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Mês: Abril 2009

14 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Erro divino

Um canal de TV a cabo de Philadelphia, nos Estados Unidos, retirou por 30 segundos a transmissão da missa do Vaticano da sexta-feira santa para exibir uma chamada de vídeos adulto “Girls gone wild”. Segundo o porta-voz da empresa, Jeff Alexander, o incidente, ocorrido na madrugada do último dia dez, foi ocasionado por uma falha técnica no “sistema de alarme de emergências”.

O vídeo, de 30 segundos, mostrava mulheres de biquínis e seminuas se insinuando em frente à câmera. O equívoco, de acordo com Alexander, gerou apenas uma crítica endereçada ao canal. A informação é do site Huffington Post.

13 de Abril, 2009 Carlos Esperança

A procissão abreviada (Crónica)

Regressei às origens para um almoço com familiares e soube dos malefícios do tempo sobre as cerimónias litúrgicas.

Nesta segunda sexta-feira de Abril houve procissões, um pouco por todo o país, para chamar ao redil da fé os crentes que se espantam durante o ano e os curiosos que se aproximam nesta época.

É uma procissão temática, como todas, mas a procissão do Enterro do Senhor obedece a uma cuidada coreografia e à mobilização de recursos que fazem do evento um sinal pio de que a fé está para lavar e durar, como soe dizer-se.

Para durar, não sei, mas, para lavar, provou-o o céu a desfazer-se em água, a desabar em bátegas que dissolveram a procissão e escorraçaram os andores.  Fugiram, transidos, os anjinhos, e desembestaram os mordomos a caminho da igreja a pôr a salvo os andores. O Senhor dos Passos, com espinhos bem cravados, para não perder a coroa, com a cruz pesada a que o amarraram, viu passar os andores que deviam prestar-lhe vassalagem e ficou para trás, com mordomos ofegantes, a sofrerem o peso da charola, do Cristo e dos adereços. Foi o último a chegar, sem os padres, porque um pregador que não era de perto, nem de graça, ia falar do martírio do seu deus, a quem a borrasca encurtara o passeio, num outro sítio onde os escuteiros mostravam as fardas e a fé.

O Senhor dos Passos, a estrela da confraria, não ouviu o sermão encomendado porque,  antes de chegar ao Gólgota, recolheu à igreja paroquial sem que alguém o aliviasse da coroa de espinhos e do peso da cruz. Não ouviu a história das amêndoas da Páscoa que o pregador lhe dedicou. Não o ouviu, como poderia uma estátua de madeira ouvir, isto é a gente a falar como se as estátuas tivessem vida e os mortos ainda ouvissem. Não o ouviu, é certo, mas o pregador disse aos paroquianos que se protegiam sob os beirais das casas, que na amêndoa, naquela que se colhe da amendoeira, que se liberta da casca verde e amarga, se esconde dentro da casca grossa o fruto doce que é Jesus. Não importa que seja semente, embora chamado fruto seco, na religião contam as metáforas e é difícil haver sermões inovadores porque a liturgia e o mito vivem juntos.

Um incréu terá pensado que a amêndoa representa um deus amargo com casca grossa mas nestas coisas da fé a verdade é irrelevante e as palavras são pretexto para prolongar rituais enquanto se mantém a devoção. O padre recorreu à morfologia da amêndoa para sugerir a analogia do deus que se oculta na casca dura que o esconde e protege.
Molhados e com a alma lavada os que resistiram disseram que foi bonito o sermão, não sendo original, porque a amêndoa é mais antiga do que os rituais pagãos e judaicos que rondam o equinócio da Primavera e deram origem à Páscoa cristã, e os sermões são o ganha-pão dos pregadores que se repetem e plagiam.

E o Cristo lá ficou a fingir de morto certo de que a ressurreição faz parte do espectáculo que todos os anos se repete.

12 de Abril, 2009 Ricardo Alves

O casamento civil já é maioritário

Num artigo de 2007, arrisquei a previsão de que o casamento civil seria maioritário logo em 2008 ou, no máximo, em 2010. Actualizei a previsão em Janeiro de 2008, arriscando que seria logo em 2008. Só me enganei por excessivo «conservadorismo»: 2007 foi o ano em que, pela primeira vez, o casamento religioso foi minoritário. Efectivamente, segundo dados recentes, em 2007 ter-se-ão celebrado 24 317 casamentos exclusivamente pelo registo civil, e apenas 22 012 religiosos (dos quais são registados, pela primeira vez, 88 casamentos religiosos não católicos). Oficialmente, o casamento católico é, portanto, minoritário em Portugal.

Eu já alertara, numa série de artigos neste blogue, para a secularização da sociedade portuguesa: o crescimento do casamento civil, a elevada taxa de divórcios, e o número de crianças nascidas fora do casamento. Efectivamente, quando um terço das crianças nascem fora do casamento, mais de metade dos novos casamentos são pelo registo civil, e há, anualmente, um divórcio por cada dois casamentos, estamos muito longe do estereótipo da procriação exclusivamente dentro do casamento, necessariamente perpétuo, sacramentado pela ICAR. Nos comportamentos sociais, os portugueses afastam-se, cada vez mais a cada ano que passa, das regras recomendadas pela ICAR.

Portanto, quando ouvirem alguém dizer que «o Estado é laico mas a sociedade é católica», ou então que «o catolicismo é esmagadoramente maioritário» em Portugal, respirem bem e pensem que já deixou de ser assim. A sociedade portuguesa é cada vez mais secular.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

12 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Entrevista ao Açoriano Oriental

Por Isidro Fagundes
a
Carlos Esperança

1 – Quando foi criada a AAP e o que motivou a sua criação?

– A AAP constituiu-se em associação, num cartório notarial de Lisboa, em 30 de Maio de 2008, após alguns anos de convívio e discussão intelectual entre ateus, no sítio ateismo.net, e depois de quase cinco anos de publicação ininterrupta do Diário Ateísta. A necessidade de defender a laicidade do Estado foi provavelmente o motivo principal que nos impeliu para a criação da AAP.

2 – Qual é o principal objectivo da AAP?

Não há um objectivo único. Há vários que não me permito hierarquizar:

– Fazer conhecer o ateísmo como mundividência ética, filosófica e socialmente válida;
– Representar os legítimos interesses dos ateus, agnósticos e outras pessoas sem religião no exercício da cidadania democrática;
– Promover e a defender a laicidade do Estado e a igualdade de todos os cidadãos independentemente da sua crença ou ausência de crença no sobrenatural;
– Despreconceitualizar o ateísmo na legislação e nos órgãos de comunicação social;
– Responder às manifestações religiosas e pseudo-científicas com uma abordagem científica, racionalista e humanista.

3 – Considera que persiste na sociedade portuguesa uma certa “diabolização” (perdoe-me a referência religiosa) do cidadão ateu e do cidadão agnóstico?

– Existe em Portugal um proselitismo mitigado por uma sociedade cada vez mais secularizada e descrente. Os interesses económicos das religiões, em Portugal especialmente os ligados à Igreja católica, estão na origem do azedume que o ateísmo provoca. As Igrejas estão mais interessadas na conquista dos mercados da educação, saúde e assistência, que movimentam verbas astronómicas, do que na divulgação do alegado martírio do seu deus.

4 – Se a AAP promovesse em Portugal uma campanha como a de Richard Dawkins em Inglaterra, como acha que seria a reacção da sociedade civil?

– Uma campanha idêntica está nos objectivos da AAP e não creio que as reacções sejam violentas. Uma sociedade democrática tem imensa capacidade de conviver com o pluralismo, apesar do proselitismo agressivo de certos meios simultaneamente beatos e reaccionários, claramente minoritários.

5 – Na sua opinião, Portugal é, na prática, um Estado Laico? Há uma efectiva separação entre o laico e o religioso na política, na educação, etc.?

– Há em Portugal atropelos graves à laicidade do Estado, como se pode ver com a participação dos mais altos dignitários do Estado, nomeadamente o Sr.Presidente da República e o Sr. Presidente da AR (açoriano, por acaso) nas cerimónias da canonização de Nuno Álvares Pereira, distinção atribuída pela Igreja católica ao herói medieval por ter curado o olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus com óleo de fritar peixe.
A AAP denunciou a manobra obscurantista e apelou, em comunicado, ao espírito crítico dos portugueses para que não creiam em afirmações infundadas ou, pelo menos, façam a distinção entre as crenças pessoais e o reconhecimento estatal da superstição.
A existência desnecessária de uma Concordata é prejudicial à liberdade religiosa que deve ser garantida, de igual modo, a crentes, descrentes e anti-crentes. A existência de capelães militares, hospitalares e prisionais é igualmente um dos muitos privilégios injustos da poderosa Igreja católica.
6 – Há alguma delegação da AAP nos Açores, ou há intenções de criá-la?

– Só há uma «sede» em Lisboa e jamais haverá qualquer delegação onde quer que seja. Os ateus não são prosélitos e, até hoje, nunca pedimos a quem quer que fosse para se tornar sócio da AAP. Nem pediremos. Nem apareceremos em casa das pessoas a dar a boa nova: «Deus provavelmente não existe…»

7 – No seu entender, qual é a importância actual da religião na sociedade? A religião está em declínio? Se sim, qual acha que é o motivo?

A religião vive da tradição, dos hábitos e dos medos das pessoas. Nos períodos de crise os crentes religiosos aumentam, tal como os clientes dos bruxos, quiromantes e de outros ofícios correlativos. E há solenidades que levam muitas pessoas a aproximarem-se da Igreja. Acontece com o baptismo, o casamento e o funeral – os ritos. A sociedade ainda não se organizou para prescindir da presença do clero em algumas situações.

8 – Qual John Lennon, peço-lhe que imagine um Portugal sem religião. Pinte-me um retrato do Portugal Ateu.

Não prevejo, a curto prazo, um Portugal sem religião, mas não vejo que tivesse outras consequências para além do desemprego eclesiástico.
Se me perguntar se o Estado deve ser ateu, respondo-lhe com veemência, que não. Um Estado ateu é tão perverso como um Estado confessional. Há exemplos de ambos. Trágicos. O Estado deve ser laico, pautar-se por absoluta neutralidade religiosa e defender o direito dos cidadãos à crença, à descrença ou à anti-crença.
Um Portugal com todos os cidadãos ateus (diferente do Portugal ateu, que não aceito) significaria que todos se assumiriam responsáveis pelos seus actos e pela sua forma de viver, dando valor à sua vida e à dos outros, cultivando a razão e confiando no método científico para construir modelos da realidade, e não remetendo as questões do bem e do mal para seres hipotéticos nem para a esperança de uma existência após a morte.

9 – Amanhã a RTP 2 emite o programa “VIA SACRA”, que define como “Via-Sacra que ao anoitecer de Sexta-feira Santa, nos faz congregar neste lugar evocativo de profundas recordações cristãs”. Para além disso, emite cerca de 12 programas que reúnem representantes de inúmeras confissões religiosas existentes em Portugal. Neste sentido, pergunto-lhe como reage a esta iniciativa do canal de serviço público programada para amanhã? Pergunto também se considera que há uma subrepresentação, ou mesmo ausência de representação dos cidadãos ateus no canal público? A tradição religiosa portuguesa justifica estes aspectos?

– Fico a saber pelo Sr. jornalista da existência do referido programa. Pela minha parte ignorá-lo-ei, naturalmente.
Penso que não é função de um canal público emitir programas religiosos mas não é esse o atropelo mais grave à laicidade a que o Estado se encontra obrigado.