O Papa, o PR e o «testamento vital»
Que o Papa Bento XVI tenha reagido mal a uma carta subscrita por 41 párocos italianos, a apoiar o direito dos doentes terminais a recusarem o tratamento, é a prepotência que se compreende no líder vitalício e autoritário de uma teocracia. Não lhe falta a experiência iniciada nas juventudes nazis e consolidada à frente da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), nem a firmeza, para impor a verdade única e o castigo adequado à heterodoxia dos referidos sacerdotes.
Já se compreende mal que o Presidente da República de Portugal, que nunca pertenceu à Legião Portuguesa, à PIDE ou à União Nacional, advirta o poder legislativo contra uma lei que peca por tardia e a que sobra humanidade.
O direito de decisão dos doentes não é um favor do Estado nem uma decisão que o PR ou o Papa devam impedir, é um sinal de respeito pelos cidadãos que cabe ao Parlamento expressar pela via legislativa.
Há na cultura judaico-cristã uma tradição que obriga ao sofrimento com base na alegada vontade divina, interpretada por gerações de clérigos e assimilada por beatos capazes de negar o direito à autodeterminação individual, mas os avanços da medicina possibilitam hoje evitar o tormento e desespero dos últimos momentos de vida.
O testamento vital não é uma obrigação mas, tão somente, uma decisão do foro íntimo que cabe ao Estado respeitar. É tão anacrónico impedir o exercício deste direito como seria intolerável impô-lo.
Os cidadãos não podem estar sujeitos às idiossincrasias de líderes que prezam mais as indicações do chefe da sua religião do que a vontade individual dos seus compatriotas. Ninguém tem o direito de se servir do aparelho de Estado para exercer o proselitismo a que se julga obrigado. Os titulares dos órgãos da soberania não têm de ser ateus, crentes ou agnósticos, devem ser neutros, em matéria religiosa, no exercício das suas funções.
O lei do testamento vital que o PS adiou para a próxima legislatura depois da manifesta ameaça do PR é uma exigência ética que não pode estar dependente das concepções beatas de um PR mais interessado na remissão dos pecados e na salvação da alma do que na defesa dos direitos individuais dos portugueses.
É urgente que a próxima Assembleia da República legisle sobre este assunto ainda que os bispos se enraiveçam e o Prof. Cavaco termine o mandato a rezar ave-marias.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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