Amor e família.
Deus é o nosso pai, a Igreja é a sua esposa, tal como as freiras, os padres também são nossos pais e somos todos irmãos. É amor por todo o lado. O cristianismo aproveita os laços familiares de afecto, familiares em ambos os sentidos, para persuadir que o seu deus é um deus de amor e que o universo foi criado como uma família feliz. Mas tirando os olhos do umbigo, olhando além do que gostaríamos que fosse a norma na nossa espécie, vemos que este antropomorfismo optimista não representa adequadamente a realidade.
O amor fraternal é um de muitos ideais que esta religião diz poder ser corrompido pelo exercício da vontade livre. Mas o fratricídio é comum em animais aos quais não atribuem tal capacidade. Em pássaros como o pelicano ou a garça-vaqueira é normal as crias competirem agressivamente pela comida que os pais trazem. Tão agressivamente que acabam por matar as mais pequenas, sob o olhar indiferente dos progenitores. Muitas vespas parasitárias injectam vários ovos em cada vítima e as larvas que eclodem atacam-se mutuamente até só restar uma. E alguns tubarões começam o canibalismo ainda no ventre materno, comendo os irmãos antes de nascerem.
O infanticídio por parte de adultos também é comum em muitas espécies. Os leões machos matam as crias das fêmeas quando se apossam de um bando, as fêmeas de coelho matam as crias umas das outras e em algumas espécies, como os escaravelhos necrófagos, alguns peixes e até hamsters, os progenitores matam os próprios filhos. Ao contrário do que alguns crentes sugerem, o amor de mãe não deve ser gratuitamente assumido. Como qualquer outra hipótese, também esta deve ser confrontada com os dados.
O amor conjugal dá uma bela metáfora para a relação entre Deus e a Igreja mas também tem muito que se diga. Os machos de Harpactea sadistica, uma aranha nativa de Israel, perfuram o corpo da fêmea e depositam o sémen directamente no seu abdómen (1). Muitos invertebrados “fazem amor” de formas semelhantes (2). Os patos forçam as fêmeas a ter relações sexuais, os chimpanzés amansam as futuras “amadas” à pancada (3) e se olharmos para o nosso comportamento com imparcialidade vemos que não andamos muito longe disto. Nos costumes de alguns povos, bíblicos e contemporâneos, para muitas raparigas a diferença entre a violação e o casamento é uma mera formalidade.
A hipótese que um deus criou os humanos à sua imagem e todo o universo por amor, com o amor de um pai, não é plausível. Podia parecer plausível a quem ignorava quase tudo acerca da natureza. A quem julgava que o universo teria a duração e o tamanho da sua tribo e vizinhos. Mas o que sabemos hoje indica uma alternativa. O mais plausível é que esse deus, como tantos outros, seja apenas um personagem fictício onde uns projectam o que querem fazer crer aos outros.
1- Aqui um post do Ed Yong, com vídeo para quem gostar destas coisas: Traumatic insemination – male spider pierces female’s underside with needle-sharp penis
2- Wikipedia, Traumatic insemination
3- Short Sharp Science, Male chimps use sexual coercion
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