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Mês: Setembro 2007

22 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

Paquistão

O mais escutado líder religioso do mundo falou ontem ao planeta para anunciar uma «guerra santa» contra o presidente paquistanês, o autocrata militar Pervez Musharraf. Bin Laden mencionou o ataque à Mesquita Vermelha, no passado mês de Julho (onde os islamistas conseguiram uma centena de mártires), como justificação para declarar Musharraf um «infiel» e um «apóstata» (é a opinião de Ossama). Simultaneamente, foi também disponibilizado nos saites islamistas do costume um vídeo de Al-Zawahiri pedindo que se «limpasse» o «norte de África» dos «filhos da França e da Espanha» (não se sabe muito bem o que isto significa: Ceuta e Melilha, atentados no sul da Europa, ou as sementes de laicismo na Argélia e na Tunísia?); o nº2 da Al-Qaeda exorta também ao combate contra a força das Nações Unidas prevista para o Darfur (Sudão).
Os dois Estados fundamentais no islamismo sunita são a Arábia Saudita e o Paquistão. O primeiro, uma monarquia absoluta wahabita, começou a financiar através da sua classe dirigente grande parte das redes terroristas islamistas há um quarto de século atrás, quando a URSS invadiu o Afeganistão. O segundo forneceu o refúgio territorial e as casas de apoio que permitiram organizar os mujahedin que passavam, através de uma fronteira que só existe nos mapas, para o Afeganistão onde os homens que fundaram a Al-Qaeda se conheceram, combateram lado a lado, e finalmente acompanharam na sua subida ao poder os talibã (um movimento pastune e, ele próprio, transfronteiriço). O diligente apoio dos serviços secretos paquistaneses (ISI), interessados quer no domínio do país vizinho quer em treinar grupos que pudessem infiltrar na Caxemira indiana, nunca faltou nos tempos anteriores ao 11 de Setembro. Também nunca faltaram as fornadas intermináveis de jovens fanatizados produzidas pelas madraças paquistanesas, ou voluntários do Médio Oriente para combater primeiro a URSS e agora os EUA (ou Musharraf). Destruídos os campos de treino do Afeganistão no Outono de 2001, derrubado o regime talibã, o ninho do islamo-terrorismo está quase no mesmo sítio: nas montanhas do Waziristão e noutras zonas tribais da fronteira do Paquistão com o Afeganistão, onde as tribos nunca foram submetidas pelos britânicos e onde o exército paquistanês entrou pela primeira vez em Abril de 2002.
Musharraf e a sua clique, como aqueles que os antecederam no poder em Islamabade, jogaram sempre com o apoio de grupos islamistas, com o seu poder de fogo e capacidade de mobilização. Mas desde que Mohamed Atta acertou com o seu avião na torre norte do World Trade Center, a instabilidade no Paquistão agravou-se, e Musharraf reviu as suas alianças internas para salvar a ligação externa (EUA). Ao conciliar-se com Bhenazir Butto, Musharraf tenta garantir que a sua eleição não dependa dos islamistas. A eleição presidencial (por colégio eleitoral) será no dia 6 de Outubro, as eleições gerais em Janeiro. Veremos se a Al-Qaeda ainda tem capacidade para as influenciar.
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
21 de Setembro, 2007 Carlos Esperança

A religião e a democracia

A História está cheia de facínoras que governaram impérios e oprimiram povos. A caminhada para a modernidade fez-se com sonhadores, intelectuais e livres-pensadores.

Nunca, nessa lenta e dolorosa caminhada, se encontraram doutores da Igreja católica ou mullahs islâmicos. Estes estiveram sempre do lado da tradição, do poder e da repressão.

As ditaduras mais ferozes, as perseguições violentas e os ultrajes maiores à dignidade humana, tiveram a religião como apoio ou locomotiva. Até os despotismos do Séc. XX – o nazismo e o estalinismo – converteram em religião de Estado as sádicas ideologias. Ficamos sem saber se Estaline foi facínora por ter sido comunista ou por ter frequentado o seminário, para além das perturbações mentais que só seriam consentidas por povos herdeiros da demência repressiva dos cristianíssimos czares.

Vejam-se as ditaduras e os ditadores do que é hoje a União Europeia. Tiveram a bênção da Igreja e a cumplicidade de papas, cardeais e bispos. Da Espanha à Croácia, de Salazar a Musolini. E não falemos da América do Sul.

Ainda hoje o Papa, esse travesti garrido e excêntrico, goza da categoria de Chefe de Estado, investido na dignidade por Benito Mussolini nos acordos de Latrão. É um teocrata que se julga ungido de Deus e iluminado pelo Espírito Santo mas que deve a tiara ao poder e dinheiro do Opus Dei.

As ditaduras não são eternas mas as religiosas duram séculos e até milénios, até que o desprezo dos crentes ou a revolta das vítimas as coloque no caixote do lixo da História.

21 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

O Panteão é nosso

Andam por aí uns rumores de que o Panteão Nacional ainda é uma igreja (católica). Acontece que o visitei há poucos anos e não me recordo de ver nada que se parecesse com um altar católico (muito menos os ídolos habituais no politeísmo luso-católico: Cristo, a «Virgem Maria», os santos disto e daquilo, etc). Acresce que na página do IPPAR referente ao Panteão se diz apenas «Tipo de Gestão IPPAR (serviço dependente)», enquanto noutros monumentos onde se realizam actividades religiosas católicas se lê «Tipo de Gestão IPPAR (Serviço Dependente). Igreja afecta ao culto» (caso do Mosteiro dos Jerónimos, do Mosteiro da Batalha, do Mosteiro de Alcobaça). Mais: a «Igreja de Santa Engrácia» não é mencionada no saite do patriarcado de Lisboa da ICAR. E os católicos da freguesia de Santa Engrácia têm outra morada. Portanto, o Panteão Nacional não é uma igreja católica. É dos cidadãos. É mesmo nosso. Viva o Panteão!
21 de Setembro, 2007 Ricardo Alves

Uma nova crise com cartunes?

Não é a prisão de um obscuro cartunista no Bangladesh que tem o potencial para provocar uma crise internacional. Pelo contrário, a publicação por um jornal sueco de cartunes que mostram um cão com cara de Maomé tem todos os ingredientes para gerar as polarizações tão queridas a quem deseja uma «guerra de civilizações». Os cartunes podem ser vistos na (bem nutrida…) página da wikipedia sobre esta polémica, ou no blogue do seu autor, o artista plástico Lars Vilks. Foram publicados pela primeira vez dia 18 de Agosto, um acto que já foi condenado pelos governos do Irão, do Paquistão, do Egipto, da Jordânia e do Afeganistão. Porque será que, desta vez, a «rua muçulmana» ainda não está a ferro e fogo?

Os desenvolvimentos mais recentes incluem uma ameaça de morte vinda da Al-Qaeda no Iraque, com oferta de recompensa monetária de 100 mil dólares pela cabeça do artista («150 mil se for degolado como um cordeiro»), e a passagem à clandestinidade de Lars Vilks, como é evidente. A Repórteres Sem Fronteiras apoia-o, Lars Vilks diverte-se a mostrar as caricaturas em público, a Argélia condena a Al-Qaeda. O governo sueco, de forma mais inteligente do que o dinamarquês, desculpou-se pela ofensa causada defendendo em simultâneo a liberdade de expressão, e convidou vinte e dois embaixadores estrangeiros para uma conversa amigável. Será essa a diferença face ao caso de há um ano e meio?

Ou será que vamos ver outra vez o mesmo filme? Vamos explicar outra vez o que é a liberdade de expressão? Poderá Maomé passar, por exaustão do outro lado, a ser um alvo de sátiras sem consequências de maior?

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
20 de Setembro, 2007 Carlos Esperança

Suprema hipocrisia

Bento XVI afirmou ter esperanças de que os cristãos e os muçulmanos evitem a violência e a intolerância explorando seus valores religiosos comuns e respeitando as suas diferenças.

20 de Setembro, 2007 Carlos Esperança

Véu islâmico começa a dividir a Turquia

O projecto do governo de Ancara de incluir na nova Constituição um texto que autorize o uso do véu islâmico nas universidades está a provocar um violento debate sobre a questão na Turquia.

Não sei o que é um crente moderado, se aquele que aceita umas crenças e nega outras ou o que pretende suavizar a violência da fé e o poder dos clérigos.

Sem a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa a Europa teria ainda monarquias absolutas. Talvez se queimassem ainda homossexuais, bruxas, judeus, apóstatas e hereges. Felizmente, a Europa secularizou-se e rendeu-se à democracia, apesar do azedume do Vaticano.

No Islão a Idade Média vive a apoteose do livro que o arcanjo Gabriel ditou a um pastor analfabeto enquanto os letrados tomavam notas dos ensinamentos. Para os crentes só a sua religião é verdadeira (não são únicos) e é sua obrigação matar quem se afaste.

Não sei se um islamita moderado é aquele que acha que o adultério feminino pode ser castigado com a cadeira eléctrica em vez do espectáculo público da lapidação; se é o que em vez de defender a amputação de um membro se contenta com alguns dedos; se aceita que seja reduzida a distância a que a mulher segue o homem; se consente a redução de uma oração diária e, para quem renegue a fé, permita que a decapitação seja substituída pela prisão perpétua.

Recep Tayyip Erdoğan começa por defender o uso do véu nas universidades e acabará por aceitar a burka. Por ora, quer convencer o mundo de que o crescente islâmico é a Lua minguante mas, quem leu o Corão, sabe que nunca chegará a Lua nova.

Depois da demente invasão do Iraque em que os piores líderes do Ocidente derrubaram a ditadura laica para abandonar o País a uma teocracia xiita, o Irão está na fase de não retorno do poder nuclear e as democracias sentem-se ameaçadas.

A deriva turca, cujo PREC (processo de re-islamização em curso) já começou, aperta o cerco a uma Europa que em vez de defender as forças laicas da Turquia reforça a influência das religiões no seu próprio espaço.