E o problema é …?
A propósito do primeiro aniversário do Portal Ateu, o Alfredo Dinis escreveu um post curioso de título «O problema fundamental do ateísmo». O curioso é que não se percebe qual é o problema.
«O ateísmo militante, como é o do Portal Ateu, tem um problema fundamental. Se a sua crítica da religião for irrelevante, como é a constante crítica baseada em factos anedóticos, o seu efeito na religião é positivo, uma vez que critica o que de facto é criticável […] Se, pelo contrário, a crítica da religião feita pelo ateísmo militante for objectiva e inteligente, e se dirigir a aspectos realmente fundamentais, uma tal crítica só pode ser benéfica para a religião, uma vez que desafia os crentes a reavaliar criticamente esses aspectos.»(1)
Ora, se este ateísmo é bom por um lado e bom por outro parece-me que o problema não estará no ateísmo.
Um problema é confundir crença com religião. As crenças são pessoais. Um crente pode acreditar que a hóstia se transforma no corpo de Jesus e outro ao lado acreditar que é só uma bolacha de farinha num ritual meramente simbólico. Mas as religiões são instituições. O catolicismo diz que a hóstia se torna no corpo de cristo e não o propõe como uma crença opcional. Eu concordo que é bom criticar qualquer crença porque a crença ou ganha fundamento por resistir à crítica ou cede o lugar a uma crença melhor. Mas a avaliação crítica é inconveniente para as religiões porque não podem mudar de crença tão facilmente.
Outro problema é assumir que há uma distinção objectiva entre os «factos anedóticos» e os «aspectos realmente fundamentais» das religiões. Se fingirmos que só há uma religião podemos criar essa ilusão, pois aí o fundamental é apenas o que a religião oficialmente diz para se acreditar. Mas se considerarmos todas as religiões a ilusão desaparece. Para um católico o Papa é fundamental e o criacionismo anedótico. Mas para o evangélico é precisamente o contrário. E para o ateu é anedótico o que não for devidamente fundamentado, o que põe no mesmo saco a suposta origem divina do Corão e a alegada ressurreição de Jesus.
Mas o problema principal é não compreender o objectivo dos ateus. É mesmo esse. Motivar os religiosos a avaliar criticamente as suas crenças. Porque o crente que o fizer verá que tem apenas duas opções. Se decide julgar a sua crença religiosa por critérios objectivos que sejam igualmente válidos para pessoas com ou sem qualquer fé então torna-se ateu. De todas as opiniões que se pode formar acerca de qualquer religião o ateísmo é a única que trata essa religião da mesma maneira que trata as outras. Nem o agnosticismo consegue isso porque, tal como os crentes, também os agnósticos são ateus em relação a todas as religiões excepto uma pequena minoria.
E a alternativa que preserva a crença religiosa tem que invocar critérios subjectivos, mostrando ao crente que o fundamento da sua religião é apenas a sua preferência pessoal. Segue aquela religião porque é dessa que gosta mais, tal como prefere este clube ou aquele estilo de música. E isto também é bom. Este exercício de liberdade pessoal elimina o problema da religião se arrogar de ter valor normativo propondo que aceitar o seu dogma é uma virtude que todos devem almejar. Ou de se arrogar de ser factualmente verdadeira e fonte de conhecimento, como se algum padre conseguisse distinguir a água benta da água por benzer.
Aquilo que para o Alfredo é um “problema fundamental do ateísmo militante” para mim é uma virtude. Fazer pensar acerca das crenças. Porque o mundo que eu quero não é um mundo de ateus. Isso era uma chatice e limitava-me a um par de posts por semana. O que eu quero é um mundo onde o dogma religioso seja visto como um gosto em vez de um facto. Quero um mundo onde a fé seja uma preferência em vez de a julgarem uma virtude. E quero um mundo onde as religiões se submetam à escolha livre de cada um em vez de submeter liberdades e pessoas ao supostos caprichos de deuses imaginários.
1- Alfredo Dinis, O problema fundamental do ateísmo. A propósito do primeiro aniversário do Portal Ateu.
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