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Peregrinação a Fátima_2009

É preciso não ter sentimentos para desrespeitar o sofrimento e a angústia dos peregrinos que têm como fetiche da sua devoção os dias 13 e, em especial, o do mês de Maio.

Aqueles sexagenários que se arrastam com velhas camisas camufladas da época que os marcou, numa guerra injusta e inútil, ainda hoje agradecem o regresso como se as minas nos pudessem ter matado ou estropiado a todos, como se devessem agradecer por terem regressado em vez de se revoltarem por quem perdeu a vida.

A fé é isto mesmo, não questionar os desígnios do acaso, agradecer a perna que sobrou em vez de reclamar a amputada, rezar pela sorte do olho que resta em vez de protestar pelo outro que os estilhaços da mina vazaram, enfim, viajar de joelhos e rastejar num santuário acreditando no poder miraculoso das azinheiras onde saltitou a virgem ou no espaço onde aterrou um anjo.

Há nos rostos sofridos, nos corpos doridos, a sangrar por dentro, uma dose enorme de esperança que se esgota nos dedos delidos a desfiar o rosário como quem conta os dias de sofrimento que lhe coube. As chagas das longas caminhadas e os pés inchados não impedem os devotos de acrescentar ao sofrimento do quotidiano o da peregrinação.

Não vale a pena explicar como nasceu Fátima, quem tinha interesse na devoção, quem fabricou os milagres que noutros sítios não vingaram. A República era a pedra no sapato do clero e a separação da Igreja e do Estado uma afronta à união secular entre o trono e o altar. A rainha dos céus e o Cristo-Rei continuaram o paradigma da Igreja, com azia à democracia, que viu na ditadura de direita o doce amparo enquanto os «segredos» se multiplicavam a anunciar a conversão da Rússia à Senhora de Fátima.

A verdade é um mero detalhe nos caminhos da fé. Os peregrinos alimentam a tradição que procura no céu o que lhes falta na terra. Olho-os com respeito, a caminho de Fátima, onde alguns são atropelados antes de assistirem à procissão das velas.

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

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- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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