Um muito pequeno, mesmo muito pequeno, passo no bom caminho
Em 15 de Janeiro, a UNICEF revelou o relatório anual State of the World’s Children que indicava que uma em cada 35 mulheres em Timor-Leste morre de complicações relacionadas com a gravidez. Como comparação, na vizinha Austrália s probabilidade de uma grávida falecer por esse motivo são quase 400 vezes mais baixas, uma em cada 13 300.
Estas complicações relacionadas com a gravidezde que fala o relatório são muitas vezes consequências de abortos de vão de escada, como um relatório da East Timor and Indonesia Action Network (ETAN) relata. O relatório, publicado igualmente em Janeiro de 2009, indicava
«Forty per cent of all emergency obstetric care was managing and treating complications from early pregnancy losses, and doctors and midwives continued to be reluctant to speak with women about induced abortion.»
O relatório continuava explicando que:
«The study – funded and commissioned by The United Nations Population Fund – also recommended strategies to assist the reduction of morbidity and mortality associated with unwanted pregnancy and unsafe abortion.
Dr Belton said the law regulating termination of pregnancy in Timor-Leste was highly restrictive.
“The legal situation is complex and confusing for health professionals, given views on abortion are influenced by the Catholic context of the country,” she said.»
De facto, a Igreja Católica tem tanto poder em Timor que conseguiu derrubar, em Maio de 2005, um governo, o de Mari Alkatiri, por este ter tentado tornar facultativa a até então obrigatória disciplina de educação moral e religiosa católica.
O que aconteceu depois foi descrito em palavras não são minhas mas do «Notícias Lusófonas» – que transcrevia notícias da Lusa nunca utilizadas pela nossa imprensa nacional – onde na altura segui as notícias sobre o comportamento aberrante, anacrónico e anti-democrático da Igreja católica em Timor. Em particular o artigo «Igreja Católica quer que o caos passe ao Poder em Timor-Leste» é elucidativo do que aconteceu há 4 anos:
«Novas exigências da igreja católica timorense inviabilizaram hoje o fim da manifestação anti-governamental que há 16 dias mantém o país em suspenso. Exorbitando todas as suas funções num Estado de Direito, a Igreja parece apostada em levar o país para o caos, indiferente aos apelos do Vaticano e das instituições internacionais. Pediram a mão e o Governo cedeu, agora querem o braço, e depois se verá…»
O braço era, entre outras exigências, o braço de ferro habitual da ICAR, a exigência dos bispos timorenses de que o governo não despenabilizasse o aborto em nenhuma situação. Assim, em Timor o aborto continuou sendo sempre um crime, mesmo em caso de perigo de vida da gestante, pelo que, aliado à repulsão vaticânica sobre qualquer forma de contracepção, não espanta a elevadissima taxa de mortalidade de grávidas em Timor, uma das mais altas do Mundo.
Mas se em Maio de 2005 a Igreja venceu em todas as linhas, em Maio de 2009 a situação alterou-se ligeiramente, em particular no que respeita às exigências sobre a proibição total do aborto.
A revolução deu-se com o auxílio da ONU (via Unicef e UNFPA) e de ONGs locais como a Fokupers (Communication Forum for Women from the East ou a Alola Foundation, que aproveitaram a International Women for Peace Conference, realizada em princípios de Março, para pedir uma lei do aborto mais suave. Mais concretamente, pediram a despenalização do aborto em três circunstâncias: quando o a vida da mulher estivesse em risco e em caso de incesto ou violação.
Em Abril, quer a ONU quer o East Timor Law and Justice Bulletin (ETJL) explicavam a guerra inflamada movida pela Igreja contra a proposta, que começara a ser analisada no Parlamento timorense. O ETJL, no artigo “What happens when abortion is illegal” explica ainda que «o incesto é um problema social significativo em Timor Leste» e termina afirmando o que devia ser óbvio para todos:
«Public health laws should have their foundation in science and reason and not on religious dogmas; especially where laws informed by religion cause a social harm to emerge.»
Mas aparentemente os preconceitos religiosos, ou antes, o poder político da Igreja, é ainda muito forte e o novo código penal, que entrou em vigor no início da semana, apenas despenaliza o aborto para salvar a vida das mulheres, com algumas restrições. Como nos informa a Zenit, «assinala que a vida da mãe deve ser defendida com prioridade sobre a de seu filho não-nascido em uma situação de emergência. Também assinala que três médicos e os pais devem estar de acordo em “extrair o embrião de sua mãe”».
Os bispos timorenses, mais concretamente Alberto Ricardo da Silva de Dili e Basilio do Nascimento de Baucau, carpem estridentemente a imoralidade desta lei escandalosamente «anti-vida» que denunciaram numa nota pastoral enviada às respectivas dioceses. De facto, é completamente imoral esta revisão da lei que apenas permite o aborto para salvar a vida de uma parturiente … isto se três médicos e o marido estiverem de acordo, claro. Mas de qualquer forma é um avanço que nunca pensei possível há 4 anos, quando seguia o que se passava em Timor!