de Outubro de 1997.
É extraordinário como a humanidade consegue não aprender nada com a história. Não me refiro, claro está, aos fariseus em cujo comportamento aplicam velhas regras e, mesmo que sejam inventadas outras novas, adoptam-nas fingindo hipocritamente uma fé que não possuem, mas às pessoas de boa fé, vítimas destes. Quando uma religião assenta o seu discurso no irresistível fascínio da promessa de vida para além da morte: o marketing aparece, e até o templo dos vendedores acaba por ser vendido pelos mercadores do templo.
O primeiro passo é criar uma mercadoria que esteja à disposição de todos, aliada a uma aquisição epontânea na base das próprias necessidades que se fazem emergir artificialmente. Basta fazer crer ao público alvo que tem necessidade do produto para que o ciclo de consumo, inicie o seu caminho. Se isto não é um milagre da fé, é certamente um milagre económico.
O marketing, segundo os seus autores, é uma guerra, e para alcançar sucesso é preciso criar a perturbação psicológica no público alvo. Para isso, nada melhor que o “sentido de obrigação” e o “sentido de culpa” a ele associado. A Igreja não poderia descuidar um instrumento de persuasão de tal amplitude.
De facto ainda hoje no agressivo mercado dos detergentes, tanto se usa a informação sobre as características do produto como simultaneamente se instala naqueles que ainda não o escolheram, doses maciças de “social embarrassement”, ou o sentido de culpa pela possibilidade de parecerem os mais sujos e mal cheirosos na vida social. Não se limitam a transmitir a “boa nova”, mas também difundir um sentimento de culpa para conseguir recrutar os inseguros e ignorantes.
Jesus estendeu a graça, quer a quem pecou, quer a quem ainda não pecou (nunca se sabe). Deste modo os “consumidores” dirigir-se-ão à “Marca”, seguros de poderem utilizar o crédito e de o poderem renovar através da confissão. Quem se pode queixar de um serviço assim? A “consumer satisfaction” está garantida. Milhões de pecadores só esperam ser perdoados para poderem continuar a pecar.
Para atrair clientes e fundamentar a sua “fidelização”, exigem as mais elementares regras do marketing que se adopte um símbolo.
A cruz foi o escolhido. Na época da adopção deste sinal, o mesmo “product manager” que inventou a marca estava perfeitamente consciente que aquele símbolo “era escândalo para os Judeus e loucura para os pagãos” (1 Cor 1, 23). Mas o instrumento de morte é agora reproduzido como “tradmark” transformado em jóia unissexo que se aloja entre os seios das senhoras ou pendura nos muros dos asilos e escolas. A pergunta fica: que “gadget” traríamos hoje connosco, se Jesus tivesse sido enforcado ou decapitado?
O processo de criação de uma marca, permite atribuir ao produto qualidades que não lhe pertencem. Para que estas qualidades se possam “instalar”, devem ser constante e regularmente repetidas. Garantidas por testemunhas que darão reputação e funcionam como “crédito de confiança”. Habituar a clientela a frequentar regularmente o ponto de venda, criando uma ligação emocional entre os lugar e os próprios utentes, é o sonho de qualquer estratega de marketing que a Igreja conseguiu realizar.
Com a “sagrada escritura” nascia um poderoso instrumento monodireccional e absolutista, como para nós é hoje a televisão. Adquiriram um carácter sagrado todas as palavras derivadas dela, as suas interpretações e até os seus intérpretes. “Benditos sejam aqueles que crêem mesmo não tendo visto” (Gv 20, 29). Uma estratégia infalível.
Podemos engarrafar água desta nascente escrevendo no rótulo que é natural, mas não devemos esquecer que era natural mesmo antes de ser engarrafada e distribuída segundo as estratégias de marketing. Podemos confundir os nossos semelhantes escrevendo que esta água é a água por antonomásia, ou que “sacia mais do que a água”, mas continuará a ser sempre pura e simplesmente água, duas partes de hidrogénio e uma de oxigénio, vulgarmente conhecida na natureza. Antes que a humanidade compreenda este facto tão simples, muita água deverá passar por baixo das pontes.
Fonte: Ballardini, Bruno. – Jesus Lava Mais Branco.