ICAR – Como se faz um milagre
Imagine, caro leitor, que um pobre diabo, sem emprego nem casa, sem pão e sem futuro, combinava explorar a superstição popular com um dos muitos doentes a quem o médico coloca no processo «doença incurável», para lhes serem pagos os transportes do local de residência até ao hospital.
Imagine que o doente «incurável», depois de curado, se metia na Igreja a agradecer à avó do primeiro, defunta há muitos anos e devota em vida, por tê-lo curado, alegando que lhe beijou a foto a preto e branco e que rezou duas ave-marias enquanto lhe pedia a cura.
Imagine que era numa dessas aldeias onde a luz chegou há pouco e a fé se instalou há muito, que sendo grande o analfabetismo não lhe faltou o padre, que não tinha telefone mas lhe sobravam devotas e que a população se transferia para casa da miraculada (os milagres são mais frequentes em mulheres) armada de terços e sôfrega de ave-marias.
Quando começassem a ficar as primeiras peças de ouro e as velas a enegrecer o tecto da casa, não faltariam devotos vindos de longe nem o padre a sugerir que a Igreja não se pronunciava. A paróquia seria referida pelo bispo com ar de quem punha em dúvida o prodígio para mais tarde poder dizer que não foi a Igreja que impôs o milagre mas o milagre que se impôs à Igreja.
Se, então, os brincos, cordões de ouro e outras jóias ou euros dos crédulos começassem a ser distribuídos entre os dois conluiados, a miraculada e o que teve a ideia, a Igreja logo denunciaria a tramóia e ameaçaria os crentes com as perpétuas penas do Inferno se persistissem no culto. Se, pelo contrário, a paróquia conseguisse arrecadar o pecúlio, não faltariam vozes que apregoassem o milagre e nunca mais escasseariam flores na campa da defunta avó nem mimos e promessas do Paraíso na casa da miraculada.
Só o desgraçado da ideia teria de ir tentar outro expediente.
Um milagre reconhecido pela Igreja é uma fonte de rendimento, caso contrário é um assunto de polícia.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
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- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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