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Mês: Junho 2010

14 de Junho, 2010 Carlos Esperança

Espanha – A liberdade religiosa (2)

Na sequência do meu post de ontem aqui transcrevo o início de um artigo do DN de hoje:

Espanha prepara-se para banir crucifixos em público

Funerais de Estado religiosos vão também deixar de existir. Ainda assim, nova lei não refere separação total entre Estado e Igreja

O Governo espanhol está a preparar uma reformulação da Lei da Liberdade Religiosa que, se for aprovada, vai proibir a exibição de crucifixos em edifícios públicos.

13 de Junho, 2010 Fernandes

O Banco de Sua Santidade

IOR, – Instituto das Obras Religiosas -, é apenas uma das instituições financeiras mais importantes do Vaticano. Os mais altos dignitários da política, privilegiam o IOR nas suas relações bancárias. A seu tempo, pessoas como Giulio Andreotti e outras personalidades bastante próximas dele, como Bisignani e os seus amigos ou o cardeal Angelini, também escolhiam o banco do Papa para as operações ilegais camufladas.

Os maiorais da Democrazia Cristiana naqueles anos, faziam fila à porta do IOR. Uns para reciclar dinheiro de subornos, outros pelas compensações da Máfia, outros ainda, como Gianni Prandini, de Bréscia, o poderoso ministro dos Trabalhos Públicos no sexto e sétimo governo de Andreotti, para colocar em segurança as suas consideráveis poupanças.

No IOR, o antigo ministro sentia-se em casa. Nos anos noventa, perante a suspeita, e debaixo do ataque dos jornalistas, o antigo ministro volta-se para o IOR para aí guardar o seu dinheiro. Uma escolha previdente, dadas as investigações que o envolvem pouco tempo depois e que farão ruir a Primeira República por entre julgamentos, prisões e apreensão de bens.

Passados 15 anos, em 2005, Prandini regressa ao IOR para tomar posse dos seus bens, mas o dinheiro, entretanto, tinha desaparecido. O antigo ministro exibe toda a sua fúria, mas do dinheiro nada se sabe. Recorre assim às entidades oficiais e denuncia o Banco do Vaticano.

No auto de citação, Prandini afirma que o então vice-director Scaletti teria sido fiador ao confiar formalmente as suas poupanças a um sacerdote bastante conhecido, Corrado Balducci, exorcista que ficou conhecido na televisão como «demonólogo», autor de livros sobre Satanismo e Ovniologia.

Balducci, na qualidade de sacerdote e, portanto, elegível para cliente do IOR, assumiu a função de testa-de-ferro. Abre duas contas no IOR, uma em liras e outra em moeda estrangeira, para proteger o tesouro, bastante considerável, do antigo ministro. Na primeira são creditados 3 biliões, na segunda 1,6 milhões de dólares. Mas, quando Prandini bate à porta do exorcista, em 2005, para recuperar a quantia, esbarra contra uma surpresa demoníaca. O dinheiro desaparecera.

A verdade é que Prandini ainda hoje pede 5 biliões a Scaletti e ao Banco do Vaticano, não sabendo para quem se há-de virar para encontrar o tesouro. A verdade é que Balducci morreu a 20 de Setembro de 2008, aos 85 anos, levando os segredos com ele para o túmulo. Uma magia baixa que ameaça deixar Prandini sem um tostão.

A história tragicómica de Prandini torna explícita a multiplicidade de testas-de-ferro e feiticeiros das magias financeiras que gravita em torno do Banco de Sua Santidade.

*Adaptado de, Gianluigi Nuzzi, Vaticano S.A.

13 de Junho, 2010 Carlos Esperança

Espanha – A liberdade religiosa

Segundo El País está em curso uma nova lei sobre a liberdade religiosa que garante a neutralidade dos poderes públicos perante as diversas crenças e aprofunda a laicidade do Estado.

De acordo com o projecto, o Estado organizará exclusivamente funerais civis e as cerimónias religiosas só terão lugar a pedido das famílias dos defuntos, de acordo com a crença de cada um.

O que parece um elementar direito dos cidadãos, em democracia, e uma manifestação de respeito por todas as crenças, provoca azedume na Igreja católica com séculos de privilégios e um passado pouco recomendável desde os Reis Católicos até hoje.

Nos países onde a liberdade religiosa existe (não confundir com os que impõem uma fé) não se invoca tolerância, exige-se liberdade. A religião é um direito individual que cabe ao Estado defender sem abdicar da mais estrita neutralidade.

O mundo tem vindo a tornar-se mais perigoso com a onda de proselitismo islâmico, que alastrou após a vitória do Ayatollah Komeiny no Irão, em 1979, com a contaminação do catolicismo romano, sob a égide dos dois últimos pontífices, os desvarios sionistas e o radicalismo do protestantismo evangélico ou do cristianismo ortodoxo.

Por todo o mundo o obscurantismo renasce com a cumplicidade do clero e dos governos que trocam a honra por votos e a segurança por orações.

O exemplo da laicidade, em Espanha, é um bom sintoma da tomada de consciência dos perigos que a politização da fé representa para a paz e a democracia.

11 de Junho, 2010 Carlos Esperança

ICAR – Como se faz um milagre

Imagine, caro leitor, que um pobre diabo, sem emprego nem casa, sem pão e sem futuro, combinava explorar a superstição popular com um dos muitos doentes a quem o médico coloca no processo «doença incurável», para lhes serem pagos os transportes do local de residência até ao hospital.

Imagine que o doente «incurável», depois de curado, se metia na Igreja a agradecer à avó do primeiro, defunta há muitos anos e devota em vida, por tê-lo curado, alegando que lhe beijou a foto a preto e branco e que rezou duas ave-marias enquanto lhe pedia a cura.

Imagine que era numa dessas aldeias onde a luz chegou há pouco e a fé se instalou há muito, que sendo grande o analfabetismo não lhe faltou o padre, que não tinha telefone mas lhe sobravam devotas e que a população se transferia para casa da miraculada (os milagres são mais frequentes em mulheres) armada de terços e sôfrega de ave-marias.

Quando começassem a ficar as primeiras peças de ouro e as velas a enegrecer o tecto da casa, não faltariam devotos vindos de longe nem o padre a sugerir que a Igreja não se pronunciava. A paróquia seria referida pelo bispo com ar de quem punha em dúvida o prodígio para mais tarde poder dizer que não foi a Igreja que impôs o milagre mas o milagre que se impôs à Igreja.

Se, então, os brincos, cordões de ouro e outras jóias ou euros dos crédulos começassem a ser distribuídos entre os dois conluiados, a miraculada e o que teve a ideia, a Igreja logo denunciaria a tramóia e ameaçaria os crentes com as perpétuas penas do Inferno se persistissem no culto. Se, pelo contrário, a paróquia conseguisse arrecadar o pecúlio, não faltariam vozes que apregoassem o milagre e nunca mais escasseariam flores na campa da defunta avó nem mimos e promessas do Paraíso na casa da miraculada.

Só o desgraçado da ideia teria de ir tentar outro expediente.

Um milagre reconhecido pela Igreja é uma fonte de rendimento, caso contrário é um assunto de polícia.

10 de Junho, 2010 Carlos Esperança

O 10 de Junho e a memória da ditadura católica

Parece que é a nossa vocação mórbida que conduz à celebração da morte em vez da exaltação da vida e à perpetuação das piores memórias da ditadura para alimentar rituais que a higiene democrática já devia ter banido.

Exumam-se os hábitos e tiques do salazarismo para ornamentar com veneras os peitos disponíveis das celebridades autóctones, algumas só conhecidas da família, dos amigos, do partido e dos negócios.

Vestem um fato de cerimónia, põem um ar grave e lá esperam que o nome seja citado para oferecerem o pescoço ao nastro, o peito à venera e as costas aos abraços.

É assim todos os anos e não se nota a ausência do Tomás. Faltam apenas as viúvas, os órfãos e os estropiados que davam à cerimónia o ar lúgubre da tragédia que teima em perseguir-nos e do ritual que não há coragem para mudar.

Mantém-se o presidente e os carregadores que transportam as medalhas, os figurantes e figurões que desfilam no ecrã das televisões, as vaidades reprimidas e as cumplicidades.

O 10 de Junho é a repetição da liturgia do Império a que faltam, agora, as colónias e os mutilados, as mães dos filhos mortos, as criancinhas a quem mataram o pai e os Pides que nunca foram julgados.

É o palco de vanglórias para mostrar à Pátria o presidente escolhido e os figurantes que ele aceitou distinguir. Tudo se pauta pelo mau gosto e por uma liturgia gasta, numa cumplicidade entre a vaidade dos que foram agraciados e a conveniência política de quem os distingue.

Faltam, por pudor, a missa e o cardeal, a caldeirinha da água benta e o hissope, orações e padres.  Mas não faltarão ave-marias e genuflexões, quem se persigne e quem vá ao beija-mão.

Para quem fez a guerra colonial e não perdeu a sensibilidade, é com um misto de revolta e de vergonha que vê o nome de Camões associado à palhaçada que a ditadura montava para legitimar a guerra ignóbil em que destruiu uma geração, com o cardeal a dizer uma missa por alma dos que mataram.

Eu saí da guerra colonial, dos quatro anos e quatro dias de tropa, mas nunca saíram de mim os 26 meses de Moçambique, o Moura que lá ficou no rio Zambeze e o Dias cujo calor do corpo esmagado ainda sinto a sangrar-me nos braços a fazer-me sangrar por dentro.