Diálogos de um Ateu
Comprei um pequeno livro na livraria Cervantes em Salamanca. Achei-o tão divertido que decidi partilhá-lo.
Um ateu e um crente encontram-se num café. O ateu é um homem educado e com sentido de humor; o crente também mas carece de algum sentido de humor. O ateu, como acontece com a maioria dos ateus, lê bastante; o crente lê menos, mas como costumam dizer, não precisam ler, basta-lhes acreditar. Os diálogos inclinam-se a favor do ateu porque entre os crentes não é fácil encontrar uma pessoa excessivamente culta. Com hábito de leitura, talvez, mas não excessivamente culta. Porque a cultura, a ilustração e o conhecimento, derrubam a fé. Receio que se aplique o aforismo: «Reflictamos, disse o crente, e se fez ateu».
Há dezenas de teólogos, sobre tudo católicos, que gastam as suas vidas buscando provas da existência da Deus. É uma pena porque a sociedade ficaria grata se os seus trabalhos tivessem melhor fim, ou seja, um fim prático. Escritores ateus não abundam porque como se recordarão, o ateísmo nunca se constituiu em escola e muito menos em igreja ou facção. Os ateus andaram ao longo da história de um lado para o outro, sem instituição que os acolhera, quase sem pai nem mãe. De vez em quando escreviam um livro, de vez em quando eram queimados, os livros e os autores. Eram tempos difíceis que ainda se mantêm em certas latitudes.
Os crentes não queimavam só ateus, também se queimavam e matavam entre si. Vamos aos diálogos:
O ateu oferece um livro sobre ateísmo ao crente .
– Consegue demonstrar-me que Deus não existe? – pergunta o crente.
– Não tenho que demonstrar uma inexistência, pelo contrário, o que é preciso é demonstrar a existência.
– Então não acredita em Deus?
– Eu sou ateu! Você não?
– Claro que não, eu acredito em Deus, sou crente.
– Um crente!? Maravilha. É difícil encontrar um crente.
– Há muitos crentes.
– Olhe que não, há muitos que crêem que acreditam, mas não são crentes.
– Pois eu acredito em Deus.
– Então ofereço-lhe este livro, afinal foi escrito a pensar nos crentes.
– Agradeço mas não aceito.
– Não me surpreende, os crentes sempre se negam a ler livros ateus.
– Não me recuso, mas acredite não o necessito. Eu acredito em Deus.
– Atreve-se então a discutir comigo a inexistência de Deus?
– Atrevo-me a discutir sobre a existência de Deus, que não é a mesma coisa.
– Bom, então vamos discutir um livro que demonstre a existência de Deus, não a sua inexistência porque essa salta à vista a partir dos milhares de livros que foram escritos tentando provar a sua existência. Estou a falar-lhe como compreenderá, de séculos e séculos de Teologia.
– Eu não vou aqui defender os santos padres, um crente de hoje não se parece em nada com um crente de antigamente.
– Quer então dizer-me que se acabou com a proclamação de milagres, aparições, profecias e outras coisas parecidas?
– Penso que não devemos abordar factos que de alguma maneira são inexplicáveis.
– Mas se me diz que são inexplicáveis, nunca chegará a explicá-los!
– Explicar um milagre parece um contracenso.
– Não tenha dúvida que assim é. Eu nunca vi um milagre, seguramente você também não, mas mesmo que o visse, ou seja; mesmo que presenciasse um facto que escapasse ao meu raciocínio, nem por isso negaria a racionalidade.
– Negaria então o facto milagroso?
– Os factos meu caro, não podem negar-se, não são discutíveis, discutível é a sua interpretação. E os crentes, explicaram sempre o que não tem explicação, a partir da fé em Deus. Por isso, e perdoe-me que lhe diga, um crente não pode ser razoável.
– Mas eu não nego a razão. Já lhe disse que sou um crente moderno.
– Não há crentes modernos nem antigos, sempre houve crentes e descrentes, e você é um crente, ou seja; coloca-se fora da razão, e por conseguinte, fora de tempo.
– Está chamar-me atemporal!?
– Claro que sim, tal como as religiões que só subsistem por isso, porque se colocam fora de tempo.
– Bom, gostava de continuar esta conversa mas tenho pressa.
– Pois sim, outro dia será. Gosto de conversar com um crente que tenta ser razoável.
– Sou razoável, não duvide. Até à próxima, adeus.
– Dizer adeus a um ateu, é correcto. O prefixo «a» é negação, logo você vai embora e deixa-me como me encontrou, sem Deus.
*Ignacio Ferreras, Juan. – Diálogos del Ateo.