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CARTA ABERTA AO CARDEAL-PATRIARCA

Por

M. Gaspar Martins – PORTO

A sua mensagem de Natal enferma de carência da bondade cristã devida a todos os seres humanos tenham ou não religião. Não venho tratar de fé, questão impossível de debate por antagónica da razão. Ocorre-me sempre a minha frustração, há uns anos, quando tentei demover um amigo de não desbaratar o salário no Casino.

Respondeu-me que acordara com uma fezada no 27. Infelizmente, ganhou apenas problemas familiares e no emprego. Não venho também questionar a existência de Deus. A sua negação é impossível quando essa idealização existe na cabeça de milhares de milhões em todo o mundo. Questiono, sim, a sua afirmação de que “Deus existe e continua a amar a humanidade (…)” Que amor é esse? Com os poderes que lhe são atribuídos, como consente que a cada quatro segundos morra no mundo uma criança à fome? Ou que os homens resolvam os seus problemas pela violência? Ou que cataclismos e epidemias destruam os bens e a vida de pessoas simples? Claro que a resposta é a da não autoria divina nestes casos. Deus só quer o bem – dir-me-á. O que logo me suscita o caso do cirurgião numa intervenção delicada. Se tem êxito, foi milagre; se deu para torto, é uma besta.

Este tipo de contabilidade leonina em que tudo o que é bom tem crédito divino, mas o mal é debitado a outros, faz parte daquela propaganda dos anúncios dos jornais e dos papeis colocados nos limpa-vidros dos carros com garantias dos auto-intitulados astrólogos/médiuns de resultados imediatos. Só contabilizam para si os sucessos. Os incontáveis casos de insucesso são simplesmente omitidos. Mas, se tudo o que acontece é por vontade divina, então só se pode concluir que Deus é uma criação humana. Pois que, com poderes ilimitados, não criaria seres para serem sofredores. Seria não um deus, mas um narcisista, caprichoso, déspota, com birras e maus humores alternados com bonomia e compreensão. Comportar-se-ia exactamente como um humano que tivesses tais poderes.

As religiões poderiam ter um papel de aproximação de toda a gente em todo o mundo. Infelizmente tal não acontece. Pelo contrário, são origem de muitas infâmias, atrocidades, genocídios e nem é preciso percorrer a História. Basta-nos hoje a situação na Palestina, nos Balcãs, no Sri Lanka, no Tibete. Tudo porque cada uma se acha dona da Verdade Suprema. Depois, quer impô-la a todos.

Se em vez de tratarem da “salvação eterna” se dedicassem a denunciar e penalizar as desigualdades e as injustiças chocantes no mundo, condenando os sistemas que as originam e exigindo paradigmas económicos e sociais com verdadeira igualdade, cumpririam o papel com que se apresentam.

Em vez disso, promovem acções anunciadas contra a pobreza quando, de facto, a alimentam. Porque aliviam a consciência de alguns bem instalados através da esmola, quando uma vida com dignidade é direito de todos e o Homem evoluiu tanto tecnologicamente que hoje é possível alimentar e garantir essa vida digna a todos.
Porém, as religiões, se nascem com esse propósito, acabam sempre tomadas pelos poderosos e passam logo para “a salvação eterna”. Acabam todas a apregoar o mesmo deus TOD: temor, obediência e… o dízimo.
Com os meus melhores cumprimentos e desejo de um futuro melhor para toda a Humanidade.

Nota: Este texto foi oportunamente enviado para o “Público”, “JN” e “Notícias Magazine” que, até à data, não o publicaram.

Perfil de Autor

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- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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