Enviesamentos Cognitivos II – Superstição e negação
Ao procurar padrões e relações quando se analisam dados, podem ocorrer dois erros: a superstição e a negação. A superstição corresponde à detecção de um padrão inexistente: ver regularidade onde só existe acaso. A este propósito interessa contar algo.
Fizeram-se várias experiências com pombos. Em algumas, quando o pombo tocava num determinado ponto da gaiola, ele recebia comida. Se estamos perante um pombo faminto, aquilo que acontece quando ele toca nesse ponto da gaiola e recebe comida é que vai ocorrer um reforço positivo desse comportamento. Se isto acontecer varias vezes, o pombo vai «aprendendo» que tocar nesse ponto gaiola significa que vai surgir comida.
E se o pombo tocar nesse ponto da gaiola e não surgir comida? Da primeira vez que acontecer, o pombo não vai desaprender esse comportamento: esta ausência de reforço não será suficiente para fazer com que o pombo desista de tocar nesse ponto da gaiola. Mas se o pombo tocar várias vezes, sem que nada aconteça, irá ocorrer a “extinção” do comportamento anteriormente aprendido. Ele vai desaprendê-lo.
Nós podemos estabelecer uma determinada probabilidade p. Quando o pombo toca num ponto da gaiola, tem uma probabilidade p de ser alimentado. Se a probabilidade p for acima de um determinado valor, os reforços positivos serão suficientemente frequentes, e a ausência ocasional destes não impedirá a aprendizagem. O pombo saberá o que fazer para se alimentar. Se a probabilidade for abaixo de determinado valor, o pombo poderá não chegar a entender o mecanismo para obter comida.
A condição para que o pombo receba comida pode ser variada – ele pode receber ao dar um pequeno pulo, ao dar um passo para trás, ao virar o pescoço depressa, etc.. O importante é que acima de um determinado valor de probabilidade p (que pode ser bastante inferior a 1/2) o pombo aprende a lição.
B.F. Skinner fez uma outra experiência com os pombos famintos: decidiu dar-lhes comida lentamente, mas ao acaso. Sucede-se que os pombos nunca entenderam que a comida lhes era dada ao acaso. Cada vez que recebiam um grão todos os gestos que tinham efectuado nesse momento recebiam um reforço positivo. À medida que os iam repetindo sem sucesso, esse reforço ia-se perdendo, mas quando surgia um novo grão, novos gestos eram reforçados – e aqueles que tivessem acontecido em ambas as ocorrências saiam muito reforçados. Grão a grão, o pombo ia recebendo reforços e reforços, e detectando padrões onde não existia nenhum. Cada pombo foi criando uma verdadeira «dança». Às vezes davam alguns passos atrás e esticavam o pescoço para a esquerda, outras vezes andavam em círculos e davam pulinhos pequenos para a direita. Depois, a dança ia-se mantendo à medida que mais grãos iam chegando – o pombo interpretava a dança como estando a funcionar. Detectava portanto um padrão – dança igual a comida – onde ele não existia. O pombo demonstrava um comportamento supersticioso.
O comportamento supersticioso do pombo é fácil de explicar à luz da selecção natural. E os mesmos motivos que fizeram com que os pombos cometessem tais erros ao analisar a realidade também se aplicam aos mamíferos em geral e aos seres humanos em particular. Acreditar na ferradura e na pata de coelho é natural. Acreditar no azar trazido pelos gatos pretos e nos benefícios de evitar uma escada também o é.
E a negação – a recusa em assimilar padrões óbvios – pode auxiliar a superstição. As danças da chuva continuam a ser executadas, por muitas vezes que não funcionem. A pata do coelho continua a dar sorte, por muito azar em que participe, e por aí fora…
Muitas das mentiras da religião nascem desta tendência natural para a superstição e para a negação.