Uma questão de princípios
Há quasi um ano e a propósito de um editorial da Nature elogioso do recém-falecido John Templeton, Matthew Cobb e Jerry Coyne publicaram uma carta na revista, que pode ser lida na íntegra no Pharyngula para quem não tenha acesso à Nature. A carta, que ajuda a explicar como o mundo social, em especial a religião, influencia para tantos a forma como veêm o mundo natural, foca-se num dos temas que mais inflama o nosso espaço de debate e vale a pena ser lida por ajudar a esclarecer algumas questões recorrentes nesse espaço e que podem ser apreciadas neste excerto:
«Ficámos perplexos com seu Editorial sobre o trabalho da Fundação Templeton (‘Templeton’s legacy’ Nature 454, 253–254; 2008). Com certeza ciência é sobre encontrar explicações materiais para o mundo – explicações que podem inspirar aqueles sentimentos de assombro, maravilhamento e reverência no hiper-evoluído cérebro humano. A religião, por outro lado, é sobre humanos pensando que assombro, maravilhamento e reverência são a pista para entender um Universo construído por Deus. (O mesmo é verdade para a prima pobre da religião, a ‘espiritualidade’, que introduziu no seu Editorial da forma como um criacionista usa o ‘design inteligente’.) Há um conflito fundamental aqui, um que nunca pode ser reconciliado até que todas as religiões parem de fazer alegações sobre a natureza da realidade.» (…)
O seu editorial sugere que a ciência pode trazer “avanços no pensamento teológico”. Na realidade, a única contribuição que a ciência pode fazer para as ideias religiosas é o ateísmo».
Lembrei-me desta carta quando li no blog de Coyne que o cientista recusou um convite para participar no Festival Mundial de Ciência por este ser financiado pela Fundação Templeton, fundada pelo senhor cuja elegia na Nature tanto desagradou a Coyne e Cobb (e a muitos outros cientistas, certamente).
Vale a pena referir o curioso Prémio Templeton, que até 2001 era o prémio Templeton para o Progresso da Religião e que premeia com a módica quantia de 1,4 milhões de dólares as individualidades que supostamente consigam a improvável façanha de aproximar a ciência da religião.
A propósito do prémio de 2008, a New Scientist publicou um artigo muito interessante denominado «A ética de misturar ciência e religião», que vale a pena ler por reproduzir o que muitos cientistas pensam desta fundação, cujo «principal objectivo é usar a ciência para promover uma agenda religiosa». Richard Dawkins, vai mais longe e descreve o prémio Templeton como «uma soma de dinheiro muito grande que se concede normalmente a um cientista disposto a dizer coisas boas da religião».
Coyne pensa exactamente o mesmo que os seus colegas e não se deixou seduzir pelo cachet fabuloso que a Templeton estava disposta a pagar-lhe para integrar um painel que discutiria a relação entre fé e ciência. Vale a pena ler na íntegra a carta de recusa de Jerry Coyne de que reproduzo um pequeno excerto:
Like many of my colleagues, I regard Templeton as an organization whose purpose is to fuse science with religion: to show how science illuminates “the big questions” and how religion can contribute to science. I regard this as not only fatuous, but dangerous. Templeton likes nothing better than to corral real working scientists into its conciliatory pen. I don’t want to be one of these. That’s just a matter of principle. But the “no strings” argument doesn’t wash for me, for precisely the same reason that congressmen are not supposed to take gifts from people whose legislation they could influence. It is the appearance of conflict that is at issue.
To avoid this appearance in the future, I would strongly suggest that the Festival discontinue taking money from Templeton. That foundation is widely regarded in the scientific community as one whose mission, deliberate or not, is to corrupt science. It doesn’t belong as a sponsor of your festival.
em stereo na jugular