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Mês: Maio 2010

31 de Maio, 2010 Carlos Esperança

Momento zen de segunda_31-05-10

Tudo indica que João César das Neves (JCN) esteve demasiado tempo mergulhado em água benta quando lhe impuseram o baptismo e que a substância não identificada que altera a água normal passou a barreira hematoencefálica do neófito.

Na homilia de hoje, em que a assinatura de Cavaco Silva surge no Diário da República a promulgar a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, atitude que só o nobilita, JCN ameaça-nos, num excesso de raiva, com o modelo chinês para substituir as democracias ocidentais. Ninguém diga ao bem-aventurado que a China foi o país que tornou o aborto obrigatório quando ele nunca se conformou que deixassem de prender as mulheres que o praticam, às vezes em circunstâncias dramáticas.

Ao PR compara-o a Pilatos, à maioria da AR chama «um grupito de deputados» e à decisão que garante direitos individuais e fazia parte de compromissos eleitorais que os eleitores sufragaram, acusa-a de ter mudado a definição de casamento quando apenas integrou os que excluía por mero preconceito beato.

JCN, que apenas considera legítimo o acto sexual para a reprodução, afirma que esta lei se insere numa «vasta campanha de promoção do erotismo, promiscuidade e depravação a que se tem assistido nos últimos anos». Não vale a pena discutir com JCN porque é uma inspiração divina igual á que o leva a acreditar que Nuno Álvares Pereira curou o olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, queimado com salpicos ferventes de óleo de fritar peixe.

Anda tão desnorteado o bem-aventurado que julga haver na AR deputados capazes de «apoiar coisas abstrusas, como a proibição de touradas ou rojões, imposição da ordenação sacerdotal de mulheres ou a obrigatoriedade de purificadores atmosféricos».

Dentro do espírito marialva de JCN, a defesa das touradas tem a mesma legitimidade dos rojões».

Enfim, a água benta deu-lhe cabo dos neurónios e eu, que não a distingo da outra, não posso provar os malefícios que um sinal cabalístico faz à água normal.

Amem.

31 de Maio, 2010 Carlos Esperança

Celibato tridentino: companheiras de padres católicos escrevem ao papa!

Por

E – Pá

O jornal católico Il Dialogo [28.Maio.2010] publicou uma “carta aberta” subscrita por cerca de 4 dezenas de companheiras de padres católicos, dirigida a Bento XVI, questionando a cada vez mais polémica manutenção – no seio da ICAR – da regra do celibato dos eclesiásticos.
link

Em Março passado, o arcebispo de Viena, cardeal Schonborn, defendeu que a abolição da regra do celibato poderia limitar abusos sexuais no interior da Igreja.
Contudo, Bento XVI, foi peremptório no rejeitar desta pretensão. Relembrou, na ocasião, a sua fidelidade ao “princípio sagrado do celibato”…

As mulheres de actuais padres católicos resolveram – então – escrever uma carta aberta ao papa, relembrando que o chefe da Igreja pretende conferir um carácter sagrado a uma situação que, historicamente, não o é.
Na verdade – como defendem as companheiras de padres – o celibato dos eclesiásticos é uma regra [não será para estas crentes um “sacramento”], elaborada por homens, mais concretamente, no concílio de Trento [séc. XVI] …
Na realidade, a verdade histórica revela que nenhuma das religiões monoteístas – excepto a católica – adoptou a “regra do celibato”…

Aguardemos, pois, a resposta [ou a mais provável “não-resposta”] do Vaticano a esta oportuna missiva…

30 de Maio, 2010 Carlos Esperança

2.º Aniversário da Associação Ateísta Portuguesa

Um almoço de amigos é sempre um momento de descontracção e alegria em que as horas passam, as conversas se cruzam e as recordações acordam memórias esquecidas.

Ontem, em Coimbra, na farta mesa que nos acolheu, estavam alguns dos que deram os primeiros passos para que o ateísmo saísse da clandestinidade. O Ricardo Pinho, a Mariana e o João Vasco foram alguns dos pioneiros que tiveram a coragem e a lucidez de manter um espaço onde, desde há cerca de 10 anos, se discute o mundo sem recurso ao sobrenatural.

Faltaram o Cachapa, o Onofre, o Ricardo Alves e outros que a memória vai perdendo. Mantém-se o gosto fraterno do encontro, a força das convicções e a tolerância pela diferença.

Com sócios espalhados por todos os distritos do país, é difícil arranjar o local que abata as distâncias mas nada impedirá que ao almoço comemorativo dos aniversários da AAP se acrescente um novo Encontro Nacional de Ateus.

Foi assim que começámos. Podemos continuar por aí.

29 de Maio, 2010 Ludwig Krippahl

Apresentação na FMUP

Este é o vídeo da minha apresentação no debate do passado dia 21, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto:

Já agora, lembrei-me de uma história interessante que o padre José Nuno contou durante o debate. Era miúdo e estava a comer bolachas às escondidas da avó quando trovejou subitamente. A avó, apanhando-o em flagrante, disse que era Deus a ralhar. Mas ele contou que, felizmente, não tinha acreditado naquele deus que ralhava com trovões, senão nunca teria ido para padre. O deus em que ele acreditava era um deus que é amor, bonzinho e essas coisas.

Esta história singela ilustra bem como é falsa a ideia da religião como guia moral. A religião não é uma bússola que aponta para o bem. É um caixote delas, cada uma encravada na sua direcção, de onde cada crente tem de escolher uma que calhe apontar para algo minimamente aceitável. E se sabe escolher a bússola certa é porque já sabia distinguir, por si, entre o bem e o mal.

Quem sabe escolher uma religião decente não precisa de religião para ser decente. E quem não sabe é melhor não se meter nessas coisas…

Também no Que Treta!

28 de Maio, 2010 Ricardo Alves

Cidade espanhola proíbe a burca

A primeira cidade da península ibérica em que o uso de véus integrais se vê restringido é Lérida. Fica proibido o uso da burca e do nicabe nos equipamentos sociais pertencentes ao município (que não tem competência para proibir o uso de véus integrais nas ruas).

Decididamente, a questão veio para ficar: proíbe-se a burca?

28 de Maio, 2010 Ludwig Krippahl

Inteligência e croché

Eu sei como resolver equações diferenciais. A minha avó não faz ideia o que isso seja mas sabe fazer croché. Muita gente pensa que resolver equações diferenciais exige mais inteligência, mostrando que uma opinião não é mais fiável só por muitos opinarem o mesmo. Resolver equações diferenciais é tão trivial que com meia dúzia de linhas de código se põe um computador a fazê-lo. A minha avó faz croché ao mesmo tempo que segue os diálogos da novela, conversa com a vizinha e decide o que vai fazer para o jantar, coisa que ninguém faz ideia de como por um computador a fazer.

Não sei se um poeta é mais inteligente que um bailarino ou se ser professor e ensinar informática demonstra mais inteligência que ser avó e fazer croché. Quando tentamos ver em detalhe quanta informação se tem de processar para executar uma tarefa, muito do que nos parece trivial se revela extremamente complexo. E vice-versa. Temos programas de computador que vencem qualquer um no Xadrez mas nem um que perceba a piada da anedota mais simples. Por isso não sei dizer se um crente é mais ou menos inteligente que um descrente ou se a crença tem alguma coisa que ver com inteligência, uma capacidade tão abrangente que nem sei bem em que consiste.

Mas há uma coisa que me parece estar relacionada a diferença entre crente e descrente. À falta de um nome melhor, e não querendo confundi-la com inteligência, direi que é prática na análise crítica de proposições. A minha avó tem a quarta classe e quase tudo o que julga ser verdade aprendeu porque confiou em quem lho disse. Nos professores, nos pais, nos padres, na TV. Apesar de ter vivido muito mais que eu, teve poucas oportunidades (e menos encorajamento) para questionar se essas afirmações eram verdadeiras ou falsas e como responder a essa questão. Só aprendeu a acreditar e, com poucas oportunidades de aprender pela dúvida, até acha que duvidar é má educação.

E como a minha avó há milhares de milhões de pessoas. Nas estepes da Mongólia, nas favelas do Brasil, nas aldeias do Paquistão. E também nos países mais ricos, que poucos têm a possibilidade de ganhar a vida questionando hipóteses e pensando em como distinguir o verdadeiro do falso. E assim proliferam as superstições, entre as quais aquelas a que chamam religião.

Sei que muitos que se dizem entendidos nestas coisas alegam que religião e superstição são diferentes. Só que nunca explicam a diferença*, e a religião sentida da maioria dos crentes, os que pedem e negoceiam os favores dos deuses, é igual a qualquer outra superstição. Só no ar rarefeito da teologia e da exegese é que se discute, a par do sexo dos anjos, a diferença entre crer que a ferradura dá sorte e crer que a hóstia se transubstancia.

Mas é com esses que discuto religião. Não é com a minha avó, ou com a maioria dos crentes, que crêem porque sim e para quem isso não se discute. Discuto apenas com os que dizem estudar essas coisas. E, ao contrário do que me acusam por vezes, não assumo que são menos inteligentes ou menos capazes de distinguir o verdadeiro e o falso. Discuto com quem me parece querer discutir o assunto e ser perfeitamente capaz de o fazer. No entanto, há na posição do crente um obstáculo difícil de transpor. Não é falta de inteligência ou de capacidades. Nem sequer é aquela falta de treino que me dissuade de discutir isto com a minha avó. É a crença.

Essa é a grande diferença. A minha descrença é uma conclusão que proponho defender no diálogo. É o ponto final de um raciocínio no qual posso mostrar a sequência de razões que me conduzem a essa conclusão. Todos sabemos que danos no cérebro afectam a mente e essa fragilidade é evidência que não resistimos à morte do corpo. Todos sabemos que há crianças que pisam minas e ficam estropiadas, ou morrem de cancro, ou nascem com deficiências, e isso indica não haver um deus omnipotente a cuidar dos inocentes. Eu posso apontar o porquê da minha descrença com razões que o meu interlocutor reconheça serem verdade.

Em contraste, o crente assume a verdade daquilo em que crê sem nada que a possa justificar a quem não creia. Acredita numa vida eterna sem dados que suportem essa hipótese. Acredita que existe um deus, aquele deus, sem evidências disso. Conclui as premissas. Mas não de forma banal. A caminho do ponto de partida invoca a tradição, cita autoridades, aponta que não se pode provar o contrário, fala em amor, relação e razão, usa maiúsculas q.b., chama liberdade ao infortúnio e faz corar o Dr. Pangloss. Não falta nisto inteligência nem revela capacidades diminuídas. Mas opta por não contribuir para o diálogo racional, cujo objectivo é encontrar as razões aceites por ambas as partes que justifiquem uma conclusão consensual. Em vez disso faz croché com as palavras.

Admito que o croché tem mérito. Não é qualquer um que consegue. Mas é uma arte meramente decorativa.

*Há uma excepção que devo notar. Uma vez vi um antropólogo entrevistado na TV, penso que na RTP-2. Não me lembro do nome do senhor, mas à pergunta acerca da diferença entre religião e superstição ele disse haver um critério simples. Em cada cultura, religião é a sua e superstição as dos outros.

Também no Que Treta!

27 de Maio, 2010 Carlos Esperança

O exorcismo da Celeste (Crónica)

Em terras da Beira, depois da guerra, a gratidão para com a Senhora de Fátima, pela afeição a Portugal, estendia-se ao Senhor Presidente do Conselho por nos ter livrado do conflito. No Cume sobrava piedade e faltava comida. Estavam no fim os anos quarenta e os Portugueses longe de começarem a ser gente.

A Celeste morava ao cimo do povo, sozinha, e cismava que se matava. Via-se que não regulava bem da cabeça e adivinhava-se a fome que a apoquentava. Suspeitaram os vizinhos de mau-olhado e a Ti Catrina, calhada nas benzeduras para tal moléstia, já a tinha ido visitar com outras mulheres embiocadas no xaile e os rostos sumidos na copa de enormes lenços pretos. Das conversas delas nada se disse mas ouviu-se na rua a ladainha:

«Dois to deram, três to tirarão,
Foi S. Pedro e S. Paulo e o apóstolo S. João.
Sant’Ana pariu Maria, Maria pariu Jesus;
Assim como isto é verdade,
Livre este corpo de ares, olhares e todo o mal.
Em louvor de Sant’Ana e Santa Iria…
Padre-nosso, ave-maria…»

Muitos padre-nossos e ave-marias depois, sem abrandar o mal, as mulheres mais velhas concluíram que deviam ser espíritos que atenazavam a bendita alma da Celeste, tão temente a Deus que ela era, mas nestas coisas de espíritos ruins são estes que escolhem a morada e, embora a oração lhes dificulte a entrada, está provado que não é intransponível a barreira.

A adensar a suspeita ouvia-se na habitação, durante a noite, o barulho de máquina de costura, que não havia, a trabalhar, a perturbar o sono e a aumentar a angústia. À porta juntavam-se pessoas vindas da igreja a ouvir o som que os espíritos produziam. Os poucos que não ouviram, apesar da atenção e do silêncio, conformaram-se com a deficiência auditiva e renderam-se à maioria.

O Senhor Padre pode ter desconfiado do diagnóstico, o Senhor António Bernardo dizia que ela não batia bem da bola, podia até ser dos espíritos, a senhora professora aconselhou um médico, que disparate, o que sabe um médico destas coisas e onde é que o há, mas o povo na sua infinita sabedoria já tinha o veredicto, eram espíritos, só podia ser, falava-se de uma avó falecida há muitos anos, a voz tinha sido reconhecida, faltaram-lhe algumas missas ao trintário na encomendação da alma, não se perde nada em benzer a casa e deixar algum latim – conformou-se, acossado, o Padre Pires –, dizem-se as missas em dívida e logo se verá.

A Celeste é mulher e é destino das mulheres serem possuídas, os espíritos malignos aproveitam e, depois de entrarem, são difíceis de expulsar. É um combate para senhores párocos, ou mesmo para um reverendíssimo bispo se as posses da vítima e a malignidade o aconselham. Pouco avezado a tais pelejas, mas com habilitações canónicas e compleição adequada à luta, bem se esforça o padre a desalojá-los. Quem julgue que a força da cruz e do divino devem bastar não conhece os espíritos e o furor que transmitem às mulheres possessas, levando à exaustão o exorcista que não raro precisa de várias tentativas para se fazer obedecer. Fracassa e fica extenuado, à primeira, o Padre Pires, valendo-lhe a gemada com vinho e açúcar que o aguarda, enquanto a ceia e o breviário lhe não retemperam as forças e devolvem a serenidade.

A Celeste não melhora. Continua a ouvir vozes que desconhece, definha. Alguns dias após, no regresso do Carapito, onde tinha ido levar o viático a um moribundo, volta o Padre Pires à peleja com o maligno. Pode ser que na vez anterior se tenha entupido o hissope, avariado o crucifixo ou faltado à água a bendição, quem sabe, o Senhor Prior não costuma partilhar as dúvidas, se dúvidas assaltam o ministro de Deus, isto é um incréu a pensar, a força da fé move montanhas, sempre ouvi dizer, a Celeste pode ter perdido a fé com a fraqueza, e sem fé não adianta, é um esforço inglório, o certo é que o Senhor Padre volta a entrar naquela casa, se pode chamar-se assim ao sítio, mal nunca faz, Senhor eu não sou digna de que entreis na minha morada, isto é uma forma de dizer, a Celeste refere-se a Deus que está em toda a parte, mas quando vem acompanhado do seu representante há-de infundir maior respeito, as pessoas humildes dizem estas coisas, o Senhor Padre mergulha bem o hissope, asperge-o com vigor, desenha cruzes, vai-se ao demo com o latim e as mãos, põe as pessoas a rezar o terço que a Irmã Lúcia recomenda contra o comunismo, que também resulta com os espíritos, tudo obra do demo, deixa a reza para os paroquianos e sai da refrega exausto à procura da gemada com vinho, açúcar e nódoas para a batina, sem saber se os espíritos encurralados no corpo frágil obedeceram à ordem de expulsão, onde resistiam acossados à parafernália de alfaias sagradas e pias intimações.

As pessoas esperam na rua alheias ao perigo de serem apanhadas para refúgio dos espíritos em fuga. Nessa noite a máquina de costura inexistente permanece silenciosa e quieta, calam-se as vozes das almas penadas, a Celeste dorme bem pela primeira vez em muitos dias, depois da canja que lhe levaram. Se os espíritos não saíram estão debilitados.

A Celeste, com pouco alento, é certo, volta à horta e à igreja, o exorcismo resulta. Finou-se algumas semanas depois, completamente curada e liberta de espíritos malignos…

in Pedras Soltas