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Mês: Junho 2009

5 de Junho, 2009 Luís Grave Rodrigues

Desabafo

4 de Junho, 2009 palmirafsilva

Um muito pequeno, mesmo muito pequeno, passo no bom caminho

Em 15 de Janeiro, a UNICEF revelou o relatório anual State of the World’s Children que indicava que uma em cada 35 mulheres em Timor-Leste morre de complicações relacionadas com a gravidez. Como comparação, na vizinha Austrália s probabilidade de uma grávida falecer por esse motivo são quase 400 vezes mais baixas, uma em cada 13 300.

Estas complicações relacionadas com a gravidezde que fala o relatório são muitas vezes consequências de abortos de vão de escada, como um relatório da East Timor and Indonesia Action Network (ETAN) relata. O relatório, publicado igualmente em Janeiro de 2009, indicava

«Forty per cent of all emergency obstetric care was managing and treating complications from early pregnancy losses, and doctors and midwives continued to be reluctant to speak with women about induced abortion.»

O relatório continuava explicando que:

«The study – funded and commissioned by The United Nations Population Fund – also recommended strategies to assist the reduction of morbidity and mortality associated with unwanted pregnancy and unsafe abortion.

Dr Belton said the law regulating termination of pregnancy in Timor-Leste was highly restrictive.

“The legal situation is complex and confusing for health professionals, given views on abortion are influenced by the Catholic context of the country,” she said.»

De facto, a Igreja Católica tem tanto poder em Timor que conseguiu derrubar, em Maio de 2005, um governo, o de Mari Alkatiri, por este ter tentado tornar facultativa a até então obrigatória disciplina de educação moral e religiosa católica.

O que aconteceu depois foi descrito em palavras não são minhas mas do «Notícias Lusófonas» – que transcrevia notícias da Lusa nunca utilizadas pela nossa imprensa nacional – onde na altura segui as notícias sobre o comportamento aberrante, anacrónico e anti-democrático da Igreja católica em Timor. Em particular o artigo «Igreja Católica quer que o caos passe ao Poder em Timor-Leste» é elucidativo do que aconteceu há 4 anos:
«Novas exigências da igreja católica timorense inviabilizaram hoje o fim da manifestação anti-governamental que há 16 dias mantém o país em suspenso. Exorbitando todas as suas funções num Estado de Direito, a Igreja parece apostada em levar o país para o caos, indiferente aos apelos do Vaticano e das instituições internacionais. Pediram a mão e o Governo cedeu, agora querem o braço, e depois se verá…»

O braço era, entre outras exigências, o braço de ferro habitual da ICAR, a exigência dos bispos timorenses de que o governo não despenabilizasse o aborto em nenhuma situação. Assim, em Timor o aborto continuou sendo sempre um crime, mesmo em caso de perigo de vida da gestante, pelo que, aliado à repulsão vaticânica sobre qualquer forma de contracepção, não espanta a elevadissima taxa de mortalidade de grávidas em Timor, uma das mais altas do Mundo.

Mas se em Maio de 2005 a Igreja venceu em todas as linhas, em Maio de 2009 a situação alterou-se ligeiramente, em particular no que respeita às exigências sobre a proibição total do aborto.

A revolução deu-se com o auxílio da ONU (via Unicef e UNFPA) e de ONGs locais como a Fokupers (Communication Forum for Women from the East ou a Alola Foundation, que aproveitaram a International Women for Peace Conference, realizada em princípios de Março, para pedir uma lei do aborto mais suave. Mais concretamente, pediram a despenalização do aborto em três circunstâncias: quando o a vida da mulher estivesse em risco e em caso de incesto ou violação.

Em Abril, quer a ONU quer o East Timor Law and Justice Bulletin (ETJL) explicavam a guerra inflamada movida pela Igreja contra a proposta, que começara a ser analisada no Parlamento timorense. O ETJL, no artigo “What happens when abortion is illegal” explica ainda que «o incesto é um problema social significativo em Timor Leste» e termina afirmando o que devia ser óbvio para todos:

«Public health laws should have their foundation in science and reason and not on religious dogmas; especially where laws informed by religion cause a social harm to emerge.»
Mas aparentemente os preconceitos religiosos, ou antes, o poder político da Igreja, é ainda muito forte e o novo código penal, que entrou em vigor no início da semana, apenas despenaliza o aborto para salvar a vida das mulheres, com algumas restrições. Como nos informa a Zenit, «assinala que a vida da mãe deve ser defendida com prioridade sobre a de seu filho não-nascido em uma situação de emergência. Também assinala que três médicos e os pais devem estar de acordo em “extrair o embrião de sua mãe”».

Os bispos timorenses, mais concretamente Alberto Ricardo da Silva de Dili e Basilio do Nascimento de Baucau, carpem estridentemente a imoralidade desta lei escandalosamente «anti-vida» que denunciaram numa nota pastoral enviada às respectivas dioceses. De facto, é completamente imoral esta revisão da lei que apenas permite o aborto para salvar a vida de uma parturiente … isto se três médicos e o marido estiverem de acordo, claro. Mas de qualquer forma é um avanço que nunca pensei possível há 4 anos, quando seguia o que se passava em Timor!

3 de Junho, 2009 Carlos Esperança

Vermiosa, Paróquia Excomungada

A Vermiosa é uma povoação na periferia do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, freguesia a que se segue a de Malpartida, já no município de Almeida.

As pessoas sempre aí trataram a fé e a terra com esmero, afeitas a cuidar da alma e do corpo, da devoção cristã e do amanho da terra, encontrando no vinho o mais rentável dos produtos com que o húmus generoso fez a aldeia farta antes da crise que arruinou a lavoura, fez abalar os jovens e transformou a povoação em reserva da terceira idade.

Durante anos o padre José Joaquim Coelho, que paroquiava a aldeia, ganhou a simpatia local e a das paróquias de Mata de Lobos, Almofala e Escarigo, onde também exercia o múnus, porque a escassez de vocações adicionou freguesias ao cuidado de um só pastor.

Uma súbita decisão do bispo da Guarda afastou o padre das paróquias onde era querido e despachou-o para Penamacor, sentença sem apelo a que os sacerdotes se submetem na ordenação. O serviço de Deus promove a sujeição ao arbítrio do bispo, mas o povo tem da vontade divina concepções próprias e da inviolabilidade episcopal uma leve ideia.

Os paroquianos elegeram a comissão que pediu audiência ao bispo e obteve uma recusa, primeiro, e uma recepção descortês, depois, onde o prelado lhe fez saber que não devia explicações. As pessoas desoladas com a saída do padre que ia à caça e à pesca com os fregueses, gestos que os simples preferem às homilias, afectos que tocam mais fundo do que o martírio de Deus, sentiram revolta e raiva pela ofensa. Sofriam o exílio do padre José Joaquim e o bispo Manuel Felício feriu sentimentos, achando que a mitra, o báculo e o anelão o exoneravam de explicações.

No dia 18 de Setembro do ano da graça de 2005, para aquietar os ânimos, o bispo foi dizer missa a Almofala e à Vermiosa, acolitado pelo arcipreste de Figueira de Castelo Rodrigo, António Espinha Monteiro, nado na Vermiosa, e pelo padre Vítor, acólito do arcipreste.

Começou em Almofala onde o povo o recebeu em silêncio, como combinado nas quatro paróquias pelos órfãos do padre José Joaquim, uma manifestação de mágoa pela saída do sacerdote e pela descortesia com que recebeu a delegação das paróquias. Os clérigos que escoltavam o bispo quiseram evitar outra recepção igual e, para lhe fazerem a festa, recrutaram beatos em Figueira a troco de indulgências ou de facilidades no Paraíso para os acompanharem à Vermiosa e contagiarem a paróquia.

A esperteza pia acirrou os paroquianos da maior e mais inconformada das aldeias. Em vez do silêncio combinado, o prelado entrou na igreja matriz seguido de impropérios, insultos e vaias, com linguagem que o cronista, por pudor, se abstém de reproduzir.

Na igreja matriz começou a missa com os fiéis que entraram e, no adro, agitavam-se outros com os que vieram de Almofala, sendo precisa a GNR para os acalmar enquanto desapareciam os apoiantes vindos de Figueira de Castelo Rodrigo. Na igreja, o bispo era impedido de dizer a missa e, em vez dos canónicos améns, os paroquianos reincidiram nos insultos e vaias que o faziam elevar os olhos para o céu e implorar amiudadas vezes «pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem», antes de desistir e de se refugiar no carro que o pôs a salvo após deixar o solidéu nas mãos de quem gostaria de o escalpar e levando consigo o sacrário da igreja matriz e os clérigos que o acolitaram.

Do carro, já em grande velocidade, o padre Vítor, sentindo-se a salvo, fez para o povo que insultava o bispo as armas de S. Francisco, expressão que por essas bandas designa o gesto com que Rafael Bordalo Pinheiro imortalizou o Zé Povinho. A senhora que zelava o altar entrou em aflição e foi parar ao hospital da Guarda. O arcipreste viria a escrever um artigo em que censurava os conterrâneos e exaltava o bispo. Este, porque o “pai” não tivesse perdoado a injúria de que ele, bispo, foi vítima ou porque admitiu que o povo soube o que fez, excomungou a paróquia da Vermiosa, privando-a de ministro do culto, sacramentos e qualquer acto religioso.

A gente da Vermiosa tem traquejo em decepções pias. Há muitos anos uma paroquiana a quem o Dr. Montezuma de Carvalho, de Coimbra, tinha restituído a saúde com a ajuda de orações a Santa Filomena, ofertou a tempo, antes de se finar, sã, a imagem da santa com quem repartia a fé no Dr. Montezuma. Foi colocada na capela do Divino Senhor Santo Cristo a ladear o Cristo crucificado do lado oposto ao de Nossa Senhora da Silva mas quando esta e o seu divino filho vão em procissão, todos os anos, Santa Filomena, após a humilhação da despromoção papal, permanece só. Não mais teve direito a andor, preces, esmolas ou outras manifestações piedosas.

Mas uma coisa é perder uma santa, embora com prestígio no ramo dos milagres, e outra é a ausência da assistência espiritual, a falha da água benta na cova que recebe o féretro, a privação da eucaristia aos devotos e a falta dos santos óleos a um moribundo ávido da extrema-unção.

Com o andar do tempo foram-se atenuando as razões da excomunhão e a raiva do bispo. Este esqueceu os insultos e as palavras que os castos ouvidos não terão entendido bem, solidéus há muitos, e na Páscoa de 2006 D. Manuel Felício deu por finda a expiação. Foi duro o tempo em que o diácono que supriu o padre era forçado a viajar com o cálice a caminho da Guarda para recolher na alfaia partículas consagradas e as levar de volta.

Hoje, a fé e a saudade do padre José Joaquim Coelho continuam vivas, ainda não passou um lustro, as pessoas é que são menos e agora vem de Espanha o padre. Os dramas de uma região que vai morrendo não têm cronistas, não interessam às gazetas, não lhes dá guarida a agência Ecclésia ou a Rádio Renascença.

Por isso fui ouvir a gente e avaliar a experiência amarga desprezada por réprobos, que hilaria os urbanos e enxofrou o bispo da Guarda. São gritos de alma que não encontram eco, lágrimas de revolta que não secam, mágoas que acompanham à cova.

2 de Junho, 2009 palmirafsilva

Ética jornalística

jihad

Veja aqui uma compilação de vários momentos da jihad de O’Reilly contra Tiller.

O assassínio de George R. Tiller por um terrorista está a suscitar uma série de debates muito interessantes nos Estados Unidos. Um dos artigos que mais gostei de ler foi escrito por Susan Brooks Thistlethwaite, ex-presidente do Chicago Theological Seminary, que expõe as inconsistências éticas e morais dos chamados pró-vida – que na realidade não passam de anti-escolha por razões da zona pélvica.

Não acredito que seja possível que estas inconsistências se tornem aparentes para a maioria dos fundamentalistas que importunavam os transeuntes e ululavam em frente a uma Planned Parenthood em San Diego. A minha primeira impressão era que se tratava de loucos violentos que tinham escapado da ala psiquiátrica do hospital onde ia tentar explicar que a minha reacção positiva à tuberculina se devia a ter sido vacinada (repetidamente) contra a tuberculose.

Mas estas manifestações de loucura violenta ocorreram durante a administração Clinton quando, como nos recorda Cristina Page, a retórica de ódio da direita religiosa, nomeadamente nos media, acirrava e instigava os mais desequilibrados. Durante a administração de G.W. Bush, o grande cruzado em defesa da vida que os iraquianos, entre outros, conhecem e «admiram», o incitamento ao ódio contra os «assassinos abortistas» por parte dos media conservadores/religiosas foi mais suave, o que se repercutiu numa diminuição da actividade terrorista: não houve assassinatos de ginecologistas e apenas um ataque bombista a uma clínica.

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