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Mês: Dezembro 2008

27 de Dezembro, 2008 Ludwig Krippahl

Torce palavras

A teologia safa-se pelo domínio da ambiguidade, e Anselmo Borges deu uma bela lição disto no DN de dia 20. A Associação Humanista Britânica está a organizar uma campanha publicitária a favor do ateísmo, com o slogan «Deus provavelmente não existe. Agora deixe de se preocupar e goze a vida» (1). Anselmo Borges diz que é uma ideia interessante porque obriga «as pessoas a pensar nas questões essenciais, e Deus é uma dessas questões decisivas.» (2)

Questões são perguntas. Como é que surgiu o universo? O que nos causou? Como podemos saber? O Anselmo torce o sentido de “questão” e mete uma resposta pela porta do cavalo. Porque Deus não é uma questão. O deus do Anselmo é apenas uma de muitas tentativas de responder estas perguntas. E levanta uma questão importante. Porque é que há de ser o deus dele e não um dos outros? Para responder a isto, a teologia torce as palavras conforme dá jeito.

«Afinal, também há razões para não crer, mas, quando se pensa na contingência do mundo, no dinamismo da esperança em conexão com a moral e na exigência de sentido último, não se pode negar que é razoável acreditar no Deus pessoal, criador e salvador, que dá sentido final a todas as coisas. Numa e noutra posição – crente e não crente -, entra sempre também algo de opcional.»

Crer ou não crer é uma escolha. Mas a palavra “razões” é usada aqui de duas formas subtilmente diferentes. Quando somos razoáveis baseamo-nos em razões partilhadas. Quando usamos razões só nossas não somos razoáveis aos olhos dos outros. É razoável largar o pote se está demasiado quente mas não por me dar na gana ou por medo que dê azar. As razões para não crer em Deus vêm do que observamos à nossa volta. Cada criança que fica sem pernas por pisar uma mina dá uma razão forte para rejeitar o tal ser benevolente que lhe podia ter segredado “cuidado, aí há minas”*. A imensa indiferença do universo perante o nosso sofrimento torna razoável a descrença. Mas a crença em Deus, como o próprio Anselmo admite, vem apenas de desejos pessoais como a esperança e a exigência de um sentido último, e não é por desejos que se forma uma opinião razoável acerca do que existe ou não existe.

Depois, o amor. «Agora que está aí o Natal, é ocasião para meditar no Deus que manifesta a sua benevolência e magnanimidade criadoras no rosto de uma criança. Jesus não veio senão revelar que Deus é amor, favorável a todos os homens e mulheres» (mas não às crianças que pisam minas).

Usamos a palavra “amor” para referir o que sentimos por alguém ou para referir esse alguém. Esta ambiguidade é ideal para a teologia. No primeiro sentido “Deus é amor” dá uma evidência directa que Deus existe. Todos sentimos amor e os crentes amam Deus. O sentimento existe. E torcendo a palavra para o outro lado concluem que o objecto desse amor também existe. É um disparate atraente. É disparate porque o objecto do nosso amor pode nem se parecer com aquilo que julgávamos amar. Mas é atraente porque preferimos esquecer essas experiências dolorosas e fingir que não é assim. O amor não só cega como enfraquece as ideias.

E quando torcem o amor com a ciência têm uma combinação perfeita. «A existência de Deus não é objecto de saber de ciência, à maneira das matemáticas ou das ciências verificáveis experimentalmente.» Ou seja, a existência de Deus não é ciência por não ser de cariz experimental. E Deus é amor, que sabemos não ser científico. Mas isto só encaixa torcendo as palavras. Porque o amor é experimental; é experimentando-o que o conhecemos e é pela experiência quotidiana que sabemos quem amamos e quem nos ama. E o amor só não é científico porque nos falta uma teoria detalhada. Falta-nos as palavras para modelar o amor. Falta-nos o logos do amor.

Mas isso é o que a teologia finge ser. O logos de Deus que, segundo dizem, é amor. A teologia é a teoria do amor inventada por celibatários que baralham as palavras e negam a experiência. Não admira que mesmo ao fim de tantas voltas não tenham chegado a lado nenhum.

*A desculpa para isto é a vontade livre. É um argumento válido, e aceito-o. Mas apenas nos casos em que a própria criança pôs lá a mina.

1- CNN, 23-10-08, Atheists Run Ads Saying God ‘Probably’ Doesn’t Exist
2- Anselmo Borges, DN, 20-12-08, ”Provavelmente Deus não existe”

Em simultâneo no Que Treta!

25 de Dezembro, 2008 Carlos Esperança

Missas em saldo

CIDADE DO VATICANO, 24 DEZ (ANSA) – As missas e eventos natalícios do papa Bento XVI poderão ser transmitidos gratuitamente por qualquer emissora que solicitar a programação.


O Conselho Pontifício anunciou que as transmissões ao vivo da missa de Natal, da benção “Urbi et Orbi”, do “Te Deum” de fim de ano e da missa de 1º janeiro pela paz estarão disponíveis.

25 de Dezembro, 2008 Ricardo Alves

Jacques Brel: «Les bigotes»

As beatas

Elas envelhecem com pequenos passos
Como de cãezinhos ou de gatinhos
As beatas
Elas envelhecem tão depressa
Que confundem o amor e a água benta
Como todas as beatas
Se eu fosse diabo ao vê-las por vezes
Eu acho que me faria castrar
Se eu fosse Deus ao vê-las rezar
Eu acho que perderia a fé
Pelas beatas
Elas procissionam em pequenos passos
De pia de água benta em pia de água benta
As beatas
E patati e patata
As minhas orelhas começam a assobiar
As beatas
Vestidas de negro como o Senhor Padre
Que é demasiado bom com as criaturas
Elas beatizam-se de olhos em baixo
Como se Deus dormisse sob os seus sapatos
De beatas
No sábado à noite depois do trabalho
Vê-se o operário parisiense
Mas nada de beatas
Porque é no fundo das suas casas
Que elas se preservam dos rapazes
As beatas
Que preferem encarquilhar-se
De vésperas em vésperas, de missa em missa
Muito orgulhosas de terem conservado
O diamante que dorme entre as suas pernas
De beatas
Depois morrem em pequenos passos
Em fogo lento, em montinhos
As beatas
E enterram-se em pequenos passos
De manhãzinha num dia frio
De beatas
E no céu que não existe
Os anjos fazem depressa um paraíso para elas
Uma auréola e duas pontas de asa
E elas voam… com pequenos passos
De beatas
(Jacques Brel, 1962; tradução livre de Ricardo Alves)

Les bigotes

Elles vieillissent à petits pas
De petits chiens en petits chats
Les bigotes
Elles vieillissent d’autant plus vite
Qu’elles confondent l’amour et l’eau bénite
Comme toutes les bigotes
Si j’étais diable en les voyant parfois
Je crois que je me ferais châtrer
Si j’étais Dieu en les voyant prier
Je crois que je perdrais la foi
Par les bigotes
Elles processionnent à petits pas
De bénitier en bénitier
Les bigotes
Et patati et patata
Mes oreilles commencent à siffler
Les bigotes
Vêtues de noir comme Monsieur le Curé
Qui est trop bon avec les créatures
Elles s’embigotent les yeux baissés
Comme si Dieu dormait sous leurs chaussures
De bigotes
Le samedi soir après le turbin
On voit l’ouvrier parisien
Mais pas de bigotes
Car c’est au fond de leur maison
Qu’elles se préservent des garçons
Les bigotes
Qui préfèrent se ratatiner
De vêpres en vêpres de messe en messe
Toutes fières d’avoir pu conserver
Le diamant qui dort entre leurs f…s
De bigotes
Puis elles meurent à petits pas
A petit feu en petit tas
Les bigotes
Qui cimetièrent à petits pas
Au petit jour d’un petit froid
De bigotes
Et dans le ciel qui n’existe pas
Les anges font vite un paradis pour elles
Une auréole et deux bouts d’ailes
Et elles s’envolent… à petits pas
De bigotes
Jacques Brel (1929-1978)

24 de Dezembro, 2008 Carlos Esperança

Laicidade ameaçada

«O ministro da Administração Interna, na cerimónia de inauguração da carreira de tiro em Ponte de Lima, pediu a bênção para aquela estrutura […] A nova carreira de tiro não teve bênção mas o Vigário Geral da Diocese, evocando a Sagrada Escritura, elevou uma súplica a Deus para que a paz reine entre os homens e que das armas se possam fazer instrumentos de desenvolvimento da humanidade.» [Diário do Minho]

Ver notícia aqui.

24 de Dezembro, 2008 Carlos Esperança

Uma floresta de clérigos…

CIDADE DO VATICANOO Papa Bento XVI comparou nesta segunda-feira a proteção às florestas ao combate ao homossexualismo na sua saudação de fim de ano à Cúria Romana, o órgão administrativo da Santa Sé. Joseph Ratzinger pediu que o mundo escute a linguagem da criação, afirmando que seu desprezo “seria a destruição do homem e, portanto, a destruição da obra de Deus”.

24 de Dezembro, 2008 Carlos Esperança

Perderam-lhe o respeito

“A Igreja é um escândalo, uma vergonha, uma nódoa! Não tem salvação”
Afirma o professor Armando Medeiros em exclusivo a este jornal. E pergunta: “A que propósito é que aquele sujeito, Bento não sei quantos, anda coberto de jóias e pratas? A que propósito é que o tesouro do Vaticano tem um valor incalculável?” (Leia mais…)