21 de Fevereiro, 2010 Carlos Esperança
O diálogo entre o ateísmo e as religiões
Sempre tive dificuldade em pensar que fosse possível o diálogo entre ateus e crentes, o que é muito diferente da confiança e estima mútua e recíproca que devem estabelecer. «O homem é ele próprio e a sua circunstância», como escreveu Ortega Y Gasset, razão porque há uma geografia da fé: os católicos nascem em países de idêntica tradição, tal como os muçulmanos, os budistas, os cristãos de várias tendências e todos os outros, tradição que foi imposta, quase sempre, à custa da espada.
Os homens nascem ateus e os padres e as famílias logo se encarregam de os modificar, desde a nascença, sendo muito difícil que os homens (homens e mulheres) aderissem maciçamente a um credo, ao atingirem a idade adulta, se não tivessem sido catequizados desde tenra idade. Não menosprezo o que leva as pessoas a crerem em Deus: não são os argumentos mas, quase sempre, o hábito de o fazerem desde crianças.
Quer as religiões tenham origem no animismo ou nos politeísmos, o monoteísmo surge com os hebreus, como resultado da sua organização tribal e patriarcal, da necessidade de defesa das terras e da identidade contra as tribos nómadas. Que as religiões são uma criação puramente humana não oferece dúvidas, através da comparação das diversas crenças entre si e das lutas internas que geraram e geram.
A origem humana foi demonstrada apesar dos esforços dos padres para impedirem a ciência, de natureza humana, de cometer o sacrilégio de investigar a palavra de Deus, em estado puro, contida nas Escrituras.
O facto de os monoteísmos terem origem patriarcal deu origem à mais dramática das sequelas da moral religiosa – a obsessão pela repressão sexual que causou infelicidade, medo e o trauma do pecado em relação a uma fonte de prazer e de realização humana. E, pior, são responsáveis pelo carácter misógino que impediu a emancipação da mulher, o direito à sua determinação social, profissional e cívica, reprimida pelos mais boçais e cruéis preconceitos patriarcais durante milénios.
Para mim, ser ateu é tão natural como aceitar um teorema ou a lei da gravidade, feliz por saber que ninguém mata outro por não acreditar numa lei da física ou num resultado matemático, o que já não se pode dizer dos dogmas.
Não tenho angústias metafísicas e não poderia compreender a existência de Deus com as catástrofes que o mundo suporta.