Profecias auto-concretizadas
Eduarda lê a sina ao Gustavo. «As coisas podem ter sido difícieis, mas agora vais conhecer muita gente. Uma dessas pessoas será uma rapariga, ruiva, a mulher da tua vida. Vocês vão ter problemas difíceis, que podem não superar, mas os sentimentos um pelo outro são fortes. Também vejo uma viagem, mas não consigo ver onde, apenas sei que será importante. E vejo um problema de saúde grave na tua família».
O Gustavo sabe que estas previsões não correspondem necessariamente ao que acontecerá. Correspondem, tanto quanto acredita, ao que previsivelmente aconteceria caso ele não venha a alterar o rumo do seu destino (acredita que tem liberdade para o fazer).
Quinze anos depois, casado com Madalena, está convencido que é preciso ser muito fechado para recusar as evidências a favor da leitura da sina. Tanto quanto acredita, o seu caso pessoal é paradigmático: passados aqueles tempos difíceis, conheceu de facto muita gente. Conheceu e namorou com uma rapariga ruiva, com a qual veio a casar, e teve vários problemas no casamento. Numa viagem a Paris ficaram furiosos um com o outro, mas passados 3 dias reconciliaram-se. Quanto ao seu tio Alberto, foi-lhe diagonosticado um cancro de pele.
Muitos amigos alegam que o cumprimento desta profecia não tem nada de especial. Quem pode dizer que nunca fez uma viagem com algo de relevante? Será que não era possível que Eduarda adivinhasse os seus problemas pela sua expressão cabisbaixa? Quem nunca teve problemas no casamento? E por aí fora… E quanto à mulher ruiva? «Coincidência», respondem os amigos.
Gustavo ri-se. É preciso ser cego e fechado, é negar as evidências. Coincidência? Que disparate!
E Gustavo tem razão. Não foi coincidência, muito provavelmente.
Foi uma profecia que se auto-concretizou.
Como Gustavo deu algum crédito à profecia, passou a dar muito mais atenção a todas as ruivas que viesse a conhecer. Por um lado confiante («O destino está do meu lado. Ela será minha»), mas por outro disposto a esforçar-se e insistir, mesmo que os primeiros convites não fossem aceites com tanto entusiasmo.
Por causa do crédito que deu à profecia, os acontecimentos previstos tornaram-se, de facto, bem mais prováveis.
E ainda bem que Eduarda não decidiu prever que o Gustavo se suicidaria…
Este fenómeno é recorrente em várias crenças supersticiosas, entre as quais as várias religiões.
O caso do cristianismo é um bom exemplo. A Bíblia está repleta de profecias vagas e confusas, que, tal como os textos de Nostradamus, para se verificarem apenas precisam da interpretação certa (“as nações tremerão depois da destruição vinda do céu” encaixa numa tempestade mediatizada, num bombardeamento polémico, numa praga de mosquitos que cause muitas mortes, ou até na queda de um meteorito maiorzito. Com o quadro interpretativo certo, é quase impossível que uma profecia destas não se cumpra…).
Por outro lado, a Bíblia está cheia de profecias mais concretas que não se verificaram, de todo.
Por fim, tem algumas profecias que se concretizaram desta forma: as pessoas deram-lhes crédito, e isso fez com que acontecessem. Profecias auto-concretizadas.
Esperemos que o número razoável de cristãos que acredita no Armagedão não torne a ocorrência desse evento apocalíptico mais provável…