Loading

Mês: Abril 2010

10 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Padre Mário da Lixa

Papa Bento XVI vem a Fátima caucionar um crime, porventura ainda pior que o da pedofilia, que o clero de Ourém cometeu, em 1917, contra três crianças daquela freguesia.

Jornal Fraternizar, edição n.º 177, de Abril-Junho 2010

9 de Abril, 2010 Carlos Esperança

A pedofilia, a Igreja católica e as responsabilidades

Quem sempre se insurgiu contra aquela oração das sextas-feiras que visava os judeus, todos os judeus, ao longo dos séculos, de todos os séculos, por terem matado o Cristo; quem repudiou aquele secular anti-semitismo, a demência racista, o ódio à concorrência, não pode transformar agora os crimes individuais em culpa de uma instituição.

Os crimes são individuais e só nessa óptica devem ser julgados. A Igreja católica, por mais delitos que tenha cometido ao longo da História, não pode ser julgada pelo actual comportamento dos seus empregados.

A ICAR paga agora séculos de poder absoluto, o despotismo do seu clero e as obsessões papais. Não está provado que o clero católico seja mais devasso do que o protestante ou do que o islâmico, sendo o último mais implacável na violência com que impõe o Corão e no policiamento que faz dos desgraçados que mastigam uma sanduíche de presunto ou que saboreiam um copo de vinho.

O que perde a ICAR é o desplante com que oculta os crimes e protege os criminosos, a ignorância de que é crime o encobrimento que fez nas últimas décadas para evitar que o seu clero perdesse a autoridade que despoticamente exerceu nas zonas mais atrasadas do Planeta.

A pressa do actual Papa em canonizar os seus dois últimos antecessores não é alheia ao comprometimento dos pontífices na ocultação dos crimes do clero. O milagre de João Paulo II obrado na freira polaca, que sofria de Parkinson, não resistiu à recidiva e pôs a nu o prodígio de fazer, depois de morto, o que não conseguiu em vida para si próprio.

A demência parece ter tomado conta do Vaticano. Os 44 hectares de sotainas parecem  povoados por uma tribo da idade da pedra onde o grande feiticeiro usa camauro e os acólitos se distinguem pela cor das meias e o exotismo dos trajes femininos.

O ex-chefe da repartição de milagres, embrutecido por jejuns e orações, diz que a roupa suja se lava em família, ignorando a gravidade do crime de ocultação e o abandono, ao instinto predador de psicopatas pios, de crianças que deviam merecer consideração.

Ratzinger fez uma cartilha secreta para “ocultar crimes sexuais” o que só pôde fazer com a bênção de João XXIII e manter com a conivência de João Paulo II.

Quem fez, em latim, este documento cuja tradução não existe em português, não estará à espera da canonização, mas é injusto que morra sem prestar contas à justiça dos homens. A outra é uma ficção para ganhar a vida.

Nota: Para esclarecimento dos bispos portugueses é importante lembrar o Artigo 367º (Favorecimento pessoal) do referido Código Penal:

«Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»

9 de Abril, 2010 Carlos Esperança

Viagem de autocarro (Crónica)

Há tempos entrei num autocarro, tendo-me sentado no banco ao lado de um padre católico, do outro lado da coxia.

Olhei aquele rosto triste de um homem de 70 anos, com o colar romano a apertar-lhe o pescoço como o cincho onde se espremia o queijo para extrair o soro. Há muito que não via tal adereço na via pública. O uso deve ter-se mantido com a resignada dedicação ao múnus.
Não pude deixar de apreciar aquele homem só, a caminho de alguma casa da Igreja ou de um ritual qualquer que já perdeu o sentido, ou nunca o terá tido, e de que a sociedade se desinteressou.

Que sofrimento ajudou a desenhar aquelas rugas? Quantos desejos reprimidos e anos perdidos com o pescoço apertado por um colar e a lapela ornada com uma cruz?

Terá amado? Teve sonhos? Realizou-os? Próximo de mim estava um cidadão solitário, com olhos vagos e o ar de quem cumpriu a vida sem a viver.
Seria preciso ser cínico ou mau para não sentir compaixão por quem dedicou o tempo e a juventude a uma quimera, perdeu a vida perseguindo o sonho do Paraíso e se aproxima do fim da estrada sem saber porque a percorreu.

Somos ambos da mesma massa. Com poucos anos de distância ensinaram-nos a ajoelhar e a rezar. Eu levantei-me, ele ficou de joelhos. Eu vivi a vida, amei e passei incógnito na estúrdia, sem um colar que pressupõe a trela e sem a cruz a que não terão faltado espinhos. Ele imolou a vida por um mito e esqueceu-se de si próprio por coisa nenhuma.

Um homem nunca anda só, é certo, traz consigo as memórias que guarda e os sonhos que acalenta; mas, com o passar dos anos, sobram memórias e mingua o tempo para sonhar.

É injusto que aquele homem que sofreu o que eu não sofri e trocou a vida que recordará por outra que lhe inventaram, tenha os mesmos sete palmos de terra à espera, sem um filho que o recorde, sem alguém que o chore. Por um deus que inventaram para lhe tramar a vida.

Suportou jejuns, abstinências e mortificações, e passou os dias guardando horas para a leitura do breviário. Quanto terá sofrido na convicção de que podia atenuar o martírio do seu Deus?

(Publicada no Jornal do Fundão de 08-04-2010)

8 de Abril, 2010 Ricardo Alves

Apresentação de livro ateísta

No sábado, às 16 horas, estarei na Livraria Bulhosa de Campo de Ourique (Lisboa, Rua Tomás da Anunciação 68 B) para apresentar o livro «Deus o Homem e a Verdade», de Manuel Sousa Figueiredo, que constitui uma bela e irónica história do cristianismo, seus impasses e contradições, de um ponto de vista ateísta.

Estais todos convidados.

7 de Abril, 2010 Fernandes

Jesus esse ilustre desconhecido (2)

As referências a Jesus, fora da Bíblia, são pouco credíveis para um filho de Deus. Vamos agora ver dentro desta.

Relativamente ao nascimento, Mateus escreve que «nasceu em Belém, região da Judeia, no tempo em que Herodes era o rei do país…», enquanto Lucas escreve que «por aquele tempo o imperador Augusto ordenou que se fizesse um recenseamento em todo o mundo. Este primeiro recenseamento foi feito, sendo Cirenio governador de Síria». Uma vez que Herodes morreu no ano 4 antes da Nossa Era, os relatos são temporalmente contraditórios. Nesse período não se registou nenhum fenómeno atmosférico que possa ser interpretado como a estrela dos reis magos, nenhuma matança de crianças, nem nenhum recenseamento romano. Este último, pelo simples facto de que naquele tempo a Judeia não estava debaixo do domínio romano. Assim sendo, estes relatos não correspondem à verdade.

Nos quatro evangelhos Jesus é chamado de Nazareno, mas só nos capítulos iniciais de Mateus e Lucas se conta o seu nascimento e se situa em Belém, sem nunca referirem o boi (ou vaca) e o burro que aparecem nos presépios. Tal como no nascimento, também da morte de Jesus não dispomos de relatos credíveis. O único dado que sabemos é que aconteceu “sob Pôncio Pilatos”, entre o ano 26 e 36 depois da Nossa Era. Não há registo dos dificilmente esquecidos prodígios que acompanharam a sua morte. É certamente falso que «desde o meio dia e até às três da tarde, toda aquela terra ficou às escuras», não poderia haver um eclipse do sol de três minutos  e muito menos de três horas, durante o plenilúnio. Surpreendentemente, nenhum historiador da época parece ter-se apercebido que naquele momento «o céu se rasgou em dois de alto a baixo, a terra tremeu, as rochas se partiram, os túmulos se abriram e muitos homens de Deus que estavam mortos ressuscitaram».

As explícitas raízes judias do nascimento e morte de Jesus, revelam semelhanças flagrantes com os mitos religiosos de outras civilizações: os egípcios Horus e Osíris, o persa Mitra, os gregos Hércules e Dionísio, inclusivamente com o asteca Quetzalcoatl. O nascimento a partir de uma virgem com a morte e posterior ressurreição, constituem óbvios arquétipos universais partilhados pelas mitologias de várias culturas. Mas a cópia mais ou menos propositada não fica por aqui: o dia 25 de Dezembro dia do nascimento de Jesus é um plágio da festa do “Sol Invictus” o Deus Sol, que o imperador romano Heliogábalo importou da Síria no ano 218. O imperador Aureliano instaurou o seu culto no ano 270 consagrando-lhe um templo a 25 de Dezembro do ano 274, durante a festa do “Natal do Deus Sol”, dia do solstício de Inverno segundo o calendário juliano. E em 17 de Março de 312 o imperador Constantino estabeleceu o “Dies Solis” (que ainda hoje se chama Sunday em inglês) dia de descanso romano. A substituição do culto ao “Deus Sol” pelo culto ao Deus-Cristo “eu sou a luz do mundo”, foi oficializada em 350 pelo papa Júlio I, com a imposição do dia 25 de Dezembro como nascimento de Jesus. Mas este culto não conseguiu eliminar facilmente o culto ao “Deus Sol”, como demonstra o Sermão de Natal do papa Leão Magno em 460: «É tão estimada esta religião do Deus Sol que alguns cristãos antes de entrarem na basílica de São Pedro, dedicada ao único Deus vivo e verdadeiro, viram-se para o sol e inclinam a cabeça em honra do astro fulgente. Este acto lamentável, que é repetido em parte por ignorância e em parte por mentalidade pagã, angustia-nos».

No evangelho de João, Jesus aparece como uma reencarnação de Moisés e das passagens do Êxodo. O primeiro milagre de Jesus, a transformação da água em vinho, é uma cópia da primeira praga do Egipto; a transformação do Nilo em sangue. A multiplicação dos pães, é uma adaptação do episódio do maná no deserto. A caminhada sobre as águas corresponde à divisão das águas do Mar Vermelho. A ressurreição de Lázaro; à libertação do Egipto, etc. Trata-se de compilações mais ou menos fiéis e livres dos vários trabalhos anteriores. O próprio Lucas o afirma: «muitos trataram de escrever a história dos factos sucedidos tal como nos ensinaram[…] também a mim me pareceu oportuno escrever estas coisas para que comproves a verdade de tudo quanto te ensinaram». Ou seja; são relatos mais ou menos fiéis e livres, de ensinamentos orais mas não necessariamente de Jesus. Já na primeira metade do séc. II, as “Interpretações dos ditos do Senhor” da autoria de Papías, assinalavam que Marcos se remetia aos sermões de Pedro, mas que estes haviam tido um fim catequista e não historiográfico: havia-se “inspirado” indirectamente nos sermões de Cristo mas não os havia reproduzido literalmente. Os livros de Papías que pretendiam remeter os ditos dos apóstolos para uma tradição oral; foram classificados pela “História Eclesiástica” de Eusébio, como um conjunto de «estranhas palavras e ensinamentos do Salvador, e outras coisas mais míticas».

Está claro desde o início, que os evangelhos não são obras históricas mas sim vocacionais, que falam de um personagem mais ou menos idealizado e mitificado, quando não, simplesmente inventado. A credibilidade dos evangelhos é tal, que apenas quatro são considerados canónicos e todos os outros apócrifos e rejeitados pela Igreja como autênticos. Naturalmente em questões de cânon (regra) tudo é relativo, por exemplo; nos livros do Antigo Testamento, os Macabeus, que actualmente a Igreja Católica considera canónicos, são considerados não canónicos pelos próprios judeus e apócrifos pelos protestantes, e a decisão definitiva sobre o cânon católico do Antigo Testamento não vai além de 1546 quando o Concílio de Trento estabeleceu a lista actual e declarou «anátema sobre quem não admita como sagrados e canónicos estes livros completos, com todas as suas partes, tal como são lidos na Igreja Católica». Tal facto não impede que a igreja Etíope admita ainda mais três livros como canónicos. Muitos dos evangelhos considerados apócrifos perderam-se, mas outros se conservaram e narram episódios completamente diferentes da vida de Jesus, da Virgem e dos apóstolos. Aqui a posição da Igreja varia entre uma clara aceitação de alguns documentos como oficiosos, e uma explícita recusa de outros como oficialmente heréticos.

Não deixa de ser curioso que o evangelho de Pedro parcialmente encontrado em 1886 descreva a “paixão” de Cristo de maneira análoga à dos sinópticos, mas desde uma perspectiva política diversa, anti-judia e pró-Pilatos.