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O Vaticano nunca será laico

Os Estados democráticos modernos existem para defender os direitos dos seus cidadãos, enquanto o  «Estado» do Vaticano existe para defender uma religião. A diferença é enorme.
Existem outros Estados no mundo em que o clero tem poder político. O Irão (uma teocracia xiíta),  ou a Arábia Saudita (uma monarquia absoluta e clerical) serão os casos mais extremos (poderia acrescentar-se a Coreia do Norte, onde o clero é vermelho). Mas no Irão e na Arábia Saudita existem povos que, num dia que desejo próximo (e que no Irão parece cada vez mais próximo), se revoltarão contra os regimes locais. O Vaticano, hoje, não detém poder directo sobre uma população, e portanto está a salvo de insurreições populares. O fascista Mussolini, ao reconhecer a independência do actual Estado do Vaticano, criou um problema que ainda está connosco.
O Vaticano é um «Estado» sem população. Todos os «nacionais» do Estado do Vaticano (no sentido de portadores do respectivo passaporte) têm outra nacionalidade. O que evidencia a artificialidade do estatuto estatal do Vaticano: porque não há povo do Vaticano. Há a administração de uma comunidade religiosa, ou seja, funcionários.
Muitos dirão que, não havendo povo, não há opressão nem dano naquilo que é, em rigor, uma ditadura teocrática sem separação de poderes (ver artigo 1º da Lei Fundamental). Mas não é assim, e a próxima semana será uma ocasião para o confirmar.
É por ser reconhecido como «chefe de Estado» que o líder espiritual dos católicos pode exigir ser recebido pelo Presidente da República Portuguesa. E é por a Santa Sé ser o «governo» de um «Estado» que  pode celebrar Concordatas com o estatuto de «Tratados internacionais», furtando as relações da instituição católica com o Estado ao debate muito mais transparente e aberto das Constituições laicas e das leis democráticas.
A petição Cidadãos pela Laicidade levanta esta questão (entre outras; já assinou?). Porque a Santa Sé, sendo o arcaísmo teocrático que é, nunca será um Estado normal. Nunca assinará a Declaração Universal dos Direitos do Homem (o mais parecido que temos com uma «Carta de Direitos Fundamentais Mundial»), e nunca aceitará a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Será sempre um Estado fora da lei que, felizmente, vai sendo cada vez mais a lei mundial: entregar o destino colectivo da humanidade à discussão livre, aberta e democrática dos cidadãos e cidadãs. Estará sempre do outro lado: do lado das leis dogmáticas porque «divinas».
Só haverá verdadeira laicidade, em particular nos países latinos, quando a ICAR passar a ser uma instituição da sociedade civil.

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