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Mês: Fevereiro 2008

10 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

A Turquia e o véu islâmico

Nos estados laicos, sem risco de recidivas teocráticas, é inadmissível e paradoxal usar qualquer proibição para assegurar a liberdade individual. Vão longe os tempos em que as mulheres católicas eram obrigadas a usar véu, na igreja, porque o apóstolo Paulo de Tarso considerou o cabelo e a voz das mulheres coisas obscenas, convicção que teve outro efeito secundário – a castração de jovens para evitar mulheres nos coros sacros.

Surpreende que quem defende o direito ao uso do véu islâmico não reflicta nos motivos da sua proibição por Mustafa Kemal, o Atatürk, fundador da Turquia moderna, e na oposição, aparentemente paradoxal, dos sectores laicos e progressistas.

Em primeiro lugar a exibição pública do adereço é um confronto aberto com a laicidade estimulado pelos sectores clericais cujo proselitismo tem na agenda, logo que Alá o queira, a imposição da Sharia. Alá não se pronunciou mas o apelo das mesquitas fez-se ouvir e levou à emenda constitucional que permitirá às alunas o uso do véu islâmico dentro das universidades.

Não é preciso ser profeta para prever a pressão oriunda da função pública a exigir igual «regalia», sem ter em conta que o véu é um símbolo de opressão da mulher, visto com entusiasmo por homens conservadores e por uma sociedade cuja reislamização não tem parado.

O problema não reside na permissão, surge quando o direito se converter em imposição, os islamitas moderados se tornarem fundamentalistas e o véu for substituído pela burka.

Vital Moreira, sempre tão lúcido e perspicaz, não compreende a proibição e, no campo dos princípios, tem razão, mas quem lê o Corão e reconhece a frenética actividade das madraças não duvida da escalada clerical e dos constrangimentos sociais para fazerem da Turquia laica mais um Estado islâmico com os direitos, liberdades e garantias que o arcanjo Gabriel ditou a Maomé para serem impostos segundo a vontade de Alá.

8 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

Tolerância e ecumenismo

O arcebispo de Canterbury, Rowan Willians, líder espiritual dos anglicanos de todo o mundo, sugeriu ontem a adopção de alguns aspectos da lei islâmica, a sharia, no Reino Unido.

Quando o mais alto dignitário da Igreja anglicana apela à derrogação do Código Penal do seu País, para o deixar substituir, ainda que parcialmente, pelo exercício da violência teocrática para um grupo étnico específico, não é o respeito pelas culturas alheias que o move, é a vontade de restaurar o direito canónico da sua Igreja.

O Iluminismo e a revolução Francesa substituíram o direito divino pela vontade popular e criaram o Estado de direito contra os costumes ancestrais. Hoje, nas democracias, vale mais a Declaração Universal dos Direitos do Homem do que as verdades reveladas cuja aplicação faria as delícias dos trogloditas da fé.

O arcebispo de Canterbury não é uma piedosa alimária a quem os jejuns perturbem a mente, um beato analfabeto que saia da missa dominical aterrorizado com o juízo final, um solípede alucinado com a falta da ração. A sua insólita sugestão, que fez exultar os mullahs, é mais uma ameaça nascida nas alfurjas das sacristias onde germina a raiva à modernidade e floresce o ódio à liberdade.

Os líderes muçulmanos vieram logo dizer que não apoiam as decapitações, enforcamentos e lapidações, EM PÚBLICO, tão do agrado do Profeta. Contentam-se com a aplicação discreta e com a abolição desse modernismo hediondo que exige a igualdade entre homens e mulheres, uma conquista civilizacional de que Maomé nunca ouviu falar ao arcanjo Gabriel ao longo dos vinte anos que viajaram juntos entre Meca e Medina, até aprender de cor o Corão.

A tolerância manifestada pelo arcebispo anglicano é o mais violento ataque aos direitos, liberdades e garantias que as sociedades democráticas conquistaram. No ano passado o Reino Unido removeu o Holocausto dos currículos escolares porque ofendia os muçulmanos, que afirmam que o Holocausto nunca aconteceu.

Os ataques orquestrados à laicidade debilitam a democracia e comprometem o futuro da paz, perante a cobardia face à escalada da violência religiosa.

8 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

Notícia pia

Faleceu esta Quarta-feira na Espanha o fundador dos Cursilhos de Cristandade, Eduardo Bonnín, de 90 anos. O funeral realiza-se a 12 de Fevereiro, na Catedral de Palma de Maiorca.

Comentário: Conheci várias vítimas dos «cursilhos» e fui fortemente assediado em 1964 e 1965 para a sua frequência, na Foz do Arelho. Faziam lavagens ao cérebro que, depois, continuavam com forte vigilância sobre os «convertidos».

8 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

Quem torto nasce…

Proselitismo e anti-semitismo

«O principal cardeal do Vaticano para relações com os judeus negou nesta quinta-feira que uma nova oração pedindo a conversão deles seja ofensiva e afirmou que os católicos tinham o direito de rezar como quiserem.

O cardeal Walter Kasper falou em uma entrevista para um importante jornal italiano um dia depois de líderes judaicos mundiais dizerem que a nova oração poderia ser um retrocesso de décadas para o diálogo intra-religioso». (Reuters)

7 de Fevereiro, 2008 Carlos Esperança

Mutilação genital feminina (2)

A violência dos fanáticos

Às vezes dou por mim a pensar que já nada pode surpreender-me. A ditadura em que vivi, o terrorismo religioso das catequistas da minha infância, a guerra colonial, as viagens pelo mundo e algum conhecimento da história das religiões, bem como das misérias e violência do quotidiano, deviam servir-me de vacina para a demência da fé.

Nada disso. O pensamento dos fanáticos, dos mesmos que matam e morrem por um mito, que não admitem quem pense de forma diferente da sua, são um exemplo do que pode a demência da fé e o despautério do fanatismo.

Há tempos referi no Diário Ateísta a prosa do órgão oficial de uma diocese espanhola que, perante um caso de violência doméstica, em que o marido tinha assassinado a mulher, referia, com a mais boçal indigência e crueldade, que bem pior era o crime do aborto porque se um homem mata uma mulher é porque certamente ela o provocou, ao contrário do feto a que chamava criancinha por nascer.

Agora, perante o drama silencioso e cruel da excisão genital feminina, um leitor do Diário Ateísta, profissional nas caixas de comentários, atreve-se à mesma hedionda provocação.

Há na fé destes devotos a sanha brutal contra a mulher, a incontinência verbal dos fiéis, o ódio vesgo à liberdade individual e uma perversão dos valores que transforma pessoas de bem em fanáticos perigosos.

Por cada Alberto fanatizado há, algures, uma mulher a esvair-se em sangue.