Deus e o tabaco
Ontem começou a Atheist Bus Campaign, uma campanha publicitária organizada por ateus do Reino Unido, com o slogan «Deus provavelmente não existe. Agora deixe de se preocupar e goze a vida»(1). Não há consenso acerca do “provavelmente” entre os ateus. Richard Dawkins, por exemplo, preferia “quase de certeza”. Mas segundo Tim Bleakley, o director da firma de publicidade contratada para esta campanha, foi necessário incluir o “provavelmente” para evitar uma violação do código publicitário. Porque, para os religiosos, dizer simplesmente que Deus não existe «seria enganador»(2).
Em rigor, isto é correcto. Não podemos saber nada com certeza absoluta. Por exemplo, não podemos ter a certeza absoluta que o tabaco prejudica a saúde. Se expusermos quinhentos ratos a fumo de tabaco e estes sofrerem mais de cancro que os quinhentos do grupo de controlo, o melhor que podemos dizer é que provavelmente o tabaco causa cancro. Por muitos ratos, ou humanos, expostos ao tabaco, há sempre a possibilidade do resultado ser por outra coisa qualquer. A recolha de dados confirmatórios aumenta a confiança mas nunca dá certeza absoluta. Resta sempre algum “provavelmente”.
Mas eventualmente a confiança é tão alta que é melhor dizer simplesmente que o tabaco causa cancro no pulmão. Vir escrito nos maços que o tabaco provavelmente prejudica a saúde é que seria enganador. O “provavelmente”, se bem que correcto em teoria, na prática sugere uma incerteza maior que essa possibilidade irredutível de ter havido algum erro.
A conclusão que Deus não existe merece mais confiança que os malefícios do tabaco. O Deus judaico-cristão, omnipotente e omnisciente, é incompatível com o universo que conhecemos. As leis da física não permitem omnipotência nem omnisciência, e isso sabemos com mais certeza do que sabemos que o tabaco faz mal. Os crentes contrapõem que não se pode concluir que o deus deles não existe porque, sendo omnipotente e omnisciente, pode esconder-se onde entender e fazer milagres sem ninguém ver. A física pode ser milagre, o Big-Bang pode ser milagre, a origem da vida pode ser milagre. Não se vê a mão de Deus mas ela está lá, invisível.
Mas então também o cancro dos ratos pode ter sido obra de Deus e afinal o tabaco não faz mal nenhum. Se não podemos concluir que Deus não existe quando tudo sugere outras causas, também não podemos concluir que o tabaco faz mal só por ser isso que as evidências indicam. Se calhar o cancro é um milagre invisível. O cancro, e tudo o resto. Porque se não rejeitamos estas hipóteses impossíveis de testar ficamos condenados à ignorância e incapazes de decidir. Qualquer coisa que aconteça, por muito óbvia que pareça a sua causa e por muito fácil que seja de explicar, pode ter sido milagre de Deus, da Virgem, do São Nãoseiquantas ou até de gremlins invisíveis.
O tabaco faz mal e Deus não existe. Provavelmente, sim, mas esse provavelmente é tão insignificante que mais vale poupar os pulmões e os joelhos.
1- Atheist Bus Campaign
2- New York Times, 6-1-09, Atheists Decide to Send Their Own Message, on 800 Buses
Em simultâneo no Que Treta!