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Mês: Agosto 2009

13 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

CRÓNICA (Verão)

A tarde cálida suga-me as forças. Mergulho no jornal, à sombra das videiras do quintal, e ali fico a percorrer notícias de incêndios, assaltos e acidentes.

Olho as videiras que me dão sombra. Já cá estavam quando nasci. E vão ficar, cada vez mais velhas e podres, nos anos que vierem. As uvas, que orgulhavam os avós, estão agora cheias de moléstias que não deixam crescer os bagos. Têm falta de calda, é um crime, dizem as visitas, o senhor é um desleixado, mas eu já não herdei o saber de as tratar nem o gosto de aprender. Sou da geração que apenas soube esbanjar o que ficou e o que devia legar.

Sem me dar conta estou no lugar que o meu pai ocupava quando as forças começaram a faltar-lhe. À minha frente está vazio o lugar da minha mãe que aos oitenta anos colocou Saramago no seu devocionário e começou a devorar-lhe os livros com a pressa de quem sabe que escasseia o tempo.

Os anos vão passando. Não sei por que razão regresso onde fui feliz, onde estes espaços sempre foram  reservados, para sofrer com o lugar que ora me cabe.

A vida é um privilégio que rapidamente se esgota e a morte uma injustiça irreversível.

Numa rua próxima passa a procissão. Ainda vem gente para sacudir o pó aos santos e levá-los a laurear pela vila por entre cânticos, orações e foguetes. Não sei o que pensam as pessoas que seguem o arcipreste e as que lhe seguram o pálio, nem que sentido tem a custódia erguida para o céu que abandonou as gentes e as aldeias que esperam o sumiço da última geração dos lugares onde nasceu.
Apesar da exuberância do Verão, o equinócio virá aí com as folhas a tecerem a manta morta que cobre os campos e o Outono da vida esgota-se aos que ficaram e vão partindo sem que alguém ocupe o lugar que deixam. Não há herdeiros que reclamem tal herança.
Talvez por hábito, ainda volto, de vez em quando, quem sabe se para me deixar apanhar à falsa fé e desaparecer onde surgi.

Deambulo pela vila em busca de gente como náufrago à procura de terra firme. Aguardo o lusco-fusco para que os corpos cansados apareçam em busca da brisa e dos restos de vida que ainda deve haver dentro das casas arruinadas que a autarquia se encarrega de caiar por fora. As lojas continuam abertas, com prateleiras cheias de coisas que ninguém pede, portas à espera de alguém que entre, enquanto os proprietários as não franqueiam para sair.  Onde param as pessoas que restam, aquelas que ainda querem tirar da terra a comida que há-de faltar?

Definitivamente, não se vê vivalma. Só dentro das casas se encontra gente, as pernas já não aguentam, à espera de familiares que não aparecem. Amanhã é domingo, talvez venham muitos, roídos de saudade e de remorso. Há uma nova procissão, em honra da Senhora da Barca, que conserva a veneração apesar de avara nos milagres e indiferente aos que deixam as terras, a fé e a vida.

O dia nasceu calmo. No lar da Misericórdia os velhos tomam banho e biscoitos no leite da manhã. Alguns já foram avisados dos percalços que retiveram os filhos. Uma velhota cheia de alegria e de lágrimas olhou com orgulho os colegas e gritou, são os meus netos, enquanto se amparava nas muletas em direcção ao filho que a viera mostrar. Deram-lhe dose reforçada de insulina, hoje abusará, tem o filho e os netos, vão insistir que coma, terá sobremesa, que lhe faz mal, e a nora que não lhe quer bem.

Esquece as dores reumáticas e as articulações, entra para a parte de trás do automóvel e beija os netos que prosseguem os jogos electrónicos e perguntam se o almoço demora.

Queixa-se a velhota de que os campos estão abandonados, este ano já não apanha a azeitona, perdeu-se a vinha grande, os pastores derrubam as paredes, chegam-lhe ecos de que ninguém respeita os prédio e o monólogo acaba interrompido com a reprimenda azeda da nora, devia ter vendido, queria viver para sempre, agora ninguém lhes pega.

Ó mãe, as viagens ficam caras, a vida não está fácil, eu sei meu filho, cada vinda custa mais de duzentos euros, os miúdos faltam à piscina, faltaram aos anos do amigo, lindos meninos que vieram ver a avó, que Deus os abençoe. Reprime as lágrimas e remexe os bolsos  a apalpar duas notas de vinte euros que reserva para os netos, não se evaporem.

Depois de pesado silêncio o carro detém-se à porta do restaurante. Os miúdos correm para a entrada, a nora vem abrir a porta à sogra enquanto olha a linha do horizonte e espera o marido para içar a mãe que sai penosamente com o reumatismo, as articulações e a fractura do colo do fémur a cobrarem-lhe a visita.

A refeição é demorada, o serviço é lento, a empregada recita a ementa, não há muito por onde escolher, eu como qualquer coisa, os miúdos exigem bife, batatas fritas e ovo, o pão vai servindo como redutor de ansiedade para o repasto que demora, a nora diz que comia melhor em casa, escusava de percorrer quatrocentos quilómetros e outros tantos que há-de fazer no regresso, lá chegam o bacalhau e os bifes, ó mãe beba menos água que lhe faz mal, avó limpe a boca, tanto ruído, a refeição avança, vem mousse de chocolate para todos. Dois cafés e a conta.

Ó mãe, já não passamos lá por casa, vamos deixá-la no lar, eu sei que queria ver as suas coisas, ainda queremos chegar de dia, já nos vimos, sabe como é, cada um gosta de estar na sua casa, ó menina traga-me a conta, da próxima vez vimos de véspera, estamos mais tempo, nem penses, bem sabes que não durmo na casa da tua mãe, o esquentador não funciona, a água sai suja, as camas necessitam de ser mudadas, é boa vontade fazermos oitocentos quilómetros num só dia.

Não tardou a ver-se amparada por uma criada, à porta do lar, enquanto fazia adeus aos netos e o filho abanava o braço esquerdo pela janela do carro em movimento. Procurou o lenço no bolso, trouxe com ele duas notas de vinte euros, ai a minha cabeça, afligiu-se com o descuido, os netos já iam longe e a porta esperava que ela entrasse para se fechar.

Lá estavam os amigos habituais, nenhum indagou como fora o dia, os velhos adivinham os dramas, conhecem as mágoas das visitas, sabem o estorvo que são e contam as horas, cada vez menos felizes, sempre mais pesadas.

Aguardam com ansiedade as visitas que não chegam e, quando o fim-de-semana expira, sentem o alívio de não terem vindo. Para a separação definitiva, nada melhor do que as ausências cada vez mais longas. É a vida. A morte é o acto que ainda falta para rematar a tragédia.

Carlos Esperança in Jornal do Fundão – 06-09-09

12 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Câmara de Lisboa – A guerra das bandeiras

A sofreguidão mediática, com a pátria a banhos, entrou em euforia com o acto anódino do roubo da bandeira da Câmara Municipal de Lisboa e a permuta pela que simboliza a monarquia, que se esgotou antes de se ter extinguido a família real.

É interessante apreciar o alarido que a delinquência de diminuta gravidade provocou nas comunicação social, fazendo do pequeno delito notícia e, dos marginais, heróis.

Até o Sr. Duarte Pio, alegado descendente do Sr. D. João VI, como se o matrimónio de D. Carlota Joaquina provasse qualquer paternidade, ficou feliz, julgando-se rei por uma noite. Vale mais ser rei uma só noite do que parvo toda a vida, como diz o adágio ou, se não é bem assim, deve ser parecido ou merecia ser.

O senhor Duarte Pio é entendido em solípedes e já escreveu um opúsculo sobre cavalos que se ajoelhavam, no caso os de D. Nuno Álvares Pereira que acharam Fátima antes da Virgem e mostraram aí os cascos em genuflexões pias antes de os peregrinos mostrarem os sapatos rotos a viajarem de joelhos à volta da capela das alegadas aparições. Ganhou, com esse opúsculo, a estima de alguns beatos e o gozo de muitos cidadãos escorreitos.

Vem nas gazetas que o Sr. Duarte Pio elogiou a bandeira que «restaurou» a monarquia e exultou com a façanha dos seus dedicados vassalos, provando que acredita tomar Lisboa à frente de um exército de três delinquentes juvenis, libertando-a da vil República.

Com um plano tão elaborado, é mais fácil esbarrar com um hospício do que encontrar o caminho do paço e, com vassalos deste calibre, arrisca-se a acabar na esquadra do bairro sem tempo de regressar à Áustria. E sempre é uma vergonha, para quem espera ter uma coroa, acabar com as algibeiras revistadas e sem os atacadores dos sapatos.

11 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Dá resultado?

Não há provas de eficácia

Não há provas de eficácia

11 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Azedume papal

Percebia melhor se tivesse mulher e filhos

Percebia melhor se tivesse mulher e filhos

10 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Contradições

(…)

O Papa nunca esteve na Juventude Hitlerista, que era um corpo de voluntários fanáticos, e nem fez parte do grupo”, afirmou, em maio, o porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, explicando que Joseph Ratzinger (nome de batismo do Papa) foi alistado aos 16 anos no grupo de auxiliares para a defesa aérea, como ocorre atualmente com todos os jovens alemães.

Em uma autobiografia intitulada “Marco: Memórias: 1927-1977”, o Pontífice afirma que, junto a seu irmão, Georg, foi alistado na Juventude Hitlerista apenas quando isto era obrigatório para todos os jovens. (ANSA)

10 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Cordeiro pede ajuda ao lobo

O arcebispo-primaz da Comunhão Anglicana, Rowan Williams, teme um cisma entre os anglicanos. O risco surgiu agora, mais uma vez, depois das resoluções aprovadas, em Julho passado, pelos episcopalianos (anglicanos) dos Estados Unidos da América.

O arcebispo pediu ajuda ao Vaticano, tendo “L’Osservatore Romano” publicado um artigo favorável à sugestão do arcebispo de Cantuária (…)

Comentário: O Vaticano vai ajudar o cisma e absorver a corrente conservadora.

10 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Laicidade e tolerância exigem-se

Evo Morales fez duras declarações ao qualificar a Igreja católica como um «símbolo vivo» do colonialismo europeu e, demasiado impertinentes, ao declarar que segundo a sua nova política de governo, a ICAR deve desaparecer da Bolívia. As perseguições de que os povos foram vítimas não legitimam desforras nem actos de vingança. Morales comporta-se como inquisidor e deve merecer a condenação geral.

A excessiva politização das Igrejas na América do Sul, nomeadamente da ICAR, a sua cumplicidade com as ditaduras e o factor de atraso e de obscurantismo que constitui não justifica perseguições ou restrições à sua liberdade. As Igrejas, tal como qualquer outra associação, devem estar sujeitas às leis e ao Código Penal mas não podem ser objecto de qualquer discriminação.

É verdade que Bento 16 está a reconduzir a ICAR ao tempo pré-conciliar, que afirmou ter sido pacífica a evangelização dos índios, sabendo que é mentira, que vive em lua de mel com a seita de monsenhor Lefevbre, que protege e se identifica com os Legionários de Cristo e o Opus Dei, que é capaz de se comportar como um mullá islâmico, mas a liberdade religiosa não é dogma católico é um imperativo democrático.

Sabemos das malfeitorias de que a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) é capaz , da intolerância sectária do Islão, do fervor imperialista dos judeus ortodoxos, da demência obscurantista do protestantismo evangélico, mas não aceito outro combate que não seja o democrático, outra forma de eliminar o obscurantismo que não seja pela ciência e outra arma contra a religião que não seja a liberdade.

O Estado tem de ser laico para permitir a crença, a descrença e a anti-crença. Doutro modo voltamos à loucura das guerras religiosas.