Ateísmo e anti-teísmo
No seu artigo de hoje no Diário de Notícias, o padre católico Anselmo Borges distingue o Caim de Saramago das declarações do escritor sobre a Bíblia. Gostou do livro, classifica as declarações como «ignorância arrogante». Afirma que «perante o Deus de Saramago, só haveria uma atitude digna para o crente: ser ateu».
Já li e ouvi muitos católicos dizerem isto. Acontece que estão a incorrer numa confusão. Não é por fazer um juízo de valor (ético) sobre o Deus da Bíblia que eu sou ateu. É por fazer um juízo de facto (científico) sobre as alegações da existência de «Deus», sobre a origem do universo, sobre a «vida depois da morte» e sobre a «ressurreição», que sou ateu. E comigo muitos outros, que fundamentam (quando necessário) o seu ateísmo em Bertrand Russell, Carl Sagan ou Richard Dawkins, e na ciência em geral. Somos ateus porque temos a certeza quase total de que aquele «Deus» não pode existir no universo que conhecemos. A questão de saber se o «Deus» da Bíblia e das suas múltiplas intepretações é justo, cruel ou tirânico é uma questão separada, e que não nos torna mais ou menos ateus.
Efectivamente, eu rejeito que o «Deus» da Bíblia seja justo, amoroso ou misericordioso. Mas isso não tem nada a ver com a questão da existência. É por saber (com um grau de certeza maior do que saber se vai chover amanhã) que não existe, que sou ateu. Se eu estivesse convencido da existência de «Deus», a questão seria outra. Em primeiro lugar, não seria ateu. Mas, por rejeitar as suas crueldades e ensinamentos imorais, não lhe prestaria culto e revoltar-me-ia contra os seus actos. Seria, então, anti-teísta. O que é outra coisa.
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]