Bezerrices e porcalhices
Realizou-se em Santa Maria da Feira o sétimo Festival Internacional de Teatro de Rua, de nome Imaginarius, uma excelente iniciativa que visa a aproximação das pessoas ao teatro, à cultura e à criatividade em geral, uma das fugas aos quotidianos e às entediantes normalidades dos espectros “culturais” portugueses, a diversidade vem no dicionário e convém usar de tempos a tempos. Fora dos meios de comunicação mais abrangentes, o festival viu-se finalmente bem-sucedido, aparecendo por várias agências noticiosas, a ajudar esteve o padre Bezerra.
Umas das peças apresentadas foi fortemente agredida pela comunidade Católica, peça de nome “Market Platz 2”, apresentada pela Companhia Cacahuéte, francesa, 22 anos de existência, corridos os quatro cantos do Mundo, incentivada por vários festivais e pelo Ministério da Cultura francês. A peça era divulgada nos seguintes moldes: “Cacahuète apresenta, de forma intencional, um espectáculo obsceno, nojento, mórbido, alegre, cínico, lascivo e provocador, que combina imagens mitológicas e religiosas com alegorias decapantes, reivindicando um certo mau gosto. Certas imagens deste espectáculo são fortemente desaconselhadas às crianças e a pessoas com fortes sensibilidades religiosas.”.
A premissa para o espectáculo era simples e objectiva, critica ao presente consumismo interagido com passados religiosos. Ida à igreja ao domingo de manhã substituída por ida ao centro comercial, deus substituído pelo consumo. Escandalosa por iniciativa própria, escandalizou os católicos, claro está. Mas apenas os portugueses, em França não existiu um único registo de indignação. Quem sabe os católicos que foram ver a peça não saberiam ler, ou confundissem locais. Polémica se deu, já se sabe que para polémica são mil meios de comunicação a um osso, uns quantos católicos não gostaram da peça, bastou para a estupidez.
Porcos em cruzes e virgens marias a tirar prendas da vagina, religião e consumismo em harmonia, criatividade às resmas, tão pouca se vai vendo por estes lados, livre pensamento e livre expressão não caem bem no estômago dos encapuzados, que não comam aquilo que não querem. Bezerro falou do porco, “Pensam que somos tão ignorantes que não vemos a intencionalidade maléfica e satânica de se apresentar um porco numa cruz”. A deduzir temos primeiramente uma falácia de inversão, tenciona não ser ignorante e o é, por não saber ler ou por não saber que num Festival se costuma escolher o que ver ou não ver, baseado numa coisa chamada programa, programa esse que explicitamente advertia o conteúdo. Errado na palavra maléfica, advertir as pessoas para os problemas dos consumismos e materialismos é benéfico, não para ele de certeza, nem para a Igreja Católica. Satanismo é uma advertência engraçada, e sem dúvida que levando a Bíblia a sério, será preferível adorar o diabo, o clerical certamente já leu a Bíblia caso saiba ler, as dúvidas subsistem, e deveria saber perfeitamente que o personagem deus matou biliões de pessoas (basta para as contas o dilúvio), enquanto o personagem Satanás matou 10 pessoas, com a conivência de deus.
O padre Bezerra vai promover um abaixo-assinado para entregar na embaixada francesa mostrando o repúdio por este espectáculo, esquecendo-se de que por exemplo, a Companhia é apoiada pelo Ministério da Cultura de França, que em Portugal existe uma coisa chamada Laicidade, que o 25 de Abril já aconteceu, que quem não gosta não come, que não é provável um Ateu ou um Budista, ou um Hindu irem à missinha, e depois promoverem um abaixo-assinado ao Vaticano mostrando o repúdio pelo canibalismo, comer corpo de Cristo em bolachas e beber sangue. Todos os dias existem centenas de programas violentos na televisão, e que se saiba ninguém morreu no espectáculo, horrorizados os católicos com porcos em cruzes, rapidamente se esquecem da Inquisição, Cruzadas, pedofilias clericais e afins. Hipocrisia aos montes nos catolicismos e bezerrices.
Também publicado em LiVerdades e Ateismos.net