Monumento ao cardeal Cerejeira
A pretexto da celebração do 50.º aniversário do monumento ao Cristo-Rei, cujo gosto não discuto, foi inaugurado no pretérito domingo um monumento ao cardeal Cerejeira. Se Almada não se regozijou especialmente com o primeiro, há boas razões para crer que não é grande o júbilo com o segundo – tributo prestado ao prelado que foi um expoente do reaccionarismo nacional e amigo do peito do ditador Salazar.
Não discuto a estética dos monumentos mas não devo deixar passar sem reparo a ética do preito ao cardeal cuja cumplicidade com a ditadura e o ditador só teve de positivo o estímulo ao abandono da religião e ao desprezo do clero.
O cardeal Gonçalves Cerejeira não teve uma palavra de solidariedade para com o bispo honrado que discordou de Salazar – António Ferreira Gomes –, bispo do Porto, exilado durante uma década. Não se lhe conhece um único lamento face às torturas policiais, prisões arbitrárias, degredo de democratas, medidas de segurança dos tribunais plenários, perseguições, censura e ausência de quaisquer liberdades. Viveu feliz com os crucifixos nas escolas, o ensino obrigatório da religião e a perseguição aos democratas.
Erigir um monumento ao cardeal Cerejeira, é reabilitar a ditadura, branquear o passado de um cúmplice e enaltecer o comportamento da Igreja durante os anos do salazarismo.
Podia ter sido um prelado arredado da política e dos crimes da ditadura, mas não foi. Informou Salazar de que Deus o tinha escolhido por para governar o País e que não era ele, Cerejeira, quem o dizia, mas a Ir. Lúcia, dada à intimidade com o divino, que lho havia segredado. Podia ter sido neutro em relação à guerra colonial, mas preferiu animar os jovens a defenderem a civilização cristã e ocidental. Não lhes faltou, aliás, durante a guerra, com um bispo castrense para repetir essa mensagem nas colónias.
Manuel Gonçalves Cerejeira foi cardeal durante mais de 41 anos. Assistiu em silêncio à guerra civil de Espanha e aos crimes de Franco, tal como em Portugal aos desmandos da ditadura e ao terrorismo policial do seu amigo Salazar.
O bispo de Setúbal que inaugurou a estátua a Cerejeira comportou-se como o autarca de Santa Comba Dão com o museu à memória de Salazar. É a reabilitação da ditadura que está em curso, o branqueamento do fascismo e a homenagem ao tempo mais negro do século XX, em Portugal. Quando julgávamos que a Igreja, por pudor, esquecia o maior cúmplice da ditadura, há um bispo que nos lembra a matriz genética do salazarismo.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
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- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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