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O Governo, os supermercados e a ICAR

O Governo colocou na agenda a questão da abertura do comércio aos domingos e feriados à tarde, depois do legítimo encerramento, pela ASAE, de seis hipermercados na última Sexta-Feira mais ou menos santa.

O problema está na lei que, para agradar à ICAR, mantém uma interdição anacrónica e beata.

A este respeito, em 25 de Julho de 2001, tornei público o seguinte texto:

«Se o dogma é um insulto à inteligência mas uma vitória para a fé, se agride a razão mas purifica a alma, se fecha os caminhos difíceis da ciência mas abre as largas avenidas da salvação, como é possível haver quem o enjeite? – O Governo português não.

Como diria o Eça, estava o Ministério, moderadamente jejuado, razoavelmente confessado e melhor comungado quando piedosamente se pronunciou sobre o horário do comércio, não se dissesse que o liberalismo económico encontrara em Portugal terreno fértil. Privatizaram-se as seguradoras e os bancos, é verdade; condescendeu-se com a liberalização dos combustíveis e da energia; as comunicações e os cimentos entregaram-se aos privados, mas o Estado chamou a si o horário das mercearias. Nos mares, nas estradas e nos ares circula a iniciativa privada mas respeita-se, na compra do sabão amarelo, o horário das repartições. Não tem horário a gasolina mas têm hora marcada a posta de pescada e o quilo de feijão carrapato.

Andou bem o Governo em proibir às grandes superfícies a abertura de portas ao Domingo. Preferiu a santa missa à venda dos legumes; dificultou a aquisição de frescos mas facilitou a divulgação das homilias; alguns bacalhaus ficaram por vender mas promoveu-se a eucaristia, com hóstias sem código de barras, nem prazo de validade, guardadas sem rede de frio nem inspecção sanitária. Folgam as caixas registadoras nas tardes de Domingo mas agitam-se as bandejas na missa do meio-dia.

Contrariamente ao que eu supunha, não houve, porém, festa nas sacristias, não rejubilou o patriarcado, não aconteceu um lausperene. Nem uma missa de acção de graças. Nem uma noveninha. Provavelmente algum padre-nosso rezado na clandestinidade ou uma ave-maria balbuciada por uma beata enquanto resistia à tentação da carne e ao assédio do marido. A própria Conferência Episcopal desistiu da pastoral da mercearia».

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

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- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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